MISTÉRIOS DAS PROFUNDEZAS

Bichos estranhos, neve marinha e 'vulcões': mergulhe até o ponto mais fundo do oceano

Paula Rodrigues e Giacomo Vicenzo

Os primeiros metros do oceano, conhecemos bem. É o ambiente de corais, peixes, caranguejos... Mas hoje vamos até o lugar mais profundo do oceano já visitado pelo ser humano: a Depressão Challenger.

Um mergulho num abismo submerso de quase 11 mil metros, na escuridão total e sob a pressão equivalente a 100 elefantes sobre a nossa cabeça.

332,35 metros

Este é o máximo que o ser humano conseguiu chegar apenas mergulhando. Em 2014, o egípcio Ahmed Gamal Gabr demorou 15 minutos para descer e 13 horas para retornar. Por aqui encontramos a lula vaga-lume e tubarão azul, por exemplo.

Nos anos 2000, foi descoberta no Oceano Atlântico esta "Cidade Perdida", com colunas formadas de carbonato. Aqui, graças aos gases que reagem à água, há microrganismos que vivem sem oxigênio. Para pesquisadores, esse local de aproximadamente 120 mil anos pode dar importantes pistas sobre a origem da vida na Terra.

Chegando aqui, é um breu quase completo. A única luz é a dos animais marinhos que desenvolveram iluminação própria, como o peixe pescador, que usa sua luz para atrair presas, ou o tubarão-pipa, que foi visto brilhando pela primeira vez em 2020, sendo o maior vertebrado bioluminescente do planeta.

Aqui existem animais como a minhoca zumbi, a lula colossal e a água viva cósmica.

No Oceano Atlântico, próximo dos 3.800 metros, estão os destroços do Titanic, que afundou em 1912.

Você chegou na Zona Hadal!

O nome é em homenagem a Hades, Deus grego do submundo. Nas águas quase estáticas, o número de espécies marinhas é reduzido.

Por isso, causou surpresa quando, em abril deste ano, uma espécie de peixe foi filmada nadando a 8.336 metros de profundidade, na fossa de Izu-Ogasawara, sul do Japão.

Depressão Challenger:

O ponto mais profundo dos oceanos conhecido pelos seres humanos.

Em 1960, a marinha norte-americana enviou o tenente norte-americano Don Wals e o oceanógrafo suíço Jacques Piccard em uma missão até o ponto mais profundo dos oceanos, a Depressão Challenger.

A bordo do batiscafo Trieste, Don e Jacques foram os primeiros que conseguiram chegar até os 10.916 metros de profundidade. Eles demoraram quase 5 horas para chegar até lá e ficaram apenas 20 minutos. Mas foi o suficiente para descobrirem que havia vida nas águas mais profundas do oceano.

"Sem dúvida, a descoberta mais interessante foi um peixe que podíamos ver através da escotilha", afirmou Piccard.

"Bioluminescência é desenfreada no abismo. Mesmo onde fomos, que não é uma parte populosa do oceano, por causa da falta de nutrientes longe da terra".

Em 2016, uma outra equipe, dessa vez de biólogos marinhos, explorou a Fossa das Marianas e encontrou mais criaturas que vivem nesse quase desconhecido abismo. Estima-se que ela tenha se formado entre 5 a 15 milhões de anos. Essa também pode ser a média de tempo das espécies que vivem por lá.

Sem luz e no frio intenso, os seres que vivem nas profundezas dependem de um fenômeno conhecido como "neve marinha". A "neve" é formada por detritos de plantas e animais mortos que descem para as partes mais profundas e viram alimento para estes seres das profundezas

A formação desse abismo no oceano está ligado às características das placas tectónicas da região. Elas se deslocam em direções opostas e formam esse grande cânion no oceano.

Longe do sol, quem faz a função de ajudar na geração de vida e no aquecimento do abismo são as fontes hidrotermais: "rachaduras na crosta Terra" em que existe atividade vulcânica. Eles expelem água acidificada, um desafio a mais para adaptação dos seres que vivem na região.

Pesquisadores da Universidade da Califórnia ligaram essas fontes à "origem da vida". Elas seriam o local dos primeiros ciclos de fixação de carbono e de moléculas complexas, base da vida como conhecemos hoje.

Além de Don e Jacques, apenas duas outras tripulações mergulharam até o ponto mais profundo do oceano. Em 2012, o cineasta James Cameron, diretor de 'Titanic' foi o segundo a fazer a viagem. Foram oito anos trabalhando junto a uma grande equipe para construir o submersível Deep Sea.

Após duas horas, ele atingiu o ponto de 10.800 metros de profundidade e ficando por lá 90 minutos filmando tudo.

"Me senti como uma criança num carro indo para a Disneylândia"

James Cameron

É como dizem: sabemos mais do universo do que do fundo do mar. 80% desse ecossistema ainda não foi mapeado.

"Uma das expectativas de explorar a vida fora da Terra é olhar para esses seres do fundo do mar, que se assemelham ao início da vida na Terra. Esses organismos dão pistas do que pode estar acontecendo em outros planetas"

Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP)

Porém... é preciso cuidado com esse ecossistema. Um estudo recente identificou que uma sacola é o item plástico "mais profundo do planeta Terra".

Fontes: Gabriel Pontes, oceanógrafo; Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN); e NOAA (Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos).