Voz da Amazônia

Fafá de Belém: 'COP-30 é a oportunidade para sermos vistos e ouvidos. Não queremos ser uma Disneylândia'

Lia Hama Colaboração para Ecoa, em São Paulo (SP) Estúdio Tereza e Aryane

No próximo carnaval, a cantora Fafá de Belém será homenageada pela escola de samba paulistana Império de Casa Verde com o enredo "A Cabocla Mística em Rituais da Floresta".

"Eu represento as meninas da Amazônia que um dia saíram de lá e trouxeram a Amazônia com elas", explicou à Ecoa a artista paraense de 66 anos que se tornou uma espécie de embaixadora da região, divulgando-a para o resto do mundo.

Belém, terra natal de Fafá, atrai os holofotes mundiais desde maio, quando a cidade foi anunciada como sede da 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30) em 2025.

Desde então, uma série de eventos preparatórios vem acontecendo na capital paraense, incluindo a Cúpula da Amazônia que acontece entre hoje e amanhã.

Belém está uma loucura, as pessoas já estão chegando lá. Mas a ignorância sobre nós, povos amazônicos, é muito grande. A COP-30 vai ser uma oportunidade para sermos vistos e ouvidos", Fafá de Belém

Estúdio Tereza e Aryane

No centro do mundo

Ecoa: Qual é a importância de uma cidade amazônica ser escolhida para sediar o mais importante evento global sobre mudanças climáticas?

Fafá de Belém: É a oportunidade para sermos escutados. Fala-se muito de Amazônia, desde que me entendo por gente. Tratam a região com "preocupação", como se fosse uma questão a ser resolvida por estrangeiros. E quem são os estrangeiros? São as pessoas que não vivem lá.

Por mais que exista boa vontade, sem ouvir os povos originários, você não vai conseguir fazer nada de bom. Sem ouvir os ribeirinhos, não vai saber do que precisam. Sem ouvir os extrativistas, não vai entender o que é necessário para manter a floresta em pé. Então nós, povos dos estados amazônicos, queremos ser vistos e ouvidos.

Qual é a sua expectativa em relação à COP-30?

A Amazônia muitas vezes é vista apenas como uma curiosidade, algo exótico e folclórico. A COP vai ser o momento de nós voltarmos a ser olhados como uma cultura e uma sociedade.

Espero que a Amazônia seja um oxigênio cultural, estético e gastronômico para o Brasil e não uma Disneylândia. A COP e tudo o que está gerando em torno dela está trazendo um cruzamento de olhares que vai ser fundamental para nós.

De que forma o evento que você organiza, a Varanda de Nazaré, ajuda a divulgar essa cultura?

Quando há 13 anos comecei a fazer a Varanda de Nazaré durante o Círio de Nazaré, a maior procissão mariana do mundo, quis levar essa cultura a quem vem de fora. Mostrar a nossa culinária, a nossa fé e uma das maiores festas LGBTQIA+ do país, a Festa da Chiquita.

Agora, como preparação para a COP-30, estamos começando a promover debates, encontros e discussões com pesquisadores e jornalistas para criar um entendimento do que nós somos no mundo.

É um projeto mais do que nacional, é de visibilidade mundial de uma Amazônia plural e robusta. Quero mostrar como somos únicos e, ao mesmo tempo, universais", Fafá de Belém

Estúdio Tereza e Aryane Estúdio Tereza e Aryane

Rodeada de água e floresta

Como foi sua infância e adolescência nos rios e nas florestas da região?

Cresci rodeada de água, a água é o elemento fundamental de Belém. É a água da chuva, do igarapé, do banho de rio. O passeio no final de semana é dar uma volta de barco. A gente come do outro lado do rio e toma banho de cano.

Nossa intimidade com a floresta é muito grande. Temos uma relação com as folhas: as ervas de cozinha, de perfume, de proteção. No Mercado Ver o Peso, existe uma avenida de farinhas, cada uma com sabor diferente. Essa coisa dos paladares, dos aromas e dos sabores, é muito nossa.

Outro dia eu estava em Parintins (AM) e o [ator] Alexandre Nero veio falar comigo: "Fafá, estou descobrindo papilas gustativas que eu jamais imaginei que tinha".

Porque os nossos frutos, peixes e ervas fazem com que a gente vá desvendando mistérios dentro da boca. Eu nunca me despedi disso, nunca saí de lá. Estou sempre indo e vindo de Belém.

Estúdio Tereza e Aryane

Como é o seu trabalho de embaixadora do IPAM (Instituto de Pesquisa Amazônica) e da FAS (Fundação Amazônia Sustentável)?

É divulgar, é trazer luz, é ir com eles aos lugares e falar sobre a importância da preservação da floresta amazônica. No ano passado, fui para a COP-27, no Egito. Palestrei como mulher amazônica e falei do trabalho desenvolvido com mulheres de comunidades da região.

Tem uma mulher maravilhosa chamada Rita Teixeira, educadora do Movimento de Mulheres do Nordeste Paraense. Eu a conheci quando fui cantar na Brazil Foundation, em Nova York, em 2018.

A instituição premia quem está por trás de iniciativas inspiradoras na Amazônia. A Rita foi uma das homenageadas. Ela é uma mulher da região de Capanema, no Pará, que foi juntando outras mulheres para a extração de mel.

Essas mulheres não podiam trabalhar fora porque os maridos não gostavam que elas saíssem de casa, mas elas extraíam para consumo próprio. Aí a Rita falou da importância de terem o sustento delas, de não dependerem dos maridos. Hoje você chega a Capanema e encontra barracas e mais barracas de mel de várias cores. Tudo é extraído e vendido por essas mulheres.

Que saídas você enxerga para aliar desenvolvimento econômico e preservação ambiental na Amazônia?

Eu não sou técnica, sou leiga, mas acho que uma das coisas fundamentais nesse momento é a despoluição das nossas águas. Nós precisamos fundamentalmente de saneamento básico em Belém.

Quando eu era criança, a gente ia tomar banho de rio e levava escova de dente no maiô. Eu escovava os dentes no rio.
A água não nos adoecia e hoje adoece pela quantidade de esgoto e mercúrio que é despejado nela. As crianças têm diarreia, pegam doenças. Também precisamos acabar com a cultura que o madeireiro trouxe de que floresta boa é floresta derrubada.

Do papa à escola de samba

Você vai ser tema do enredo da Império de Casa Verde no carnaval do ano que vem. Qual o significado dessa homenagem para você?

A notícia ecoou dentro de mim como quando cantei para o Papa João Paulo 2º em 1997. Naquela ocasião, fiquei dois dias fora do ar absorvendo e, como a gente diz no Norte, jiboiando os olhares todos que vieram de reconhecimento de um trabalho.

Agora foi a mesma coisa: senti como uma forma de reconhecimento, de olhar para essa mulher e para essa região amazônica com respeito, contando essa história da qual me orgulho muito.

O enredo da escola abraça não só o Pará, mas a Amazônia como um todo: a cultura cabocla, os povos indígenas, o Theatro da Paz, a Belle Époque. Eles vão a Belém, ver o Círio de Nazaré, e a Parintins, ver o Boi Bumbá. Então é muito bonito e antecipa a comemoração dos meus 50 anos de carreira, que acontece em 2025.

Em quais projetos você está trabalhando agora?

Na edição deste ano da Varanda, que acontece em outubro; no meu novo show, que estreia em novembro; e nos documentários sobre a minha vida. Tem quatro longas que querem fazer comigo. Aí tem a homenagem da escola de samba e uma biografia que eu quero escrever.

A [atriz, humorista e cantora] Nany People saiu na frente nas homenagens, está rodando o país com um espetáculo chamado "Sob Medida - Nany Canta Fafá", com sucessos meus. Então vem muita coisa por aí.

Estúdio Tereza e Aryane Estúdio Tereza e Aryane
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