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Tomas Rosenfeld

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O caminho das plantas

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Imagem: Reprodução

21/12/2021 06h00

Conheço Bernardo Tomchinsky há mais de vinte anos. Contudo, não o convidei para uma entrevista em função da nossa amizade, mas sim, evidentemente, por sua experiência profissional. Bernardo é doutor em agronomia e tem vasta experiência com o manejo de plantas, tanto medicinais, como alimentícias tradicionais.

Começamos nossa conversa nos atualizando sobre nossas vidas, ele me perguntando onde estávamos morando e eu falando sobre o bairro. Ele contou então que seus avós moraram na mesma rua em que vivo hoje, "eu era pequeno, a única coisa que eu lembro do prédio, é que tinha uma imensa jaqueira na frente", ele diz. Enquanto ouço, sorrio. Por não ser uma característica tão comum entre os edifícios paulistanos, concluímos que estamos falando do mesmo lugar.

Além da coincidência em si, fico pensando em como nossos interesses vão se formando ao longo da vida. Para Bernardo, o pé de jaca era o que mais chamava a atenção e se instalou na memória de um futuro botânico.

Ao passarmos para os aspectos profissionais da conversa, falando sobre bioeconomia na Amazônia, percorremos novos caminhos. Bernardo gosta das histórias, de como a exploração do babaçu, da castanha ou do jaborandi foi se tornando o que é hoje.

No caso do jaborandi, ouço como o extrativismo dessa folha ganhou força com a chegada de um laboratório alemão, interessado em seu uso medicinal. Conhecida há séculos pelos povos indígenas, por fazer salivar e adormecer a boca, a substância despertou o interesse dos alemães pelo seu emprego em medicamentos para o glaucoma.

A tal substância, chamada de pilocarpina, não pode ser produzida de forma sintética. Ao menos até hoje, ainda não descobriram uma forma de fabricá-la em laboratório. Para enfatizar que existe uma tendência rumo à industrialização, Bernardo conta a história de um dos medicamentos mais utilizados no mundo: a aspirina. Inicialmente, o ácido acetilsalicílico era extraído das folhas do salgueiro até que foi sintetizado pela indústria química europeia. Dessa forma, a substância, que saiu das florestas, passou a ser produzida sinteticamente.

Os caminhos que as plantas percorrem — influenciados, por um lado, pelo interesse econômico e, por outro, pelos limites à produção extrativista — atravessam nossa conversa. Um outro agrônomo, Alfredo Homma, escreve há anos sobre o tema, sugerindo que há uma trajetória difícil de ser evitada pelo extrativismo.

Quando a demanda aumenta, a extração na floresta passa a não dar conta do volume necessário à produção. Procura-se manejar e então domesticar as plantas e, logo que possível, produzi-las sinteticamente. Foi assim com parte da produção da borracha na Amazônia, que deixou o norte do país para ser cultivada de forma intensiva na Malásia e então produzida de forma artificial em laboratórios.

Esses caminhos que tomam as plantas são uma grande preocupação de Bernardo. Ele conta que outro risco, "é virar tudo fetiche", como ele diz, ao mencionar as PANCs (Plantas Alimentícias Não Convencionais), adotadas por diversos chefs das grandes cidades. Não que o aumento de popularidade dessas plantas seja em si um problema, mas apostar em nichos de consumo sem as políticas públicas adequadas parece para ele um caminho arriscado.

Ao final da conversa, mando para Bernardo uma foto do meu prédio, confirmando se tratar do mesmo edifício onde seus antepassados viveram e onde uma jaqueira marcou sua infância. Olhando de trás para frente, não é difícil perceber os padrões em uma trajetória, mas ao olhar para o futuro, tudo se torna incerto. O caminho que os produtos da nossa sociobiodiversidade irão percorrer estão, em certa medida, em nossas mãos.


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Com essa coluna, saio de férias. Volto dia 18 de janeiro.