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Sérgio Luciano

Não basta reduzir o desemprego

07/10/2020 04h00

Ontem estava revisitando a gravação de um painel do Fórum Econômico Mundial, em 2019, onde painelistas falavam sobre evasão fiscal e desigualdade.

Questionamentos à normalização do acúmulo de capital financeiro por um número de pessoas que dá para contar nos dedos da mão (metaforicamente falando, tá), enquanto incontáveis pessoas passam aperto danado e sobrevivem fazendo contas sobre qual boleto vão deixar de pagar a cada mês. Será o aluguel? Conta de água? Luz? Deixar de comprar uma peça de carne? Coisas assim.

Antes de seguir a leitura, saiba que não tenho respostas prontas, e tampouco certas, para esse problema complexo que é a desigualdade. Porém, não ter respostas não significa que esse tema não precisa ser exaustivamente debatido e problematizado.

Trago abaixo uma breve troca entre Ken Goldman, ex-diretor financeiro do Yahoo, e Winnie Byanyima, diretora executiva da Oxfam Internacional (confederação de 19 organizações e milhares de parceiros atuando em mais de 90 países na busca de soluções para o problema da pobreza, desigualdade e injustiça).

Ken Goldman, que estava assistindo o painel, diz:

Eu tenho que dizer, honestamente, que esse é um painel unilateral. Os Estados Unidos têm basicamente a menor taxa de desemprego da história, a menor taxa de desemprego de pessoas negras da história, a menor taxa de desemprego de jovens da história.

Nós atualmente reduzimos a pobreza ao redor no mundo, e ninguém aqui está falando sobre isso. Eu gostaria que o painel falasse sobre, para além de taxa. Então, gostaria que o painel falasse sobre, além dos impostos, sobre o qual cada um de vocês falou - a única coisa sobre a qual vocês falaram em todo este painel sobre desigualdade - o que podemos realmente fazer para ajudar a resolver a desigualdade com o tempo, além dos impostos?

Então, Winnie Byanyima, que estava como painelista, responde:

O cavalheiro que acabou de falar, que disse que nós falamos apenas sobre impostos e que os trabalhos estão aí e as taxas de desemprego estão baixas, deixe-me lhe dizer uma coisa: nós estamos falando sobre trabalhos, mas a qualidade desses trabalhos.

A Oxfam também trabalha com trabalhadoras avícolas no país mais rico do mundo, os Estados Unidos. Trabalhadoras avícolas. São mulheres que estão cortando e embalando frangos, e nós os compramos nos supermercados. Dolores, uma mulher com quem trabalhamos lá, nos disse que ela e suas colegas de trabalho tem que vestir fraldas para trabalhar porque não lhes é permitido ter pausas para ir ao banheiro. Isso no país mais rico do mundo. Esse não é um trabalho digno. Esses são os trabalhos que nós fomos informados sobre, que a globalização está trazendo trabalhos.

A qualidade dos trabalhos importa. Isso importa. Esses não são trabalhos dignos. Em muitos países, trabalhadores não tem mais voz. Não lhes é permitido sindicalizar, nem negociar por salários. Então, nós estamos falando sobre trabalhos, mas trabalhos que trazem dignidade. Nós estamos falando sobre cuidados de saúde.

O Banco Mundial nos disse que 3,4 bilhões de pessoas que ganham 5,5 dólares por dia estão à beira, estão a apenas uma conta médica distantes de afundar na pobreza. Eles não têm cuidados de saúde. Estão a apenas uma perda de safra de afundarem de volta na pobreza. Eles não têm seguro para suas safras.

Então, não me fale sobre baixos níveis de desemprego. Você está contando as coisas erradas. Você não está contando dignidade das pessoas. Você está contando pessoas exploradas.

Essa breve troca entre Ken e Winnie me lembra do quão fundamental é compreendermos sob quais narrativas estamos vivendo, percebendo, contando e construindo o mundo. Individual e coletivamente.

Quais narrativas você tem alimentado?