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Sérgio Luciano

A escuta e a desconstrução de imagens de inimigo

Mulheres conversando - wsfurlan/Getty Images/iStockphoto
Mulheres conversando Imagem: wsfurlan/Getty Images/iStockphoto

Sérgio Luciano

09/12/2020 04h00

Durante alguns bons anos atuei em cargos de gestão numa multinacional. E uma das coisas com as quais eu me cansava eram as reuniões operacionais e gerenciais junto a um de nossos clientes.

Da saída do nosso escritório até o local de reunião, que ficava no mesmo complexo empresarial, era um festival de reclamações e construção ativa da imagem de que "o outro lado" vivia para nos ferrar. Alimentada por mim e por demais pares de trabalho. Uma sensação de estar, literalmente, entrando em terreno inóspito e hostil, sabe.

Alguns pensamentos e falas que constantemente surgiam: "Essa galera não se importa e só tá a fim de ferrar com a gente", "Eles se acham muito importantes, mas não sabem de nada", "Somos bons demais pra eles, e só vão dar valor quando não mais formos prestadores de serviços", "Eles são muito agressivos e não tem respeito algum pelo próximo", dentre outros.

Talvez você se identifique com alguma dessas expressões. Ou, quem sabe, com todas elas. Aliás, o que elas têm em comum?

A construção e alimentação constante de uma imagem de inimigo. Um julgamento que se retroalimentava e, cada vez mais, gerava distanciamento e reatividade.

Quanto mais o tempo passava, menos saudável essa relação se tornava. A ponto de viver um constante estresse e ansiedade onde, em dados momentos, a única coisa que passava pela minha cabeça era "que horas acaba essa merda de reunião".

Fora o fato de que, se por um lado eu apontava o dedo dizendo que a atitude do cliente era um problema, me justificando em suas ações, por outro lado eu me recriminava por não ser nada profissional pelo fato de pensar e expressar essas coisas.

Felizmente, depois de alguns anos, fui aprendendo que meus pensamentos não deixariam de vir espontaneamente, mas eu poderia conscientemente interagir com eles. Isso, foi libertador.

Primeiro, comecei a compreender que esses meus julgamentos sobre o cliente diziam sobre algo importante para mim que não via sendo cuidado.

Quando o cliente imputava uma responsabilidade sobre mim, que não era de minha competência, mas dele, para mim era importante transparência, respeito e justiça. E não via isso sendo levado em conta.

Foram diversas situações com as quais me surpreendi ao me permitir olhar para o que era importante pra mim. E fazia total sentido eu ficar com raiva, possesso, diante de determinadas ações.

Eu também passei a imaginar o que talvez seria importante pra ele. Curiosidade genuína, para além dos julgamentos que tinha. E só o fato de imaginar que ele tinha uma atitude como forma de cuidar de algo importante pra si (ainda descuide de mim), me ajudava a humanizá-lo.

Com o tempo, me permitir olhar para o que era importante pra mim, e imaginar o que era importante para o outro, contribuiu bastante para eu poder respirar fundo e conscientemente parar de jogar o jogo da culpa e acusação. Assim, estar mais aberto à escuta.

Lembro de uma vez que o cliente pediu algo sem sentido pra mim e, ao invés de virar os olhos e dizer que era babaquice (sim, eu fazia isso), eu resolvi escutar com curiosidade o que lhe fazia pedir aquilo. Descobri que contribuiria com melhorias internas pra eles e, consequentemente, pra nós.

Foram vários momentos em que me abrir para a escuta e desconstruir a imagem de inimigo cuidaram de melhorar a relação que tínhamos. Ainda que fosse bem intensa, dados outros aspectos fora de nossa alçada.

Há quem ache isso tudo banal. É óbvio que escutar é o caminho. Porém, esquecem que nem todos tem acesso a isso e deslizam em sua arrogância e prepotência.

Há quem ache uma baboseira, e que o mundo corporativo é faca na caveira mesmo e tudo que falei não passa de idealismo. Talvez, sua desesperança precise ser a desesperança de todos. Vai saber.

E há um tanto de gente entre esses extremos, que anseia um pouco de paz. De tranquilidade. E esse olhar pode ser uma nova, ainda impensada, possibilidade.

Isso tudo é fácil? Jamais! Dá um trampo danado assumir a responsabilidade por mudar de atitude, independente do que o outro fará. É escolha. Decisão.

E se você se inquieta com essa temática, tem um autor que talvez valha conhecer. Pode saber mais sobre nesse link aqui.