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Sérgio Luciano

Será o esgotamento de si, do outro e do planeta, nosso único destino?

22/07/2020 11h31

Tempos atrás comecei a ler "Sociedade do Cansaço", um livro que tem mexido bastante comigo e trazido reflexões profundas acerca de como vivemos o desempenho, crescimento e melhoria enquanto sociedade, e seus impactos em nossa saúde e bem-estar físico, emocional e psicológico.

E, para seguir, quero trazer um dos trechos do livro que mexeu comigo:

"Problemática não é a concorrência entre os indivíduos, mas o fato de tomarem a si mesmos como referência e de aguçar neles, assim, sua 'concorrência absoluta'. O sujeito do desempenho concorre consigo mesmo e, sob uma coação destrutiva, se vê forçado a superar constantemente a si próprio. Essa autocoação, que se apresenta como liberdade, acaba sendo fatal para ele. O burnout é resultado da concorrência absoluta."

Nesse trecho, em especial, me chama a atenção duas palavras que surgem juntas: AUTOCOAÇÃO E LIBERDADE.

Nos vemos livres para sermos quem quisermos, para fazermos tudo o que achamos possível, e impossível, ser feito. Ao mesmo tempo, escravos desse crescer e sempre TERMOS QUE ser melhores, para continuarmos a ser adequados. Sermos alguém digno de nossa própria aprovação e, consequentemente, aprovação social.

Adequação e aprovação condicionadas a um sistema de crenças, certamente. Que dita como regra frases como:

- Pessoas de sucesso são pessoas que se esforçam bastante. Quem não se esforça e não cresce, é fracassado.

- Se você não tem grandes ambições no trabalho, você é medíocre. Só ambiciosos são valorizados.

- Se sua empresa não crescer mais no próximo ano, vai ficar para trás. O único jeito de se manter sustentável é continuar crescendo sem parar.

- Se você tem tempo de reclamar, você tem tempo de se mexer e mudar as coisas. O sol só nasce para os fortes, e os fracos não têm vez.

Poderia listar 1001 citações que remontam a um pensamento que valoriza o crescer e a busca por perfeição, e menosprezam tudo que soe contrário a isso.

Esse pensamento reflete uma lógica mais ampla, vigente no sistema atual, que vorazmente consome recursos para crescer e se manter crescente. E, quando tirado o norte do crescimento, se vê em risco de extinção.

Sem crescer e prosperar produzindo mais, fazendo mais, sendo mais, o que resta de nós? Quem somos nós? Seja individual ou coletivamente, vivemos uma busca constante por sermos melhores para continuarmos pertencentes a uma visão de mundo já enraizada, sem saber o que mais seríamos se a ela não pertencêssemos.

Quando o céu já não é mais o limite, o ir além se torna opressão. Abaixo disso, é o mundo dos fracassos, do qual lutamos para não fazer parte.

Mas será que, ao invés de crescer o tempo todo, e a todo custo, é possível tirarmos o pé do acelerador, pisar um pouco no freio, engatar uma marcha anterior? O que isso acarretaria? E o que seria necessário para emplacarmos alternativas a uma busca desenfreada por crescimento?

Veja que desacelerar é totalmente diferente de puxar, e manter puxado, o freio de mão. Uma coisa é uma coisa. Outra coisa é outra coisa. Ademais, não estou dizendo que é errada a busca por desempenho, crescimento e melhoria. Pelo contrário, acho necessária essa busca.

Minha provocação é sobre o significado único que temos atribuído a essas três palavras. Convidando a vislumbrarmos possibilidades que sejam mais saudáveis e sustentáveis, individual e coletivamente. Ao mesmo tempo.

Aliás, pode ser que alguns leitores queiram resgatar argumentos para desqualificar essa proposição, desafiando-me a viver o que falo. Adianto que esse texto nasce, justamente, de uma busca pessoal. A empresa que empreendo atualmente é um laboratório vivo onde tenho explorado novos significados para desempenho, crescimento e melhoria.

Uma das maiores conquistas tem sido reduzir minha jornada de trabalho, me permitindo ter mais tempo para dedicar a sonhos pessoais e a projetos de cunho social e coletivo. Também tenho buscado estratégias para que pessoas que trabalham conosco tenham uma jornada de trabalho cada vez menor, sem reduzir seus ganhos (e, sempre que possível, aumentando-os).

Do ponto de vista de distribuição de lucros e acúmulo de capital, tenho bem claro qual o teto de retorno que espero enquanto indivíduo e empresa. Num último projeto iniciado, envolvendo tecnologia, já começamos com um teto de crescimento, e o que fazer após chegarmos nesse teto.

Aliás, veja bem. Não sou cínico de dizer que não tenho esperança de ter uma grana bacana na conta para garantir uma aposentadoria com qualidade de vida, bem como para manter a qualidade dos serviços ofertados pela empresa. Porém, para todo lucro adicional, o foco é transbordar e retornar o dinheiro para a sociedade, de diversas formas.

Felizmente, posso dizer que essa minha busca tem se materializado aos poucos. E reconheço que, além dos méritos individuais e esforço ao longo dos últimos anos, alguns privilégios que acumulei ao longo da vida me apoiaram a chegar até aqui. Sei também que a equação é muito mais complexa do que um texto de opinião de alguns mil caracteres daria conta de cuidar.

Ademais, nada que trouxe acima são verdades absolutas. Enquanto alguns podem discordar e achar tudo um monte de groselha, para outros pode ser uma valiosa contribuição. Essas são, tão somente, provocações e reflexões acerca desse livro que achei que seria leve e gostoso, mas tá sendo igual alguns remédios caseiros de vó:

Nem sempre tão fáceis de engolir, mas que fazem um bem enorme à saúde.