Além das paisagens, da cultura e do Instagram: o prêmio oculto das viagens
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Na versão americana da série "The Office", há um episódio em que três colegas de trabalho viajam juntos de Scranton, nos Estados Unidos, para Winnipeg, no Canadá. A viagem é desimportante — visitar um cliente — a um lugar sem atrativos evidentes — antes que eu seja cancelado pelos winnipegianos, é assim que a cidade é apresentada no episódio.
Dois dos colegas, Oscar e Andy, nem sequer saem do hotel. Amarram uma bebedeira que resulta em confusões que não vêm ao caso. O que interessa, aqui, é a conclusão de Andy, ainda na ressaca do dia seguinte. Algo assim: "Trabalho há anos com o Oscar e só vim conhecê-lo nesta viagem".
Os relatos clássicos das grandes viagens se moldam ao arco narrativo da jornada do herói. O protagonista é desafiado a sair de uma situação cômoda com a promessa de uma recompensa. A resposta quase instintiva é uma recusa ao chamado.
A zona de conforto é... confortável, para quê se arriscar? O desejo, porém, acaba falando mais alto e ele, ou ela, parte rumo ao desconhecido. A terra prometida, o eldorado, um ambiente de paz. No exemplo dos grandes aventureiros, a expectativa de recompensa é justificativa suficiente para se pôr em movimento.
No nosso caso, é verdade que lindas paisagens, culturas exóticas, gastronomia imperdível — para depois postar tudo no Instagram, como exemplifica a espantosa profusão de telas móveis no Ano Novo da Champs-Élysées, em Paris — também são boas razões para tirar o traseiro da poltrona e passar pelos inevitáveis perrengues implicados no ato de sair de casa. Pois, exceto para os super-ricos e seres iluminados com a terapia em dia, viajar nunca é fácil.
Dependendo do destino, a série de infortúnios pode envolver engarrafamentos mastodônticos, filas a perder de vista, falta d'água ou inundação, perda de documentos, roubo de celular, voos cancelados, ansiedade e crises de pânico, golpes em táxis, hotéis e restaurantes, insolações, viroses, doenças antigas ou novas transmitidas por insetos, vermes e outras formas de vida menos populares.
Sim: também na era moderna não faltam as provações para desafiar, em suas epopeias de férias, os heróis contemporâneos e seus pacotes parcelados em 12 vezes pela CVC.
Nas jornadas clássicas, quando tudo dá certo, o herói retorna com sua recompensa, mas seu grande prêmio costuma ser de outra ordem. Ele volta transformado, mais sábio, compreendendo algo sobre si e sobre os outros que antes não conseguia compreender.
É dessa ordem a retribuição expressa por Andy em The Office. Atira-se no que vê, acerta-se o que não se vê. E quase sempre costuma compensar.
Em 1987, meus pais promoveram uma road trip que só seria possível na virtual inexistência de normas de segurança dos anos 1980. Abaixaram o banco de trás da velha Caravan, preencheram o espaço com malas e, por cima, jogaram um colchonete. A última camada seríamos eu, minha irmã e meu irmão mais novo, que percorremos deitados mais de 4.000 km em três países.
As escalas ainda estão frescas na memória: de São Paulo a Lages, depois Caxias do Sul, Chuí, Montevidéu, Buenos Aires, Punta del Este, novamente Chuí, Porto Alegre, Torres, Porto Belo, Curitiba e de volta a São Paulo. Dessa micro volta ao mundo em 17 dias, ficaram as lembranças das águas congelantes em Punta, do cupim inesquecível numa churrascaria de beira de estrada em Curitiba e do hotel mal-assombrado em Montevidéu.
Mas sobretudo o que me vêm à mente é o carro e seus habitantes. As intermináveis conversas sobre onde iríamos dormir -- a viagem teve planejamento próximo a zero --, que esbarravam no orçamento apertado e em nossas exigências infantis: "Tem parquinho?" Na direção imprudente com que meu pai revelava seu prazer de piloto frustrado, minha mãe, sua agonia, e ambos sua capacidade de improviso: como sobreviver com um carro a álcool na escassez do combustível no Uruguai e na Argentina?
E meus irmãos. Na minha memória, nesse passado contaminado pelo presente, foi o momento em que fomos mais próximos. Com as músicas, brincadeiras, provocações e inevitáveis brigas simbólicas e físicas. No hiato do espaço-tempo cotidiano que as férias representam, conheci-os melhor e também fui me reconhecendo, entendendo como suportar uma viagem longa, a dormir em hotéis questionáveis e, sobretudo, às despedidas das amizades daqui e dali. Para mim, essa é até hoje a parte mais difícil das viagens, embora cada vez com menos drama. Seria esse um embrutecimento diante da vida ou o prêmio que conquisto a cada retorno?
Neste verão, tive a chance de viajar para a praia com minhas filhas. Pude ver minha filha maior ("posso falar que já tenho nove anos, né, papai?"), mais introspectiva, em sua lida particular para fazer amigos, cercando a turma da recreação meio de longe, chegando de mansinho, ensaiando algumas palavras. E minha filha menor em meus braços, olhando a paisagem de dentro de um mar de águas calmas enquanto filosofava sobre a necessidade de agradecermos, todos, sem exceção, por existir — opinião que, espero, ela tenha conservado na noite seguinte, quando por três vezes pôs os bofes para fora na privada do banheiro.
Acho que o processo de edição de lembranças, sempre benevolente quando se trata de férias, vai se encarregar de limpar esse episódio periférico para conservar o essencial. Para mim, a viagem foi uma recompensa e tanto, espero que para elas também.
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