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Júlia Rocha

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Lula já ganhou? As eleições de outubro e as tarefas para ontem

Próximos meses serão de muita maquiagem - Getty Images
Próximos meses serão de muita maquiagem Imagem: Getty Images

22/02/2022 14h05

Bolsonaro não está morto. Ao contrário, está bem vivo, abrindo os cofres públicos e distribuindo dinheiro para colher popularidade e votos em pleno ano de eleição.

Há quem se enfureça dizendo que isso é um absurdo e, de fato, é. Com a máquina pública nas mãos e, depois de passar três anos esmagando o povo trabalhador com seu coturno neoliberal, o presidente vai nos próximos meses fazer a derradeira manobra em busca de reverter sua desvantagem nas pesquisas.

Bolsonaro vai retocar a maquiagem do seu governo. Feito quando alguém vai ao banheiro no meio da festa, já altas horas da madrugada, ajeita o cabelo que estava desgrenhado, usa um enxaguante bucal, passa um batonzinho para chegar na pista de dança com cara de quem aguenta firme as duas horas que faltam até o fim da noite.

E sabe o que vai acontecer? A maquiagem de fim de noite vai funcionar!

Jair está se arrumando para outubro. E ele, ao contrário da moça que vai ao banheiro só com um batom na bolsa, tem uma banheira de hidromassagem, um massoterapeuta e um maquiador profissional à disposição dele. Ele vai sair de lá no final da balada, enquanto todo mundo está literalmente morto e acabado, com a carinha de quem acabou de chegar.

Engana-se quem acha que ele e os que ele representa vão simplesmente entregar a eleição de bandeja pra quem quer que seja, seis anos depois de terem movido céus e terras na construção de um golpe. Isso nem existe.

A maquiagem que promete fazer o governo genocida de Bolsonaro parecer uma boa escolha nas próximas eleições começa por um pacote de R$ 100 bilhões de crédito prometido por ele e por Paulo Guedes recentemente a empresários.

Há pouco menos de 2 semanas o próprio presidente afirmou que vai regulamentar as regras para a renegociação de dívidas do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). O "perdão", que vai abater até 92% dos débitos de estudantes inadimplentes, está previsto em Medida Provisória assinada por ele no final do ano passado.

Há ainda a possibilidade de retomada de milhares de obras federais paradas em todos os estados do país, o que poderia gerar imediatamente algumas centenas de milhares de empregos. São obras já licitadas e com orçamento já garantido. Basta que o governo autorize esta reativação.

Em um cenário de intensa despolitização do debate público, as armas de Bolsonaro e Guedes para a reta final deste mandato podem ser suficientes para que muitos milhões de brasileiros esqueçam os 600 mil mortos pela COVID e a vida miserável que tivemos nos últimos anos e voltem a considerá-lo como alguém apto a seguir governando o país.

Para um jovem recém-formado e endividado que vê sua dívida desaparecer da noite para o dia ou para o micro ou pequeno empresário que precisa de crédito para que seu negócio sobreviva, um respiro trazido por uma turma de fascistas genocidas terá o mesmo perfume de um outro alívio trazido por outro governo qualquer. Quem se importa?

A esquerda liberal acusa:

"O povo tem memória curta! Esquece que Lula fez muito mais que isso."

De fato. Estão certíssimos. Lula fez muito mais que isso, mesmo. E o povo tem memória curta também. E o povo sem memória e que vota ao sabor do vento é um povo despolitizado. São pessoas que, num cenário catastrófico como o de agora, vão olhar para a canetada de Bolsonaro como aquilo que elas precisam para sobreviver por mais alguns anos. Essas pessoas já olharam assim para outros governos e seguirão fazendo assim. Estão guiados por suas necessidades imediatas. Não podem ser acusados de nada. Querem sobreviver. É legítimo.

Sabe onde as "bondades" de Bolsonaro não seriam suficientes para convencer ninguém? Em um cenário onde o povo está cada vez mais politizado e expandindo a sua consciência política e de classe. Seja em consequência de um árduo e longo trabalho de base militante, seja pela politização que poderia ter sido promovida, por exemplo, por um governo de esquerda.

O povo despolitizado não faz análise política, não faz análise de conjuntura. O povo despolitizado não tem memória. Troca o nome da pessoa em quem vai votar porque, para ele, não é importante o que essa pessoa representa, mas sim as suas últimas decisões, que é até onde sua memória curta consegue alcançar.

Há muito trabalho pela frente para tirar Bolsonaro da presidência. Há muitas lutas e muitos embates até a eleição. Há mais trabalho ainda para tirar o bolsonarismo da cena política brasileira. E todas essas tarefas passam por ampliar a consciência das pessoas, passam por confiar na inteligência e não na memória do povo. O caminho é a politização.