Topo

Caio Magri

Boa notícia!

10/07/2020 04h00

Estamos vivendo um momento de muitos retrocessos nas agendas ambientais e de direitos humanos no Brasil. Desde o início da pandemia de COVID-19, o Brasil e o mundo enfrentam hoje talvez o maior desafio dos últimos tempos. Com aproximadamente 500 mil mortes no mundo todo, sendo quase 60 mil somente no Brasil, a pandemia tem escancarado os problemas de desigualdade e tem gerado uma reflexão inevitável sobre os modos de vida e sobre a relação entre a nossa espécie com o planeta que habitamos.

A pandemia nos dá, no entanto, a oportunidade de aprender com a crise que estamos vivendo em que a falta de serviços básicos (como o acesso à água potável e saneamento, por exemplo) se tornam ainda mais latentes, praticamente nos preparando para enfrentar crises futuras que já se mostram no horizonte, dentre as quais, as crises climáticas.

A pandemia de COVID-19 tem sido um exemplo de como o desequilíbrio entre populações pode ser prejudicial. Estudos estão avaliando como práticas ilegais de tráfico de animais silvestres podem impactar a saúde humana, a segurança nacional e o desenvolvimento econômico. Além do tráfico ilegal, o desmatamento também tem sido apontado como causa para a proximidade de humanos a patógenos que provocam pandemias como a que temos vivenciado no mundo todo.

Se no mundo as emissões estão em queda, no Brasil, em 2019 o desmatamento ultrapassou os 10 mil km2, aumentando mais de 30% se comparado a 2018, maior taxa desde 2008. Durante os primeiros meses de 2020, o desmatamento também apresentou alta, mesmo num cenário de suposto isolamento social. O INPE também detectou alta de 30% nos focos de incêndio na Amazônia agora em junho, se comparado com 2019. E o prejuízo não é somente para o meio ambiente.

De acordo com a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), o total de casos confirmados já ultrapassam os 9 mil, mais de 300 indígenas já foram vítimas da COVID e quase 120 povos já foram afetados pela doença.

Se quisermos garantir a perpetuação da espécie humana, precisamos urgentemente lidar com o aumento da temperatura e nos adaptar às condições possivelmente adversas, assim como temos presenciado e vivenciado na crise pandêmica.

E se por um lado a pandemia provocou uma das maiores crises humanitárias e econômicas, por outro, também nos forçou a questionar o status quo, nos reinventarmos e nos adaptarmos ao cenário pandêmico.

E a pandemia tem levado países e cidades a assumirem o desafio de, na retomada, voltarem atentas às oportunidades de crescimento no uso das energias renováveis, na implementação de uma bioeconomia, no uso dos nossos recursos naturais com alto valor agregado, numa nova forma de alimentação e produção agrícola de baixo carbono e cidades com uma configuração totalmente diferente, principalmente nos modelos de mobilidade, saneamento e uso de energia.

Interessante que, uma pesquisa chamada "Earth Day 2020" mostrou que a população global concorda que a crise climática é tão séria quanto à crise por causa de COVID-19.

A pesquisa avaliou dados de 28 mil participantes, localizados em 14 países (incluindo o Brasil) onde cerca de 70% indicou que ambas as crises são igualmente preocupantes. Outro dado relevante é que, 65% indicou que aspectos climáticos devem ser considerados pelos governos na recuperação das suas economias. Participantes indicaram que, os principais problemas ambientais incluem a poluição do ar, desmatamento e poluição das águas. A maioria responde que não votaria em candidatos e candidatas que não consideram seriamente a crise climática. Por último, a pesquisa também avaliou hábitos de consumo desses participantes, que indicaram que, estão abertos a evitarem viagens aéreas em prol do meio ambiente, e também estão abertos a rever seus hábitos alimentares, incluindo o consumo de carne e leite. Tais resultados são essenciais para pensar no retorno das atividades e em novas formas de consumo e de produção.

Os impactos sociais, econômicos e ambientais dessa pandemia têm sido significativos. Porém, espera-se uma queda nas emissões globais em decorrência da pandemia. Fenômeno parecido ocorreu durante a crise econômica global de 2008, no entanto naquele momento, as emissões aumentaram muito no período de recuperação no pós-crise. Agora no entanto, os governos estão atentos a esse retorno - e também a como recuperar a economia e crescimento, conciliando atividades menos carbono-intensivas e políticas públicas que irão considerar investimentos em infraestrutura sustentável, em projetos de construção sustentável, em educação e treinamento em capital natural e em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias limpas.

Vale lembrar que há algumas semanas, um grupo de 29 investidores, com ativos de quase 4 trilhões de dólares, incluindo fundos da Europa, EUA e Ásia, enviou uma carta as embaixadas brasileiras em diversos países solicitando esclarecimentos sobre os retrocessos nas políticas ambientais e consequentemente, climáticas, no Brasil e as violações aos direitos humanos de populações indígenas e tradicionais. O texto da carta resume bem os principais acontecimentos na agenda ambiental no Brasil incluindo os índices alarmantes de aumento de queimadas e desmatamento; os retrocessos nas agendas ambientais e de direitos humanos observados no Brasil e menciona também a Medida Provisória 910, substituída pelo Projeto de Lei 2633/2020 que tem o potencial de legalizar a ocupação ilegal e criminosa de terras públicas, principalmente na Amazônia.

Mas ao final, após todas estas considerações com é possível uma boa notícia?

No dia 07 passado, dezenas de empresas brasileiras e internacionais assumiram publicamente a defesa de uma nova política para a Amazônia e para o meio ambiente e enviaram carta ao vice-presidente Gal Mourão.

Boa notícia porque declaram seu compromisso com o combate inflexível e abrangente ao desmatamento ilegal na Amazônia e demais biomas brasileiros e a inclusão social e econômica de comunidades locais para garantir a preservação das florestas, entre outros.

Boa notícia porque uma ação coletiva no setor privado assume responsabilidades no enfrentamento da crise climática, ambiental e sanitária.