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Bianca Santana

Em vez de fumacê, recuperação ambiental

Prefeitura de São Paulo promove ação emergencial para eliminar focos de pernilongo no Rio Pinheiros, em São Paulo (SP), nesta quinta-feira (12) - Newton Menezes/Futura Press/Estadão Conteúdo
Prefeitura de São Paulo promove ação emergencial para eliminar focos de pernilongo no Rio Pinheiros, em São Paulo (SP), nesta quinta-feira (12) Imagem: Newton Menezes/Futura Press/Estadão Conteúdo

29/09/2020 04h00

[é urgente acabar com] os espessos depósitos de lodo em fermentação, exalando mau cheiro e cobertos de moscas e pernilongos que daí eram atirados para o centro da cidade ou para os diversos arrabaldes, conforme a direção dos ventos reinantes.

José Joaquim de Freitas, fiscal de rios de São Paulo, em carta ao então prefeito Antonio Prado, em 1903

Pois é. A nuvem de pernilongos que tem ocupado bairros paulistanos nas noites mais quentes não é novidade. Ela já aparecia em relatos do final do século 19 e início do século 20, como se pode ler acima e nos estudos do historiador Janes Jorge, professor da Universidade Federal de São Paulo.

O aumento da temperatura transforma rios e córregos poluídos, com "espessos depósitos de lodo em fermentação", em ambientes propícios para a proliferação da espécie Culex quinquefasciatus, conhecido como pernilongo ou muriçoca. Do esgoto, onde se desenvolvem as larvas, migram para as proximidades das casas, apartamentos e barracos onde, no cair da tarde e por toda a noite, se alimentam de sangue humano.

Um abaixo-assinado chamado "Prefeitura precisa agir no combate aos pernilongos no Rio Pinheiros", que já mobilizou mais de 37 mil pessoas afirma:

"Infelizmente já faz alguns anos que a prefeitura, subprefeitura de Pinheiros e centro de zoonose da cidade de São Paulo, não estão colocando em seu cronograma a dedetização da margem do Rio Pinheiros.

Esse descaso está causando uma infestação de pernilongos e outros insetos na região oeste de São Paulo."

A demanda é por dedetização. Mas, a solução apresentada como eficaz pode gerar mais problemas a médio prazo, além de compor uma mesma lógica de urbanização, chamada por tantos de desenvolvimento. Se outras formas de vida que se alimentam dos mosquitos e estabelecem equilíbrio ambiental não existem mais nos rios Tietê, Pinheiros e seus afluentes, joguemos então mais veneno nas águas para matar também essa forma de vida, ainda que não se possa controlar os impactos futuros. É. Não faz sentido.

O chamado fumacê — micropartículas, pulverizadas pelas ruas, da diluição em água do veneno Malathion — oferece riscos a animais domésticos, pássaros, abelhas, humanos. Em fevereiro de 2016, a Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) divulgou a "Nota técnica sobre microcefalia e doenças vetoriais relacionadas ao Aedes aegypti: os perigos das abordagens com larvicidas e nebulizações químicas - fumacê". Naquele momento de epidemia de dengue, zika e chikungunya, as pesquisadoras e trabalhadoras de saúde coletiva chamavam a atenção para os efeitos nocivos decorrentes do uso do inseticida: agravamento das viroses, alergias, imunotoxicidade, câncer, distúrbios hormonais, neurotoxicidade. Além disso, o uso persistente do veneno torna as espécies resistentes a ele, e a solução passa a ser aumentar as doses e a toxicidade dos produtos cada vez mais.

Degradação ambiental não pode ser a resposta aos efeitos da degradação ambiental. Vale lembrar que, segundo o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), o próprio coronavírus, que já provocou mais de 141 mil mortes notificadas no Brasil, tem sua origem na destruição das florestas, nas mudanças climáticas e nas alterações patogenias derivadas do uso de agrotóxicos. A principal forma de nos protegermos é impedindo a destruição da natureza. " Onde os ecossistemas são saudáveis e biodiversos, há resiliência, adaptabilidade e regulação de doenças. Uma maior biodiversidade e integridade ecossistêmica pode ajudar a controlá-las por meio da diversidade de espécies, de modo que fica mais difícil para um patógeno se espalhar rapidamente ou dominar. Os patógenos que passam por vários animais têm mais chances de se depararem com pontos de resistência", registra reportagem do PNUMA.

Em janeiro de 2017, quando se noticiava outra infestação de mosquitos em São Paulo, o entorno da Praça da Nascente, no bairro da Pompeia, também na zona oeste da cidade, uma boa prática era registrada: "Em vez de desesperados por fumacês, os moradores se mobilizaram para garantir um controle próprio dos mosquitos, com a ajuda da natureza. (...) Ali, dois lagos criados para receber tanta água contam desde o fim do ano passado com todo um ecossistema de animais e plantas aquáticas que estão controlando as larvas de pernilongos e Aedes". Sapos, peixes, camarões e caranguejos, predadores dos mosquitos, recriaram um microecossistema em equilíbrio. Em vez de mais veneno sobre o lixo e o esgoto, recuperação de oito nascentes do riacho Água Preta, um lago, e espécies nativas.

Não aprendemos mesmo com a pandemia?