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Separação de Hyundai e Caoa não tem volta, diz fonte; como ficam as marcas?

Concessionária Hyundai Caoa em São Paulo (SP) - Murilo Góes/UOL
Concessionária Hyundai Caoa em São Paulo (SP)
Imagem: Murilo Góes/UOL

Leonardo Felix, Eugênio Augusto Brito, Fernando Calmon

Do UOL, em São Paulo (SP)

08/05/2018 16h00

UOL Carros teve acesso ao processo que decide sorte do contrato expirado em abril; situação é "irreversível", segundo fontes ligadas à aliança, pois coreanos querem assumir vendas no Brasil

É "irreversível" a situação que deve levar à separação entre o Grupo Caoa e a fabricante sul-coreana Hyundai, aponta fonte ligada à operação.

O contrato original entre as duas empresas se expirou no dia 30 de abril. Segundo nota divulgada na última semana pela jornalista Monica Bérgamo, do jornal "Folha de S. Paulo", a Caoa recorreu à Justiça para garantir que não houvesse interrupção imediata da distribuição de modelos de médio e grande porte da Hyundai no Brasil.

A liminar, ainda em análise na Justiça local -- por enquanto, houve apenas uma decisão provisória em favor da Caoa, conforme explicaremos mais adiante --, garante ao Grupo Caoa manter a operação normalmente até que o julgamento de uma cláusula de "prorrogação automática" do contrato aconteça num juízo arbitral em Frankfurt (Alemanha).

Porém, segundo o informante ouvido por UOL Carros e familiarizada com a operação Hyundai Caoa, os sul-coreanos não têm qualquer intenção em manter a aliança com a Caoa, mesmo que a côrte alemã aponte que a prorrogação do contrato é legal. A ideia é assumir 100% da operação da marca no país.

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Quem manda no quê?

Atualmente a Caoa monta localmente ix35 e New Tucson (diferentes gerações do mesmo SUV) em Anápolis (GO) -- o antigo Tucson (também uma antiga geração do mesmo modelo) ainda é oferecido em concessionárias, mas fontes apontam que a produção foi encerrada, restando apenas resíduos de estoque. Além deles, importa o utilitário de sete lugares Santa Fe e os sedãs Elantra e Azera.

A Hyundai Motor Brasil, por sua vez, detém os direitos integrais apenas da fábrica de Piracicaba (SP), de onde entrega os modelos HB20 (em variantes hatch, sedã e aventureira) e Creta (SUV).

O que teria gerado a discórdia absoluta entre as duas empresas, segundo uma das fontes consultadas pela reportagem, é que a Caoa anunciou este ano a aquisição de 51% do controle local sobre a Chery. A aliança inclui uso do nome composto Caoa Chery, reforço da fabricação local na fábrica da Chery em Jacareí (SP), que pode entregar 160 mil carros por ano, e até mesmo a fabricação de modelos da marca chinesa em Anápolis, onde a Caoa monta atualmente ix35 e New Tucson.

Seria esse o ponto mais sensível da discórdia. A Hyundai formalmente deu aval à decisão, mas por baixo dos panos a movimentação teria azedado de vez o relacionamento. Se antes já havia sinais de desgaste, com a parceria Caoa Chery a empresa sul-coreana resolveu acelerar o processo para desfazer seus laços com a Caoa. Curioso observar que, ao firmar a parceria com a Chery, o próprio Grupo Caoa já parecia se antecipar a um possível rompimento com a Hyundai. Ou seja: a parceria já não andava satisfatória para as duas partes há algum tempo.

Mas e agora, o que vai ser de tudo isso? UOL Carros conversou com advogados especialistas em processos cíveis e também teve acesso em primeira mão à liminar obtida pela Caoa -- o caso não tramita em segredo de Justiça --, para tentar explicar exatamente o que está rolando.

Hyundai New Tucson Turbo - Murilo Góes/UOL - Murilo Góes/UOL
Hyundai New Tucson é um dos modelos montados localmente pela Caoa em Anápolis (GO)
Imagem: Murilo Góes/UOL

"Liminar da liminar"

A primeira coisa que precisamos entender é que a medida tomada pela Caoa, chamada "tutela cautelar antecedente", uma espécie de "liminar da liminar", que tenta manter as atividades de distribuição de veículos antes mesmo do julgamento do pedido de "tutela de urgência" (a verdadeira liminar) ser julgado.

Ainda que o atual contrato entre Caoa e Hyundai Motor Company estivesse para vencer no final de abril, Carlos Alberto de Oliveira Andrade, cujas iniciais do nome formam a razão social de sua empresa, vinha dando como certa a renovação -- disse isso em conversas e entrevistas recentes.

Sua confiança vinha do fato de que, conforme descrito pelo juiz Eduardo Palma Pellegrinelli, da 2ª Vara Empresarial de São Paulo, que acatou o pedido de tutela antecedente, o acordo previa renovação automática por mais dez anos, sob os mesmos termos e condições, desde que a "distribuidora" (Grupo Caoa) cumprisse com as obrigações estabelecidas nas "cláusulas 8.02 e 8.03" do acordo.

Em outra parte da petição o juiz explica melhor esses dois trechos do contrato: "Cumpre esclarecer que as cláusulas 8.02 e 8.03 estabelecem obrigações relacionadas com a aquisição de um número mínimo de veículos (...), bem como com as cotas de vendas anuais de automóveis".

Uma carta mudou tudo

Não são quantificadas as cotas que deveriam ser obedecidas pela Caoa, tampouco o restante do teor do contrato, o que torna difícil saber se houve ou não algum tipo de violação das obrigações. Fato é que em 12 de abril de 2018, portanto duas semanas e meia antes do fim do primeiro contrato (e da esperada renovação automática), a Hyundai emitiu à sua velha parceira a seguinte carta (constante nos autos do processo):

"Como sabem, o contrato de distribuição datado de 1º de maio de 2008 (...) expirará definitiva e formalmente em 30 de abril de 2018, segundo o disposto no subitem 2 do parágrafo segundo do Artigo 2.02 do Contrato. (...) Para o bem da continuidade, esperamos que todas as discussões acerca dos termos e condições de um possível novo acordo de distribuição sejam finalizadas antes da expiração do atual Contrato. Para sua referência anexamos uma cópia do contrato padrão de distribuição aplicado aos nossos distribuidores em todo o mundo. Favor fazer quaisquer comentários que V.Sas. possam ter à versão anexa tão logo quanto possível, e responderemos prontamente. Caso acreditem ser necessário mais tempo para analisar e discutir o contrato, estamos abertos a estender as operações no âmbito do atual Contrato por um período limitado de 3 (três) meses para proporcionar-lhes tal tempo".

Ou seja: a Hyundai não necessariamente determinou o fim da parceria de imediato, mas propôs a formulação de outro contrato ao invés de renovar o que já existia. Segundo Sergio Bermudes, advogado do grupo Caoa, o novo acordo oferecido pela companhia teria duração de dois anos e preveria o fim da exclusividade de importação por parte da Caoa.

Este é o ponto questionado pela distribuidora. "Não houve nenhum descumprimento contratual para que a Hyundai pudesse rescindir o atual contrato", defende Bermudes. O advogado admite, no entanto, que no entendimento da HMC houve alguma violação, sem entrar em detalhes sobre qual teria sido esse descumprimento.

É nessa brecha que está o "xis da questão", aponta o informante ouvido por UOL Carros. A busca por um novo acordo não teria sido ato falho por parte da Hyundai Motor Company, mas sim uma defesa não admitida para o que seria um fim certo da atual parceria.

Procurada para dar sua versão sobre o ocorrido de forma oficial, porém, a Hyundai Motor Brasil se limitou a responder que, "conforme políticas globais da empresa, não comenta processos jurídicos em andamento".

Carlos Alberto de Oliveira Andrade Caoa - Otavio Dias de Oliveira/Folhapress - Otavio Dias de Oliveira/Folhapress
Carlos Alberto de Oliveira Andrade, o dono da Caoa
Imagem: Otavio Dias de Oliveira/Folhapress

Qual o futuro?

Primeiro, será preciso ocorrer o julgamento da tutela de urgência, algo que deve ocorrer nos próximos dias. É bem provável que a decisão seja favorável à manutenção das operações da Caoa com os veículos da Hyundai "até o julgamento da lide em jurisdição cognitiva", embora nada esteja 100% garantido.

O conteúdo inserido entre aspas logo acima significa que o caso será julgado pelo juízo arbitral em Frankfurt (Alemanha), conforme previa o contrato encerrado em abril. Cada parte indicará um árbitro e esses dois indicarão um terceiro, formando um grupo que analisará o caso e decidirá, então, se haverá ou não a renovação por mais 10 anos.

Até sair a sentença arbitral, restarão dúvidas: a Justiça confirmará a liminar pretendida pela Caoa? A Hyundai vai recorrer? Se sim, conseguirá reverter a decisão? O que acontecerá, então, com os veículos importados da marca e, principalmente, com aqueles que são montados em Anápolis? São perguntas que nenhuma das partes concede abertura para esclarecer de modo oficial.

Jogo duro

Mesmo que a Justiça alemã decida que o contrato com a Caoa deva ser prorrogado por outros dez anos, a Hyundai pode adotar medidas mais rígidas no acordo com a Caoa, forçando o grupo brasileiro a ceder e aceitar um acordo mais flexível. Uma forma de endurecer a relação, por exemplo, seria revisar e elevar os preços cobrados pela aquisição dos modelos e peças importados atualmente da Coreia do Sul, aponta nossa fonte.

Expliquemos: toda operação de representação (quando um grupo terceiro mantém os direitos sobre vendas de carros de outra marca) é feita por processos internos de compra, com valores que acabam sendo subsidiados. É justamente esse subsídio que pode ser retirado pela Hyundai para dificultar o lado da Caoa.

Com o dólar alto como está na paridade atual, por exemplo, a perda do subsídio interno poderia elevar os preços dos modelos vendidos pela Caoa no Brasil entre 10% e 30%, acabando com qualquer competitividade ainda existente e tornando o negócio insustentável. Dessa forma, a distribuidora ficaria sem opção que não abrir mão do contrato de exclusividade.

Hyundai HB20 - Murilo Góes/UOL - Murilo Góes/UOL
Sem ter o que trazer da Argentina, Hyundai não consegue exportar família HB20 para lá; pode estar aí a chave de todo o imbróglio
Imagem: Murilo Góes/UOL

O que a Hyundai ganha?

A brusca tentativa da Hyundai de desfazer (ou ao menos afrouxar) as amarras com a Caoa indica que os planos para o Brasil e para a América do Sul passam a ter maior importância no contexto global. 

Segundo nossos informantes, a ideia é manter qualquer termo de garantia dos carros vendidos pela Caoa, que pode inclusive seguir vendendo os modelos como lojista, porém assumindo controle total sobre a operação da marca no país, inclusive de fabricação.

A unidade de Piracicaba segue dedicada a modelos compactos, mas a Hyundai pode fazer seus modelos médios e grandes no México e até mesmo na Argentina (há rumores que de uma fábrica pode ser erguida lá em breve), de onde chegariam ao Brasil de forma quase simultânea ao lançamento global e com vantagens alfandegárias sobre os modelos que chegam atualmente da Coreia do Sul. 

Sem a Caoa no negócio de forma atuante, os sul-coreanos poderiam fortalecer a operação sul-americana (seja com México, seja com Argentina) e atuar não apenas no Brasil, mas em toda América Latina de forma completa, sem intermediários. Trata-se de um mercado em ampla expansão e que dará lucro a muitas marcas nos próximos 10 a 20 anos, desde que o investimento seja feito neste momento. É preciso se mexer para não perder espaço, mesmo que para isso um antigo parceiro tenha que ser deixado de lado.

Portanto, o plano é de médio e longo prazo. De toda forma, o mesmo pode ser dito por parte da Caoa. Mesmo que perca a batalha com a Hyundai, acabará ficando livre para impulsionar fortemente a Chery nesse mesmo mercado da América Latina. E mais: atuar não apenas como distribuidora oficial, mas como fabricante, uma vez que a marca chinesa permitiu a aliança nestes termos.

Com estas cartas na mesa, ainda que seja difícil saber quem está com a "mão" mais forte, parece inevitável que, dentro de alguns anos, Hyundai e Caoa sigam caminhos diferentes na indústria automotiva brasileira. No fim, as duas tendem a sair ganhando com isso.