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Fabricantes de veículos ampliam dependência do governo no Brasil

Indústria local vive de carros atrasados, como o Renault Clio, renovado sem airbags nem como opcional - Murilo Góes/UOL
Indústria local vive de carros atrasados, como o Renault Clio, renovado sem airbags nem como opcional Imagem: Murilo Góes/UOL

Pedro Kutney

Especial para o UOL

27/12/2012 08h00

A dependência do governo construída pelos fabricantes de veículos instalados no Brasil ficou ainda maior em 2012. E nada indica que essa situação mudará em 2013 ou mais além. A indústria nacional tornou-se incapaz de competir no exterior e no próprio mercado doméstico. Por isso, vive à custa do protecionismo estatal.

A redução de imposto e maior injeção de crédito no mercado, com os menores juros já pagos na história do país, salvaram as vendas em 2012 (saiba mais aqui). Com crescimento em torno de 5%, o ano termina com cerca de 3,8 milhões de veículos emplacados -- perto de 3,65 milhões contando só automóveis e comerciais leves. Houve aumento da participação de modelos nacionais, de 75% no ano passado para 80% agora, graças à proteção contra os importados -- a aplicação de 30 pontos adicionais sobre o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para os carros vindos de fora de países do Mercosul e do México.

CAÍMOS PARA 7º
Mas todas as medidas não foram capazes de induzir a expansão onde ela precisa de fato acontecer para fazer o país crescer: nas fábricas. A produção brasileira registrará a primeira queda em uma década, com recuo em torno de 1,5%, para 3,36 milhões de unidades (3,2 milhões de veículos leves). Com isso, o Brasil seguirá sendo o quarto maior mercado mundial de veículos, mas desce ainda mais no ranking global dos produtores, da sexta para a sétima posição.

O tombo da produção é puxado por dois fatores combinados: a brusca retração de quase 40% na fabricação de caminhões, afetada pela atabalhoada troca de legislação de emissões, sem os incentivos necessários para equilibrar as vendas; e pelas exportações 21% menores este ano na comparação com 2011, com causa diagnosticada não só na crise internacional que retrai a maioria dos países no mundo, mas também porque os produtos feitos aqui são ultrapassados e caros para a maioria dos mercados.

Nem mesmo a desvalorização do real, em torno de 20% este ano, foi capaz de tornar os carros brasileiros mais atrativos.

A associação dos fabricantes, Anfavea, reconhece que sem a proteção contra os importados e o incentivo do corte do IPI -- em vigor desde maio, foi renovado em agosto, depois de outubro até o fim deste ano e, a partir de janeiro, será gradualmente eliminado até junho de 2013 --, a queda da produção das fábricas nacionais de veículos teria sido bem maior, em torno de 5%, o que só reforça a alta dependência de medidas do governo para garantir resultados no Brasil.

O atrativo potencial de crescimento do mercado brasileiro, com aumento da renda da população e o ainda alto índice de seis habitantes por veículo, deveria fazer o mercado fluir para cima sem interferências, mas problemas econômicos estruturais criaram um círculo vicioso, no qual o governo precisa ajudar as montadoras com paliativos para contornar a alta carga tributária e elevados custos financeiros, incentivando assim o consumo dos piores carros mais caros do mundo, para continuar arrecadando mais impostos. É como o cachorro que persegue o próprio rabo sem sair do lugar.

RETRATO DO ATRASO
A nefasta alta carga tributária adotada no país e a necessidade das multinacionais do carro de gerar lucros para as matrizes criaram ambiente adverso à evolução tecnológica. É verdade que nos últimos anos os preços dos veículos no Brasil subiram menos do que a inflação, mas isso foi feito por meio de redução de custos, com corte de equipamentos de conforto e segurança -- exemplo mais recente disso é o "novo" Renault Clio (mais sobre ele aqui), duas gerações atrás do modelo europeu e sem oferta de airbags nem como opcional.

Basta dizer que, dos 50 automóveis mais vendidos no país, 40 são fabricados no Brasil e, destes, apenas nove podem ser chamados de carros globais -- e mesmo assim quase todos passaram aqui por rebaixamentos tecnológicos para reduzir custos e aumentar lucros. Nem estes podem ser exportados para países desenvolvidos, pois são feitos em outros lugares com melhor qualidade.

MADE IN BRAZIL

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  • Murilo Góes/UOL

    Volkswagen Gol e Fiat Palio (fotos iniciais) são produzidos apenas para o mercado doméstico e países próximos. Toyota Corolla é global, mas em versão específica para mercado local.

Atraso é, portanto, um adjetivo adequado para colar na indústria automotiva instalada no Brasil. Os motores feitos no país são menos eficientes, os carros têm menor número de equipamentos de segurança e conforto, design e conteúdo permanecem inalterados por anos, duas a três gerações atrás dos conterrâneos europeus (exemplo marcante é o do Volkswagen Golf, na sétima geração na Europa e ainda na quarta por aqui), ou então são modelos produzidos para o mercado doméstico e países adjacentes (caso do Volkswagen Gol ou Fiat Palio).

Nesse ambiente, fica difícil sobreviver sem a tutela governamental. Já está certo que a chamada "indústria nacional", formada por multinacionais, continuará protegida da concorrência dos importados, que permanecem sobretaxados até 2017, no mínimo -- exceção feita a uma pequena cota anual máxima de 4,8 mil veículos por importador, ou até 25% do número de carros que prometem produzir aqui novos empreendimentos industriais, como é o caso da Chery, Nissan e BMW, que estão em processo de construção de novas fábricas no país.

NADA DE NOVO NO HORIZONTE
Apesar de toda a ajuda governamental, as expectativas para 2013 não são muito animadoras. A Anfavea prevê crescimento do mercado interno de 3,5% a 4,5%, para no máximo 3,98 milhões de veículos. É pouco. Para aproveitar todo o potencial favorável do mercado brasileiro, este número deveria passar de 4,2 milhões.

A produção também continuará abaixo da capacidade, com avanço de 4,5%, para 3,5 milhões de unidades, enquanto no Brasil já é possível produzir algo como 4,5 milhões por ano.

Quanto às exportações, nem a taxa de câmbio mais favorável ajuda, os fabricantes jogaram a toalha: esperam redução de 4,6% em 2013, com embarque de 415 mil carros ao exterior. E há quem diga que tudo isso é mais torcida do que projeção, pois alguns analistas falam em retração de até 3% nas vendas e produção em 2013.

É preciso subir a barra, não só cortar impostos, mas reduzir preços e elevar a qualidade para criar no Brasil um mercado de crescimento sustentável. A história brasileira demonstra que não será possível superar a inércia tecnológica das montadoras sem a mão pesada do Estado. É por causa da lei que todos os veículos vendidos no país a partir de 2014 deverão ter airbags frontais e freios com ABS (sistema antitravamento) -- algo que na Europa e América do Norte já é obrigatório há mais de dez anos.

Há muito mais por fazer, como a inclusão de soluções tecnológicas para reduzir o consumo (com o uso de turbocompressores e injeção direta de combustível), e adicionais sistemas de segurança veicular já disponíveis (como o controle eletrônico de estabilidade), capazes de reduzir em mais de 50% o risco de acidentes ou mitigar seus danos.

O governo acredita que resolveu essa questão com a regulamentação do novo regime automotivo, batizado com o sugestivo nome de Inovar-Auto.

Contudo, o pecado original que impede tal evolução continua o mesmo: a alta carga tributária. Para reduzir impostos de quem "inovar", o governo antes elevou ainda mais os tributos, institucionalizando de 2013 a 2017 o aumento de 30 pontos porcentuais do IPI, a ser aplicado a todos os veículos vendidos no país.

Para escapar da sobretaxação, a regulamentação exige de todas as montadoras instaladas no país a adoção de um número mínimo de processos industriais, metas de redução de consumo e investimentos em pesquisa, desenvolvimento e engenharia, além de elevar as compras de peças nacionais. Fica difícil evoluir dessa forma, pois a pressão dos custos só cresce. A única solução para pagar o Fisco e sem sacrificar lucros será aumentar os preços (o que reduz mercado) ou "ganhar" no corte de equipamentos, usando soluções mais baratas.

O horizonte do Inovar-Auto é relativamente longo, cinco anos. É improvável, portanto, que evoluções aconteçam antes disso. É mais factível que, no meio do caminho, conforme as regras vão ficando apertadas, as montadoras façam mais do mesmo, colocando grande pressão pelo relaxamento das exigências do regime automotivo. As empresas bem que tentaram tirar da regulamentação a meta de eficiência energética, de no mínimo 12% de melhoria até 2016. Não conseguiram, mas é difícil crer que tenham desistido. Como não é para já, esperam por um melhor momento para renegociar com o governo.

No horizonte de curto prazo não existem indícios de aprimoramento do mercado nacional de veículos. Por enquanto, o rame-rame continua: carros pobres, sobretaxados, caros e atrasados, que precisam de incentivos e proteção para ser vendidos.

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Pedro Kutney, jornalista, é editor do portal Automotive Business.