Pretensioso, Chrysler 300C fica mais delicado no visual e na condução
Renascida em casa depois da catástrofe de 2008-09, a fabricante norte-americana Chrysler começa a dobrar as apostas em outros mercados. Na Europa, seus carros ganharam o emblema da Lancia, marca pertencente à Fiat -- atual controladora do grupo ianque. No Brasil, opera com todas as submarcas e já lançou, apenas neste ano, o Jeep Compass e a picape Ram 2500. Agora, traz o mais emblemático carro da empresa: o Chrysler 300C.
O sedã grande (são 5,04 metros de comprimento) ficou fora do mercado brasileiro no ano passado, e em seu retorno apresenta a intensa reforma sofrida em 2011. Por fora, manteve a linha de cintura reta, as grandes caixas de roda e -- permita-nos fantasiar -- vestígios de rabos-de-peixe na traseira. No entanto, a dianteira foi suavizada com linhas mais delgadas na grade frontal e no conjunto óptico, dois itens que eram abrutalhados no modelo anterior. O conjunto ficou mais delicado, quase feminino.
Com isso, o 300C (cujas origens remontam a 1955) abandonou parte do aspecto de "carro de gangster", que provavelmente atraía e afastava compradores em igual medida. Quanto a recheio e comportamento dinâmico, a Chrysler não tem problemas em admitir que, após pesquisas com consumidores, decidiu tomar como paradigmas os carros da Lexus, mais o Mercedes-Benz Classe E e o BMW Série 5.
Ao Brasil, o 300C chega em versão única, sem opcionais, e custa R$ 179.900. É bastante menos que os modelos citados acima, e razoavelmente mais que o pedido no segmento premium médio (por exemplo, Mercedes Classe C e BMW Série 3). A estratégia da Chrysler é exatamente essa: inserir um carro grande e completo num "buraco" da tabela de preços.
COMO É POR DENTRO
A Chrysler pode garantir que nenhuma árvore foi derrubada para fazer o interior do novo 300C
Esse preço incorpora a elevação do IPI para importados. Em abril de 2008, último ano em que o 300C antigo foi apresentado à imprensa brasileira, o carro com motor V6 de 3,5 litros custava R$ 139.900, e o dotado do V8 Hemi de 5,7 litros chegava a R$ 169 mil.
Agora o sedã traz sob o capô o motor Pentastar V6 de 3,6 litros, a gasolina (mas que aceita E85), todo feito em alumínio e padrão para os carros de grande porte do grupo. Ele entrega 286 cavalos de potência (a 6.350 rpm) e 34,7 kgfm de torque (a 4.650 rpm), suficientes para empurar os 1.817 kg (em ordem de marcha) do 300C -- e de modo eficiente, segundo a Chrysler dos Estados Unidos: o consumo médio é de 8,1 km/l e 13,2 km/l na cidade e na estrada. A transmissão automática de oito marchas é fabricada sob encomenda pela alemã ZF (antes o câmbio tinha cinco marchas); a tração é nas rodas traseiras.
RECHEIO BOM
Em busca da sofisticação dos carrões com que ousa se medir, o 300C ganhou um conteúdo interessante, com destaque para itens de conforto e segurança, alguns mais conspícuos que outros. Exemplos: vidros laminados reduziram o ruído na cabine em cerca de 20%, e o inédito e enorme teto panorâmico aliviou a sensação de clausura vertical dos ocupantes.
O motorista pode regular a altura e a profundidade do volante num controle elétrico na coluna da direção, mas a novidade é que o pedal do acelerador também pode ficar mais alto ou baixo, bastando acionar uma chave na lateral do assento. Está calor? O porta-copos tem resfriamento. O inverno pegou pesado? O mesmo porta-copos tem aquecimento para o copo de café. Os bancos revestidos em couro e o volante também possuem aquecimento.
Na habitual parafernália de segurança ativa e passiva, vale destacar a pré-frenagem e a frenagem em chuva. Se o motorista do 300C tira o pé do acelerador de forma brusca, o sistema entende que ele está prestes a pressionar o pedal do freio com vigor, e para tornar a eventual frenagem mais rápida as pastilhas são aproximadas do disco. É mais ou menos o que ele faz quando há chuva, mas neste caso o objetivo é impedir que se forme um filme de água entre os elementos frenantes. Seu acionamento é um ovo-de-colombo: basta ligar o limpador de parabrisa.
Se por fora o 300C tentou claramente ganhar docilidade, por dentro a meta foi incrementar a sofisticação, ou simplesmente fingir que ela existe.
UOL Carros testou nesta quarta-feira (16) uma unidade do sedã com interior em cores claras, o que já é um mau começo -- é inevitável uma certa sensação kitsch. Os apliques imitando madeira, por exemplo, ficam ainda mais risíveis do que num habitáculo escuro. Há excesso de plástico no painel frontal (apenas a área dos instrumentos é revestida em couro), e os gráficos do bom sistema interativo e de multimídia UConnect, com megatela de 8,4 polegadas, não vão agradar a todos -- e, apesar de o GPS funcionar normalmente no Brasil, é preciso aturar idiomas estrangeiros (a Chrysler ajustou o carro de teste para o espanhol).
O volante é um caso à parte. Além de parecer "importado" da China, é grosso demais. As piadas que surgiram ao longo do test-drive são impublicáveis, mas dá para dizer que a empunhadura é ruim e a viagem fica mais cansativa. O carro também não dispõe de câmera de ré, que, em conjunto com os avisos sonoros, facilitaria bastante manobrar um carro de 5 metros.
Em todos esses aspectos, portanto, o 300C não faz frente aos rivais que ele mesmo desafia. É muita pretensão se medir com os sedãs premium alemães.
NOSSAS IMPRESSÕES
Mas a experiência de dirigir essa "barca" compensa esses deslizes, ao menos em parte. O motor Pentastar, mais adequado a um mundo em que o presidente Barack Obama já teve de se desculpar porque tinha um 300C com propulsor V8 Hemi, pode ter certa dificuldade de embalar o sedã nas saídas, mas logo depois o motorista vai se encontrar no comando de um carro que trafega a 120 km/h com o motor girando logo abaixo de 2.000 rpm.
As retomadas são rápidas e seguras, e a posição L no câmbio pode ser acionada numa situação em que não se possa esperar pelo kickdown automático -- na verdade, ela serve primordialmente para manter o trem-de-força em marchas baixas, garantindo maior controle em descidas prolongadas ou terrenos escorregadios. Mas não há trocas sequenciais.
Tampouco se pode fazer alguma coisa para mudar o comportamento dinâmico do 300C, como é praxe geral em carros premium até mais baratos (opa!) que o sedã da Chrysler, com parâmetros de direção, suspensão, motor e câmbio alteráveis num simples toque de botão.
Obviamente o 300C não é um carro ágil, e a direção -- agora eletro-hidráulica -- continua um tanto "solta", mesmo com o toque extra de firmeza que foi pedido pelos consumidores dos EUA e, segundo a Chrysler, atendido. Em alguns momentos a trajetória do sedã pode até precisar de ligeiras correções, mas isso pode ter mais a ver com o novo acerto das suspensões, tendendo à maciez, cuja calibragem ao que parece foi supervisionada pela Fiat.
A rodagem do 300C ficou mais suave, com pouca repercussão do relevo do terreno na cabine (ressalvando que o carro foi experimentado em rodovias de bom asfalto). Como resultado colateral, o ruído interno permanece baixo. Por isso, da porta para dentro, e ignorando o tom kitsch, este é um carro adequado para transportar o "patrão" -- no retorno do test-drive, cujo percurso foi uma ida-e-volta entre São Paulo e Guarujá (litoral), este repórter viajou no banco traseiro para desfrutar do espaço que apenas um entre-eixos de 3,05 metros pode garantir.
Agora, tem de ver se o "patrão" entende de carro. São quase R$ 180 mil para posar de bacana em grande (literalmente) estilo. Mas há maneiras e maneiras de gastar toda essa grana. Confiante, a Chrysler espera emplacar até 1.000 unidades do 300C até o final deste ano. A ver.
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