Chinês J3 mantém blindada caixa-preta do preço do carro no Brasil

Estreia no Brasil a mais ambiciosa operação comercial (legítima) para vender no Brasil bens de consumo vindos da China. Traduzindo: os carros da JAC Motors estão chegando.
Trazidos pelo grupo do empresário Sérgio Habib, ex-presidente da Citroën (de cuja importação foi pioneiro no país) e hoje dono de concessionárias de diversas marcas, os modelos da fabricante chinesa desembarcam após lento processo de apresentação ao público, iniciado no Salão do Automóvel de São Paulo de 2010 e continuado com a abertura de uma única loja na zona leste de São Paulo, ainda no ano passado, para cativar a classe média emergente e iniciar o burburinho esperável de uma novidade automotiva.
JAC J3, VERSO E VERSO
Linhas traseiras do hatch (acima) e do sedã (abaixo) da JAC são menos derivativas que as de outros modelos chineses, mas falta emoção
O primeiro JAC a ser vendido no Brasil é o J3, disponível nas carrocerias hatch e sedã (esta com o apelido Turin). Os preços: R$ 37.900 e R$ 39.900, respectivamente. Não há versões nem opcionais, e o único extra é o revestimento em couro dos bancos, que será oferecido por algumas das cerca de 50 concessionárias JAC que abrem ao público simultaneamente na próxima sexta-feira (18). Em junho, chega a J6, minivan de sete lugares, e em setembro será a vez do J5, sedã de porte médio-grande. Todos, inicialmente, movidos apenas a gasolina. JAC flex, só no ano que vem.
O calouro J3 tem design temperado pela Itália (a Pininfarina participou de sua criação) e sofreu cerca de 240 alterações para que pudesse ser vendido no Brasil -- não a pedido de alguma agência reguladora oficial, e sim do próprio Habib e equipe, ao longo de numerosas viagens à China. Segundo o empresário, até a vedação das portas foi alterada para obter um ruído de fechamento mais agradável. Outro item citado foi a iluminação do painel, trocada para azul, em vez do âmbar preferido pelos chineses.
As duas carrocerias do J3 chamam para a briga uma variedade de compactos fabricados no Brasil ou Mercosul, todos com motor de 1,4 litro ou mais, e sempre nas versões mais equipadas.
Entre eles, podem ser citados os Volkswagen Gol, Voyage e Fox; os Fiat Palio e Siena; o Ford Fiesta; os Chevrolet Agile e Corsa; Peugeot 207 e 207 Passion; Citroën C3; e ainda os Renault Sandero, Logan e Symbol. Todos, incluindo os chineses, um ou dois degraus acima dos chamados "carros de entrada".
CARTAS NA MANGA
O trunfo do J3 é trazer de série o que a maior parte dos concorrentes só oferece como opcionais cobrados à parte. O modelo sai da fábrica na China dotado de ar-condicionado, direção hidráulica com ajuste de altura, vidros elétricos nas quatro portas, airbag duplo dianteiro, freios com ABS (antitravamento) e EBD (distribuição de força), abertura interna do porta-malas, sensor de estacionamento traseiro, luzes de neblina e sistema de som com seis alto-falantes, entre outros itens menos votados.
O motor é um 1.4 capaz de gerar 108 cavalos a 6.000 rpm, potência mais típica de propulsores 1,6 litro. O torque, porém, é de 1.4 mesmo: 14,1 kgfm a 4.500 rpm.
Mas há mais: garantia total de seis anos "de parachoque a parachoque", desde que todas as revisões (10.000 km) e trocas de óleo (5.000 km) sejam feitas em concessionárias (segundo a JAC, a preços menores do que toda a concorrência); assistência ao proprietário (até em pane seca e para troca de pneus) ao longo de dois anos; e um seguro abaixo de R$ 1.000.
São maneiras de fazer o brasileiro confiar num carro cuja origem ainda é associada ao termo "xing-ling".
QUAL A MÁGICA?
A apresentação do J3 (e da JAC) por Habib deixou no ar algumas questões. A mais candente é: como um carro importado, que paga 35% de imposto, mais taxas e fretes diversos, pode custar entre 10% e 15% menos que os carros equivalentes fabricados por aqui? Sabendo que não existe almoço grátis (no mundo todo) nem carro bom e barato (especialmente no Brasil), vamos às explicações possíveis:
1) Matérias-primas e peças são de segunda linha.
Segundo Habib e o presidente da JAC chinesa, que compareceu ao lançamento, o aço usado nos carros da empresa é importado do Brasil, e as peças dos JAC vêm de marcas mundiais como Delphi, Bosch, Continental, Visteon e Tokico. Ou seja, tudo é de primeiríssima linha.
2) Mão-de-obra chinesa é semiescrava ou pessimamente remunerada.
Pelo menos hoje em dia, ou pelo menos na JAC, isso é mito. Um engenheiro da JAC chinesa ganha "cerca de US$ 2.000, e na China vive-se bem com esse salário mensal", disse Habib. Os chineses são frugais, e o custo de vida lá é menor que o do Brasil.
3) A JAC é subsidiada pelo governo chinês.
Habib nega que haja esse tipo de relação financeira entre estado e "sua" empresa.
4) Os carros fabricados aqui é que são caros demais.
Isso é óbvio, mas não apenas em relação ao chineses. O brasileiro paga mais por carros do que boa parte dos consumidores ao redor do globo.
5) É um milagre.
Não, isso não existe, ao menos na indústria.
Uma explicação interessante, apontada por alguns veteranos do setor automotivo e ecoando o que dizem economistas importantes (inclusive o ministro da Fazenda, Guido Mantega), é a política de câmbio da China, na qual o valor da moeda local (yuan) em relação a outras moedas internacionais é determinado pelo governo -- no Brasil, o valor do real ante o dólar e o euro, por exemplo, é flutuante, dependendo da oferta/procura, entre outros fatores.
A rigor, a China faz o que quer com sua moeda, pois possui reservas monetárias elevadíssimas, obtidas pela subvalorização do yuan -- que persiste atualmente. Com moeda desvalorizada e inflação controlada (ou manipulada), os produtos chineses ficam necessariamente mais baratos para o mercado externo.
Essa explicação, no entanto, não foi dada por Habib; trata-se de especulação. A verdade é que o preço mais em conta dos carros chineses e, na outra ponta, o alto preço médio dos carros no Brasil continuam sendo uma caixa-preta que ninguém consegue ou quer abrir.
A JAC afirma que já tem 14.500 carros pagos e prontos para embarcar ao Brasil. Isso dá pouco menos da metade dos 35 mil carros que ela planeja vender no país até o final deste ano, abocanhando 1% do mercado (projetando 3,5 milhões de emplacamentos). O investimento total do grupo de Sérgio Habib para trazer a JAC -- escolhida entre as fabricantes chinesas sem joint-ventures com multinacionais -- passa de R$ 380 milhões. Superar os 3% de participação nas vendas totais do Brasil é a verdadeira meta-desafio para Habib e a JAC (nessa ordem, mesmo).
UOL Carros dirige desde a última sexta-feira (11) um J3 hatch. Vai avaliá-lo por dez dias, inclusive em situações relativamente duras (em autódromo). No momento em que este texto é escrito, já guiamos o carro por mais de 150 km, em estrada e cidade. A reportagem completa fica para o término desse período.
Viagem a convite da JAC Motors
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