Aos 8 anos de idade, motor flex chega ao limiar de novos tempos
O começo foi difícil, típico de novas tecnologias. Houve quem identificasse uma simples jogada de marketing, mas essa impressão durou pouco. Em 15 de março de 2003, a Volkswagen lançou o primeiro automóvel brasileiro com motor flexível em combustível. O Total Flex de 1.600 cm³, do Gol, era capaz de utilizar etanol, gasolina ou qualquer proporção entre os dois.
Em junho de 2003 a Chevrolet apresentava à imprensa o Corsa 1,8 l flex, insinuando que o Gol não estava à venda e se autoproclamava pioneira. Era só inveja e logo se viu que a novidade ia mexer mesmo com os rumos do mercado. Em outubro de 2003 a VW lançou o Fox com o primeiro motor flex de 1 litro, pois essa medida de motor respondia por mais da metade das vendas internas. A Fiat, então, se esforçou para ser, pelo menos, a primeira com o flex dessa cilindrada entre modelos de entrada. Porém, no mesmo dia 15 de agosto de 2005 em que a empresa reunia jornalistas para mostrar a novidade no Uno e no Palio, a Volkswagen distribuiu a informação: o Gol City 1.0 Total Flex já se encontrava disponível nas concessionárias.
Marketing à parte, o viés técnico avançou nesses oito anos. Embora se soubesse que a taxa de compressão deveria ser aumentada para melhor desempenho e economia com etanol, até hoje alguns fabricantes ainda mantêm a taxa inalterada por razão de custos. No entanto, houve várias conquistas. A capacidade de processamento das centrais de gerenciamento quadriplicou de 8 bits para 32 bits. Aumentou a velocidade de identificação do combustível e readaptação do motor após o abastecimento. O controle de detonação passou a ser digital. Gerenciamento eletrônico da válvula termostática surgiu nos motores Ford.
MITOS E CIÊNCIA
Há uma tese de fácil defesa envolvendo os flex. Se no início da era do etanol no Brasil, ao se lançar o Proálcool em 1975, já houvesse os recursos de eletrônica, talvez não existissem motores apenas movidos pelo combustível vegetal. Entre as vantagens do motor flexível está a diminuição do risco agrícola, em razão de quebra de safras ou aumento súbito de demanda. No entanto, mitos surgiram na fase inicial. Alguns usuários achavam que seus motores anteriores, exclusivamente a gasolina, eram mais econômicos do que quando usavam gasolina num flex. Sem lógica, porque a escalada de taxas de compressão -- em razão do etanol -- também melhora o rendimento térmico e o consumo ao usar o combustível fóssil. Recomendava-se o primeiro abastecimento só com gasolina ou usar os dois combustíveis alternadamente para lubrificar ou proteger válvulas. Outras lendas: etanol tornaria o motor áspero (acontece em teoria, porém instrumentos de testes demonstraram ser praticamente indetectável na prática); ao trocar gasolina por etanol e parar o carro em seguida numa garagem, o motor desconheceria a mudança e não partiria em dias frios (um ou outro caso foi detectado e logo solucionado); ao misturar gasolina e etanol, os combustíveis se separariam no tanque após alguns dias e impediria a partida com etanol em baixas temperaturas. Nos bastidores comenta-se que a Honda teria instalado o tanquinho no paralama pela falta de espaço livre no cofre do motor do Civic e manteve a solução, por coerência, nos Fit e City. A Nissan deu sorte e nos modelos Livina utilizou um local esquecido para embutir o pequeno reservatório de gasolina: entre o parabrisa e o início do capô, com fácil acesso externo, protegido e sem necessidade de abrir o cofre ao abastecer. Ao utilizar gasolina num motor flex, de fato, há um problema eventual. Fraudadores que adicionam etanol além dos 25% de lei ganham dinheiro à custa do consumidor. O motor funciona perfeitamente, mas o usuário perde duas vezes: ao pagar mais pelo combustível e ter o consumo aumentado sem, muitas vezes, perceber. Nesse caso, só resolve a fiscalização constante. |
Um dos desafios foi atender às etapas da legislação de emissões do Proconve. Os flex tiveram que passar da fase L4 (2005, 2006 e 2007) a L5, em 2009 (substituída afinal pela L6 e antecipada para 2013). A busca por atingir as metas teve sua importância no sucesso da nova tecnologia. O esforço maior ocorreu no Brasil porque em outros países os motores flex dispõem de pouco etanol para abastecer e a indústria no exterior se concentrou nas emissões com gasolina. Ainda assim, ao gerenciar dois combustíveis no mesmo motor e enfrentando dificuldades diferentes (aldeídos, por exemplo), chegou-se ao avançado estágio atual de diagnose a bordo (OBDBr-2). Uma batalha vencida pela engenharia brasileira.
A concentração de objetivos em emissões, em função da lei, tirou algo do foco no desempenho em si dos motores. Os ganhos em consumo de combustível, potência e torque foram discretos, com algumas exceções. Marcas que ousaram em termos de taxas de compressão, como Chevrolet, Volkswagen e Ford, sobressaíram na segunda geração dos flex. Produtores japoneses e franceses, recentes no Brasil e sem experiência prévia no uso de etanol, ficaram um pouco para trás. A Toyota, por exemplo, recomenda abastecer com um tanque de gasolina a cada 10.000 km, providência inócua pela experiência acumulada no país.
Um ponto, no entanto, deixou de evoluir conforme se esperava. A Volkswagen oferece o único modelo -- Polo E-Flex, lançado há dois anos -- a dispensar partida a frio auxiliada por gasolina. Em todos os outros carros, seus e da concorrência, o jurássico tanquinho permanece, graças aos clássicos argumentos de custo maior ou necessidade de evoluir. A GM diminui o volume do reservatório ao conseguir partida do motor, sem ajuda de gasolina, a temperatura até 2 graus abaixo do limite convencional. Porém, no geral, houve acomodação e pouca visão comercial. Por sua parte, produtores de sistemas de injeção (Bosch, Delphi e Magneti Marelli) seguiram estratégias mais e menos eficazes, além de custos diferenciados.
O QUE HÁ NO FUTURO
A Fiat guarda segredo sobre uma nova solução que considera ousada e competitiva. Sinaliza apenas que desenvolve pré-aquecimento combinado de ar e de combustível, facilitando a partida nos dias frios. Livra-se do tanquinho e drena menos potência elétrica da bateria. A fábrica também exibe outro trunfo: o sistema Multiair de gerenciamento eletrônico das válvulas de admissão elimina também perdas por bombeamento da borboleta de aceleração. O etanol, em particular, tem bastante a ganhar ao se adotar esse recurso.
Na realidade, a partida sem gasolina traz grandes vantagens em termos ambientais e de dirigibilidade na fase fria, quando o motor está abaixo da temperatura ideal. Obviamente será muito melhor ao utilizar etanol. Contudo, nas situações de temperaturas baixas, haverá também benefícios quando a gasolina for o combustível escolhido.
Os fabricantes admitem que a fase L6 do Proconve será importante para a retirada do tanquinho, iniciando a terceira geração dos motores flex. O cronograma do Conama -- a partir de 1º de janeiro de 2014 para novos modelos e 1º de janeiro de 2015, os demais -- estabelece parâmetros. Entretanto, no segundo semestre de 2011, essa página do atraso poderá começar a ser virada, pois se prevê que outros carros receberão partida com assistência elétrica e não apenas séries especiais.
Os passos seguintes estão menos claros, após consultas a fabricantes de veículos e fornecedores. A injeção direta de combustível trará um grande salto técnico e, novamente, ganhos proporcionalmente maiores para o etanol. No entanto, além da barreira do preço, alguns engenheiros argumentam que para alcançar a quarta geração de motores flex há desafios como formato da câmara de combustão e melhor aproveitamento das enormes pressões de injeção.
E, finalmente, a adoção de turbocompressores, com injeção indireta ou indireta, levará à consagração dos flex. Em razão da tendência ao downsizing (ou rightsizing, o tamanho certo) observada no exterior, a sobrealimentação será ampliada em motores de ciclo Otto, barateando os turbocompressores. Com essa tecnologia a taxa de compressão poder ser mantida, variando a pressão do turbo em função do etanol ou gasolina no tanque.
Nessa altura, poderia se optar por um motor flex à brasileira, de fato mais voltado ao uso de etanol do que de gasolina, ao contrário do ocorrido nas fases iniciais.
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