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Com data marcada para 'invasão', carros chineses terão prova de fogo no Brasil

<b>O hatch Cielo, primeiro médio chinês no Brasil, vendeu menos que metade do previsto</b> - Murilo Góes/UOL
<b>O hatch Cielo, primeiro médio chinês no Brasil, vendeu menos que metade do previsto</b> Imagem: Murilo Góes/UOL

CLAUDIO DE SOUZA

Editor de UOL Carros

07/12/2010 20h52Atualizada em 08/12/2010 16h02

O Salão do Automóvel de São Paulo deste ano mostrou que as fabricantes chinesas de carros não estão para brincadeira. Nos apertados corredores do Anhembi, seus modelos -- de design derivativo ou bizarro e preço abaixo da concorrência -- chamaram tanta atenção quanto os superesportivos milionários de grifes europeias. A formação de uma "onda vermelha", destinada a quebrar na praia do mercado automotivo do Brasil em 2011, parece inevitável. A dúvida é se teremos um tsunami ou uma marolinha.

Em termos quantitativos, as seis principais marcas que expuseram no salão vêm com força. Até o final de 2011 devem estar à venda no país pelo menos 21 modelos de passeio, assinados por Brilliance (quatro), Chana (três), Chery (seis, incluindo três já à venda), Haima (três), JAC (três) e Lifan (dois).

PEGOU (MUITO) MAL

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    O M100, importado para o Brasil pela Effa, passou por um recall para instalação de cintos de três pontos para os passageiros de trás -- regra que não foi observada na hora da importação.

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    O Geely CK foi um dos carros que a LatinNCAP submeteu ao teste de impacto; nenhum modelo foi bem, mas o chinês foi o pior de todos; por ora, a Geely ainda não chegou ao Brasil.

Algumas dessas marcas dividem o mesmo distribuidor no Brasil, como Chana e Haima (Districar); a Chery promete construir fábrica própria no interior paulista; e a JAC conta com a experiência de Sérgio Habib, ex-Citroën, para abocanhar 1% do mercado até o final do próximo ano. Em seu país de origem, várias dessas fabricantes têm algum tipo de parceria com montadoras tradicionais -- a Brilliance com a BMW, a Haima com a Mazda etc. Peças e componentes já são adquiridos junto a fornecedores de renome, fora da China, e o design de alguns modelos é assinado por estúdios de primeira linha (também fora da China).

No entanto, até o momento os produtos automotivos chineses não constituem exatamente um "case" de sucesso em nosso mercado. A percepção sobre a qualidade dos carros, que já era negativa devido aos "clones" (carros copiados de modelos consagrados) e ao acabamento capenga, não melhorou depois que a revista Quatro Rodas teve de suspender seu teste de longa duração com o M100, subcompacto trazido pela Effa, por falta de segurança. O mesmo modelo foi submetido recentemente a um recall para a troca dos cintos traseiros, que só tinham fixação subabdominal -- o que é proibido. O carro foi importado sem atenção a esse "detalhe".

Há mais. "A imagem dos carros chineses complicou-se com os ensaios do LatinNCAP", observa o engenheiro, jornalista e consultor automotivo Fernando Calmon. Ele se refere aos testes de colisão realizados com modelos nacionais e um chinês, o Geely CK. "O relatório atribui a ele o pior resultado já visto. Mesmo que fosse possível equipá-lo com airbags, os ocupantes dos bancos dianteiros não sobreviveriam também nas regras do EuroNCAP".

Na Europa e nos Estados Unidos, os carros chineses seguem sob suspeita devido à suposta falta de segurança.

ENTREVISTA

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Existe um certo preconceito contra os carros chineses

Sérgio Habib, presidente da JAC no Brasil

Um certo comportamento desleixado é perceptível até mesmo na Chery, chinesa que desde o segundo semestre de 2009 vende por aqui o SUV Tiggo e, já neste ano, o médio Cielo e o compacto Face. Quem telefona para a sede da empresa, em Salto (SP), é atendido por uma gravação do grupo empresarial JLJ, cuja principal área de atuação é a alimentação -- e que, devido a contatos comerciais na China, acabou se envolvendo com a importação dos Chery. Em nenhum momento a marca de carros é citada.

Tais falhas antecipam uma questão importante: a do pós-venda. Se hoje em dia ainda é comum ouvir consumidores descartando a compra de um carro Citroën ou Peugeot "porque tem pouca concessionária" ou "porque as peças demoram para chegar" (sendo que ambas produzem carros no Brasil há nove anos e têm, juntas, mais de 300 concessionárias), é de se imaginar o receio de potenciais compradores de carros chineses.

Na abrangência das redes, as respostas têm sido dadas até com celeridade: a Chery possui 64 lojas espalhadas pelo Brasil e chegará a 77 até o final do ano. A JAC deve estrear no país com 48 pontos de venda, sendo que o primeiro deles começa a funcionar em São Paulo no próximo dia 15, em regime de "soft opening". Os demais abrirão simultaneamente em 18 de março de 2011. Por sua vez, a Chana -- outra veterana no país -- tem 27 lojas.

Quanto à qualidade no atendimento, a questão é bem mais complexa. "Montar uma rede de assistência técnica no Brasil custa caro e é difícil de gerir", opina Calmon. Sabendo que essa será uma questão importante para o eventual sucesso da JAC, o empresário Sérgio Habib, seu representante no país, garante que, "apesar de serem importados, os carros da JAC contarão com um centro de distribuição de autopeças no Brasil". Fica o registro -- até para cobrar depois.

CHINA CONTRA TODOS*

Chery Cielo 1.6 -- R$ 43.100
VW Golf 1.6 -- R$ 51.940
Chery Tiggo 2.0 -- R$ 52.430
Ford EcoSport XLT -- R$ 60.280
Effa M100 -- R$ 26.120
Fiat Mille -- R$ 25.150
JAC J3 -- R$ 37.900
Fiat Palio 1.6 -- R$ 37.430
Lifan 320 1.3 -- R$ 29.750
VW Gol Rallye -- R$ 42.170
Chery Face -- R$ 32.285
Fiat Idea 1.4 -- R$ 45.135
*Comparação de preços entre modelos do mesmo segmento e versões equivalentes

VENDAS EM BAIXA
Os números de emplacamentos dos principais carros chineses vendidos hoje no Brasil não impressionam. A gama mais completa e "ajeitada" é a da Chery (algo que ficou comprovado no salão, aliás). Apesar das ressalvas já feitas, a marca lançou todos os seus modelos com apresentações à imprensa, estrelou testes nas principais revistas especializadas e investiu em publicidade. Não ficou anônima, portanto.

Ainda assim, o Tiggo, SUV compacto que lembra o Toyota RAV4 e custa bem menos que o Ford EcoSport, está em 16º lugar no ranking de utilitários da Fenabrave (associação nacional dos distribuidores de veículos), com 2.415 unidades emplacadas de janeiro a novembro deste ano. Por ironia, ganha do cansado RAV4 (22º lugar, antes da chegada da versão 4x2), mas vende 16 vezes menos carros que o SUV da Ford. O plano da Chery era emplacar 3.000 Tiggo este ano.

O Cielo, carro com design Pininfarina, bom recheio de série e preço também inferior aos do segmento, vai pior. O sedã vendeu 299 unidades até o final de novembro; o hatch, 501 carros. São exatamente 800 unidades, muito longe das 2.000 previstas pela Chery até o final do ano. E o compacto Face, segundo a Fenabrave, vendeu 2.285 carros até o final de novembro. A Chery previa 5.000. Parte da culpa por esses números desfavoráveis pode ser atribuída aos gargalos da importação para o Brasil -- como, por exemplo, atrasos nos portos. Mas trata-se de um problema inerente a uma operação do tipo no país.

Por sua vez, o polêmico Effa M100 amarga o último lugar entre os monovolumes, com apenas 333 unidades vendidas em 2010.

"Existem incertezas sobre o que significa, exatamente, essa 'invasão chinesa'. Se for pela quantidade de marcas, sem dúvida isso está ocorrendo. Mas não se pode afirmar que elas ocuparão uma parte significativa do mercado. Consultorias estimam uma participação de 3% a 4% nos próximos anos", sentencia Calmon. A Chery detém hoje 0,19% do mercado. A JAC quer abocanhar 1% já em 2011 (cerca de 35 mil carros).

Mesmo com tantas marcas e carros por chegar, até mesmo para bater em 3% do nosso mercado (fatia hoje detida pela Toyota) a estrada a percorrer pelos chineses ainda parece ser -- bastante -- longa e tortuosa.