Voyage I-Motion vai de amigo a vilão em meio ao tráfego intenso
O sedã compacto Volkswagen Voyage recebeu em outubro, ao lado do campeão de vendas Gol, a caixa automatizada ASG (Automated Sequential Gearbox). A iniciativa da fabricante alemã segue os passos da rival Fiat -- que democratizou seu câmbio Dualogic para a família Palio/Siena -- e permite que compradores de modelos populares (a maioria, diga-se) se vejam livres do pedal de embreagem e do esforço de trocar marchas manualmente pagando cerca de R$ 2.500, quase metade dos R$ 4 mil pedidos por um câmbio automático padrão.
Visualmente, o Voyage com câmbio automatizado só tem o emblema I-Motion na tampa do porta-malas de diferente; o motor é sempre 1.6, que rende até 104 cv com etanol
No câmbio ASG, chamado comercialmente de I-Motion, é a central eletrônica -- e não o pé esquerdo do motorista -- quem vai dizer quando um sistema eletroidráulico deverá acionar a embreagem e comandar a troca de marchas. Ele estreou em agosto no Polo e depois dos populares seguiu para o altinho Fox em sua remodelação, como mostrado aqui em UOL Carros, e é baseado na bem-sucedida transmissão MQ 200 da Volks.
O sistema robotizado, porém, está longe da suavidade e precisão proporcionados pela caixa manual e tem como efeito colateral os famigerados trancos que fazem com que tronco e cabeça dos ocupantes sejam jogados, com maior ou menor intensidade, para frente e para trás a cada ascensão ou redução de marcha. E isto é fato, mesmo a Volkswagen tendo jurado durante o lançamento e através de bem-humoradas campanhas publicitárias (lembra do comercial do motorista de Polo com soluço?) que encontrou um acerto de software que minimiza o problema.
Sem menção frontal ao câmbio automatizado, basta ao Voyage I-Motion ter a dianteira do Gol
O VOYAGE I-MOTION
UOL CARROS testou por uma semana um exemplar do Voyage I-Motion 1.6 (o câmbio automatizado não está disponível para modelos com motor de 1,0 litro) em sua configuração Trend (preço inicial de R$ 40.527) e com ele rodou 203,5 km predominantemente dentro do tumultuado, complicado e amarrado -- e aqui caberia qualquer outro adjetivo que lembre a situação de quase imobilidade -- trânsito da cidade de São Paulo. Apesar (ou por causa) dos apuros provocados pelo tráfego pesado, o teste ressaltou qualidades e defeitos do automatizado da Volkswagen.
Tratando do carro em si, o Voyage sofre do problema de quase todo Volkswagen: a quantidade de kits e módulos opcionais beira o infinito e encontrar o carro ideal (ou seja, com nível aceitável de habitabilidade e segurança) requer muita paciência e pode sair caro demais. Tivesse sido comprado em uma concessionária, o exemplar testado -- com airbag duplo e ABS, rodas de liga leve de 15 polegadas, faróis de neblina, direção hidráulica/ar-condicionado/travas e vidros elétricos, rádio com CD Player e sistema de conexão por USB/cartão SD/Bluetooth, computador de bordo I-System e volante multifuncional do Passat CC com borboletas para troca de marcha (sendo este último o único charme realmente dispensável) -- não sairia por menos de R$ 51.643. E ainda assim, inexplicavelmente, o motorista terá de conviver com acesso complicado às informações do computador de bordo, faixas de tecido de baixa qualidade nas portas e comandos dos vidros traseiros deslocados para o centro do console (os vidros dianteiros são acionados nos puxadores das portas).
No asfalto, o Voyage 1.6 oferece ao motorista um motor que rende 101/104 cavalos de potência, torque de 15,4/15,6 kgfm e velocidade máxima de 191/193 km/h (com gasolina e etanol, respectivamente), porta-malas de 480 litros e espaço regular para quatro adultos (a Volks força a barra com o quinto ocupante da ficha técnica, que vai fazer todos viajarem sem qualquer comodidade no banco de trás), embalados no design atual da geração 5 do Gol, sempre elogiável e ainda sem rivais no segmento.
Quanto ao desempenho do sistema, vale jogar uma luz na opinião já disseminada de que ele é um forte aliado do motorista no anda-e-para. Nosso teste mostrou que não é bem assim, e que quem fizer a compra baseado nesta premissa vai, no mínimo, se irritar ainda mais. O I-Motion é programado para ter relações menores entre as marchas mais baixas -- primeira, segunda e até terceira são alternadas rapidamente, dentro da faixa entre 2.500 e 3.500 giros -- de modo a economizar combustível e tentar suavizar os trancos. Mas isto só ocorre em momentos de aceleração linear.
A CHAVE DA MUDANÇA
Acima, a manopla do câmbio automatizado ASG com suas cinco posições e tecla Sport, que estica as mudanças de marcha; abaixo, detalhe do câmbio multifuncional (R$ 289), que inclui borboletas para troca manual de marchas
Enfrentando situações em que a velocidade média não passou dos 15 km/h -- ou seja, jogados no fundo da vala do anda-e-para paulistano --, pudemos avaliar que a calibragem do I-Motion ainda não lida bem com tráfego pesado. Assim, enquanto o motorista se vê obrigado a aliviar o acelerador instantes depois de tê-lo acionado, a central do câmbio ASG fica perdida e hesita em passar para uma marcha maior (da primeira para a segunda, por exemplo) ou o faz no momento errado, característica que não muda ao se pressionar a tecla S (Sport), responsável por aumentar o limite de giros antes de cada troca. O resultado? Mais solavancos (caso a marcha demore a entrar) ou perda de força (caso ela chegue cedo demais).
Foi o que aconteceu ao sairmos de um semáforo ao pé de um aclive, em situação de trânsito. O sinal abriu, o acelerador foi premido, mas logo aliviado, já que a fila de carros não avançou o suficiente. Com o câmbio manual, bastaria manter a primeira marcha para subir a ladeira sem maiores problemas. O automatizado, no entanto, comandou uma troca para segunda marcha colocando tudo a perder...
Em vias de trânsito mais livre ou nos trechos rodoviários, porém, o I-Motion se mostrou muito eficaz, poupando não só pé esquerdo e braço direito, como também combustível. Prova disso é o consumo médio que passou de sofríveis 5,8 km/l em travado regime urbano para 14 km/l no trajeto rodoviário.
Assim, fica claro que o motorista deve entender completamente o modus operandi da caixa automatizada, aprender a lidar com a nova realidade e saber em quais situações ela pode ser melhor utilizada e quais as consequências da quebra desta linha de ação. Quase uma prática de zen aplicada ao ato de dirigir. Resumindo: se estiver interessado em comprar, faça antes um test-drive extensivo, de preferência dentro de seu itinerário rotineiro. Sem isso, não adianta soluçar de raiva depois.
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