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Kia Magentis, ilustre desconhecido, surpreende no conjunto e no preço

Claudio de Souza

Do UOL, em São Paulo (SP)

05/02/2010 17h18

Em meados de 2009, UOL Carros foi passear em Interlagos durante o Quatro Rodas Experience, evento em que montadoras disponibilizam alguns modelos para umas tantas voltas na pista do autódromo paulistano. A certa altura, visitamos o estande da Kia, que acabara de lançar no Brasil o grandalhão Mohave. Ali, um funcionário da montadora passou ao menos 30 minutos louvando as supostas qualidades desse SUV; depois, outros representantes da montadora -- quando perguntados pela reportagem -- fizeram o oposto, e tentaram manter segredo sobre detalhes do então inédito, mas já anunciado, Soul.

Num canto do estande, discreto, longe dos holofotes, havia um Magentis estacionado.

  • Murilo Góes/UOL

    Grande, bonito, mas também discreto, Kia Magentis tem preço de sedã médio

O sedã intermediário da Kia (o menor é o Cerato, o maior é o bizarro Opirus), produzido na Coreia do Sul desde 2000, é um ilustre desconhecido em nossas ruas. Em 2009, emplacou esparsas 745 unidades. Levando em conta a classificação da Fenabrave (federação das concessionárias), o Magentis é um sedã grande, e encara rivais como Hyundai Azera, BMW 320, Volkswagen Passat e Honda Accord, todos eles à frente no ranking de emplacamentos. O Azera vende dez vezes mais que o Magentis; o Série 3, mais que o dobro; e o Passat, quase o dobro.
 

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Só que o preço do sedã da Kia o credenciaria a brigar no andar de baixo, o dos sedãs médios. Em versão única (EX), o Magentis custa R$ 69.900, um preço que o coloca em linha com os Toyota Corolla XEi manual (R$ 69.440) e GLi automático (R$ 69.760); e também com o Honda Civic LXS automático (R$ 69.755).

Os sedãs japoneses são ao menos 26 cm mais curtos (4,8 metros do Magentis contra 4,5 m do Civic e 4,54 m do Corolla) e 4 cm mais estreitos (1,8 metro contra 1,75 m contra 1,76 m), e têm motores 1.8 que geram até 140 cavalos (Civic, com etanol). O Magentis é dotado de um propulsor 2.0 que produz 164 cv. A relação peso/potência é praticamente a mesma nos três carros (cerca de 9 kg/cv). A desvantagem do coreano é beber apenas gasolina.
 

  • Murilo Góes/UOL

    3º volume não parece reboque nem imita cupê; curva das lanternas é diferencial

Naquela tarde de 2009 em Interlagos, UOL Carros decidiu experimentar o Magentis. Após algumas voltas na pista, estacionamos o sedã e perguntamos ao funcionário da Kia (o mesmo que pouco antes louvara longamente o Mohave): "Por que vocês escondem esse carro?"

De fato, só recentemente a marca coreana começou a "bombar" o Magentis na mídia, principalmente em anúncios nas publicações impressas. Nada que se compare à badalação em torno do "carro-design" Soul, e muito menos ao que faz a Hyundai (empresa do mesmo grupo, mas inimiga figadal aqui no Brasil) com todos os seus modelos. Mas já é um começo.

Dizemos isso porque, após conviver dez dias com um exemplar novíssimo (menos de 200 km), constatamos que o Magentis é um carro muito bom -- e, principalmente, um belo exemplo de como pagar menos por mais. Que é o que interessa, certo?

O Magentis apresenta linhas externas elegantes, redesenhadas para o modelo 2009 por Peter Schreyer, o designer ex-Audi e ex-Volkswagen responsável por transformar o Cerato num carro apresentável. A dianteira traz a nova identidade global da Kia: grade de bordas cromadas formando uma "boca de tigre" (que, francamente, não conseguimos enxergar nem com boa vontade) e conjunto óptico afilado e ascendente. A silhueta harmoniza bem o longo primeiro volume com um terceiro mais contido. Nele, o ponto de inserção da coluna C evita que o porta-malas pareça um reboque -- sem que, para isso, o Magentis finja ser um cupê.
 

DETALHES DO MAGENTIS

  • Murilo Góes/UOL

    Faróis seguem atual receita oriental, mas formato da luz de neblina foge do óbvio

  • No banco de trás do Magentis, conforto de verdade é para apenas dois passageiros

  • Motor de 2 litros e duplo comando para as 16 válvulas entrega 164 cv, mas só bebe gasolina

A vida a bordo do sedã é delimitada com generosidade pelo entre-eixos de 2,72 metros e pela largura de 1,80 metro. Há espaço de sobra para quatro pessoas -- e é para quatro pessoas que o Magentis foi pensado. Um quinto passageiro se acomoda contra o descanso de braço embutível. Terá apoio para a cabeça, mas não cinto de três pontos. O acabamento da cabine não chega a ser refinado, mas há couro macio nos bancos e nos revestimentos de pontos estratégicos das portas. Claro que o plástico é inevitável, mas a parte superior do painel frontal é emborrachada. O principal senão é o posicionamento da alavanca do freio de estacionamento, colada ao banco do motorista, o que torna desconfortável a sua operação.

O recheio de série do Magentis é bem interessante. Traz, entre outros itens: ar-condicionado digital; sensor de luminosidade nos faróis; volante multifuncional; computador de bordo (no qual falta o consumo instantâneo); trio elétrico; acionamento remoto das portas na chave-canivete; vários porta-objetos; descansos de braço dianteiro e traseiro; retrovisores com aquecimento, seta de direção e rebatimento por comando elétrico; coluna de direção ajustável na altura (mas não na profundidade, outro pecadilho desse carro); airbags frontais para motorista e passageiro (deveria ter mais); freios a disco nas quatro rodas com ABS (antitravamento) e EBD (distribuição de força de frenagem); direção hidráulica progressiva; e travamento automático das portas.

Como no Ford Fusion, se você for sequestrado e colocado no porta-malas do Magentis, poderá abri-lo por dentro para fugir. Até lá, terá de se ajeitar nos 420 litros de capacidade do compartimento.

IMPRESSÕES AO DIRIGIR
Em movimento, o Magentis mostra rapidamente que sua vocação é o conforto. A primeira coisa que impressiona é a qualidade do isolamento acústico: a cabine é um oásis de quietude, mesmo no meio do trânsito barulhento de São Paulo.

A suspensão, independente nas quatro rodas (McPherson à frente e braços múltiplos atrás), também foi claramente acertada para privilegiar o bem-estar dos ocupantes, e não para colar o Magentis no chão em curvas abusadas. Mesmo no esburacado asfalto pós-diluviano da capital paulista o equilíbrio entre a desejada maciez e a necessária firmeza é impressionante. Ajudam nisso as rodas de aro 16 calçadas com pneus relativamente altos, de medida 205/60 -- uma receita bem diferente da usada na maioria dos sedãs médios e grandes, que parecem sofrer de "esportivismo".

Efeitos colaterais desse acerto são a direção um tanto folgada e a sensação de instabilidade que pode surgir em velocidades mais altas, ou no traçado de uma curva mais fechada e abordada com, digamos, destemor. O Magentis não foi feito para isso.

O que não significa que ele seja molenga. O propulsor de 2 litros entrega 164 cavalos (6.200 rpm) e torque de 20,1 kgfm (4.600 rpm), bem suficientes para transmitir boa disposição às rodas do Magentis nas arrancadas e retomadas. Velocidades de cruzeiro dentro da lei são atingidas rapidamente e sem nenhum esforço; a Kia não divulga a velocidade máxima, mas ela deve ficar entre 190 km/h e 205 km/h (o velocímetro vai a 240 km/h).

O Magentis só decepciona um pouco em aclives muito acentuados, quando o câmbio automático de (poucas) quatro velocidades às vezes hesita entre a segunda marcha ou uma redução radical à primeira. O motorista pode, nesse caso, deslocar a alavanca para o lado e assumir as trocas sequenciais.

Há borboletas atrás do volante, mas -- ao contrário da maioria dos carros que as possuem -- não basta acioná-las para que o câmbio já entre no modo manual: é preciso reposicionar a alavanca do console. Por isso, e também pelo pequeno número de marchas e a localização meio distante do aro do volante, tais peças são desnecessárias.

No geral, depois de nossa convivência com o carro ficou-nos a percepção de que o principal argumento "antimagentis" seria o fato de ele não ser bicombustível. Trata-se de um bom debate, ainda mais com as oscilações do preço do etanol; o que podemos dizer é que, depois de cerca de 400 km rodados, a maior parte deles na cidade, e com velocidade média de 15 km/h (ou seja, houve muito anda-para urbano), o Magentis cravou um consumo médio de 7 km/l.

Uma marca que não altera substancialmente a boa relação custo/benefício do modelo, na qual pesa muito a garantia de cinco anos ou 100 mil km.