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Em estrada que despreza motos, até cabine de pedágio é risco

Trânsito na rodovia Castello Branco (SP) em feriadão: imagine colocar umas motocicletas aí no meio... - Joel Silva/Folhapress
Trânsito na rodovia Castello Branco (SP) em feriadão: imagine colocar umas motocicletas aí no meio... Imagem: Joel Silva/Folhapress

Cícero Lima

Colaboração para o UOL

12/04/2013 21h03

Falar em pedágio sempre gera discussão. O assunto é cada vez mais recorrente nas redes sociais e até gerou manifestações de motociclistas pleiteando isenção de pagamento ou mudança na estrutura das praças de arrecadação. Os preços têm despertado a ira dos usuários das estradas, principalmente no Estado de São Paulo.

Motoristas e motociclistas reclamam do valor, que em alguns casos parecem abusivos. Na rodovia D. Pedro I, o motociclista pode gastar mais dinheiro com pedágio do que com combustível. Na ligação Campinas-Atibaia, por exemplo, o piloto pagará R$ 6 de pedágio para percorrer apenas 67 km.

O modo de cobrança do pedágio em nossas estradas expõe os motociclistas a riscos. Ao parar a moto na cabine, o piloto está sujeito a uma queda, já que o piso pode estar escorregadio por causa da graxa e do óleo que pingam dos caminhões e de alguns automóveis. Mas o principal temor é o abalroamento, sobretudo à noite, quando a moto se torna menos visível para condutores de veículos maiores.

Basta uma visita nos sites de busca para encontrarmos inúmeros relatos e imagens de acidentes nos postos de pedágio, em sua maioria apenas com danos materiais -- mas, se uma motocicleta estiver envolvida, a chance de ferimentos ou até de morte é aumentada.

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Na tentativa de diminuir o risco de acidentes nas estradas, a concessionária que administra a rodovia Ayrton Senna, que liga São Paulo ao Vale do Paraíba, instalou cabines exclusivas para motos que funcionam em dias e horários com maior fluxo desse veículo. Parece ser uma solução óbvia e eficiente, mas deveria ficar 100% do tempo à disposição dos motociclistas, independentemente do trânsito -- afinal, acidentes não têm hora para acontecer.

Em certas estradas, como a Castello Branco e os sistemas Anchieta-Imigrantes e Bandeirantes-Anhanguera, o usuário de moto está isento do pedágio. Nelas, o desafio é organizar a passagem das motos de forma segura enquanto os outros veículos diminuem a velocidade nos guichês. As soluções encontradas causam a indignação de alguns motociclistas, principalmente os usuários de motos de maior porte, que alegam dificuldades para contornar os obstáculos ou mesmo a largura do corredor. Por conta dessa dificuldade, também houve manifestação na Castello Branco.

ALÉM DAS CABINES
Obviamente, os riscos nas estradas não estão apenas nos pedágios. Vejamos os exemplos da BR-040 e da BR-050, vias não-pedagiadas usadas na ligação entre Brasília (DF) e Uberlândia (MG). Percorri à noite essas estradas de pista simples, margeadas apenas por plantações e muito mato, com longas retas onde os motoristas gostam de "enfiar o pé". Detalhe: hoje, um caminhão (cavalo mecânico com 30 toneladas) atinge a velocidade máxima de 135 km/h!

Por sorte, foi uma viagem esporádica que não pretendo repetir, ainda mais à noite -- mas com ela foi possível sentir na pele o sufoco que passam os moradores das cidades às margens dessas rodovias. Isso sem falar de motoristas e motociclistas que rodam à mercê da própria sorte nesse pedaço abandonado do Brasil.

A BR-040 é apenas um dos exemplos do estado lamentável de nossa malha rodoviária. De acordo com levantamento publicado pela Confederação Nacional de Transporte (CNT), mais da metade de nossas rodovias está em estado de conservação regular, ruim ou péssimo. Isso é uma má notícia para os motociclistas que as utilizam.

Não me refiro apenas aos integrantes de motoclubes que invadem as rodovias ostentando seus brasões. Nem tão pouco aos aventureiros solitários que rodam por opção em busca de desafios. O que preocupa são as pessoas que usam a moto como meio de locomoção ou trabalho. Esse cidadão é obrigado a trafegar por essas vias -- e aí surgem os problemas.

LONGE DAS CAPITAIS
Quem acompanha a grande mídia se assusta com os índices de acidentes nos grandes centros urbanos, como São Paulo, mas o real problema está bem longe das capitais, e sim em pequenas cidades que são cortadas por estradas importantes.

A cidade brasileira com maior número de mortes por acidente de trânsito a cada 100 mil habitantes, segundo dados do Mapa da Violência 2012, é a pacata Pariquera-Açu (SP). A vizinha Miracatu também é uma das campeãs de óbitos. O motivo para um índice tão elevado de mortes é a proximidade da BR-116, rodovia privatizada que é a principal ligação entre Curitiba e São Paulo (os acidentes na estrada são computados aos municípios).

Indiferentes às estatísticas, os moradores de Pariquera-Açu e Miracatu usam a BR-116 como uma avenida a percorrer todos os dias. Esse mesmo fenômeno ocorre em milhares de pequenos municípios brasileiros que cresceram às margens de rodovias, que recebem diferentes tipos de usuário (turistas, motoristas profissionais e moradores) e veículos (motocicletas, carros e caminhões). Enfim, uma mistura preocupante que os números mostram ser de extrema letalidade -- como na própria BR-116.

Seja qual for a estrada, privatizada ou não, pedagiada ou livre, a convivência entre diferentes tipos de veículos e usuários sempre gera preocupação e exige cuidados, em especial por parte do motociclista, que é o elo mais frágil dessa cadeia.

Porém, ao rodar nas estradas, nos deparamos com cenas lamentáveis de imprudência, entre elas, "pegar o vácuo". Nessa manobra, o condutor da moto usa o ônibus ou caminhão como uma "parede" de proteção aerodinâmica. Mas são enormes os riscos de acidente: em caso de frenagem, de buracos ou de um objeto caído na pista, o motociclista não terá tempo de reação e o acidente será inevitável. Outra manobra perigosa, mas comum nas estradas (e banal nas cidades), é usar o "corredor" entre os carros.

A estrada não pode ser utilizada como uma avenida. Ela requer muita atenção e habilidade de todos os usuários: daqueles que moram às suas margens, do motociclista, do motorista profissional, do turista que está apreciando a paisagem, pagando pedágio ou não.

Cícero Lima trabalhou na revista Duas Rodas por 15 anos, oito como editor-chefe