'Sobrevivendo no inferno': como é a ala da Vai-Vai que irritou delegados

Os delegados de polícia de São Paulo divulgaram uma nota de repúdio ao desfile da Vai-Vai na noite do último sábado (10) no sambódromo do Anhembi. Segundo o sindicato da categoria, a escola "tratou com escárnio a figura de agentes da lei".

Como era ala da Vai Vai

Ala que irritou delegados se chamou "Sobrevivendo no Inferno", mesmo nome do álbum dos Racionais MC lançado em 1997.

Fantasia da tropa de choque tinha chifres e asas avermelhadas
Fantasia da tropa de choque tinha chifres e asas avermelhadas Imagem: Mariana Pekin/UOL

A escola representou o batalhão de choque como demônios. Nas fantasias, eles usavam chifres e asas vermelho-alaranjadas.

11.fev.2024 - Desfile da Vai Vai na primeira noite de Carnaval no sambódromo do Anhembi
11.fev.2024 - Desfile da Vai Vai na primeira noite de Carnaval no sambódromo do Anhembi Imagem: Mariana Pekin/UOL

Vai-Vai desfilou no primeiro dia do Anhembi. Com o enredo "Capítulo 4. Versículo 3 - Da Rua e do Povo, o Hip Hop: Um Manifesto Paulistano", a escola fez um manifesto contra o preconceito. O tema é assinado pelo carnavalesco Sidnei França.

Escola fez manifesto contra o preconceito. Nas letras, representou os locais ocupados por pessoas negras e a sua importância na criação e manutenção do rap e no hip-hop.

Na avenida, Mano Brown marcou presença, além dos rappers Dexter e Rappin Hood. Uma das alegorias também teve a presença da cantora Glória Groove e do ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida.

Mano Brown, no desfile da Vai-Vai
Mano Brown, no desfile da Vai-Vai Imagem: Mariana Pekin/UOL
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"Sobrevivendo no Inferno", a obra

Disco dos Racionais foi entregue ao Papa em 2015, como presente da Prefeitura de São Paulo. A música que dá nome ao enredo da Vai-Vai, "Capítulo 4, Versículo 3", leva trechos bíblicos e fala sobre racismo, a vida na periferia e a repressão policial.

60% dos jovens de periferia sem antecedentes criminais já sofreram violência policial / A cada 4 pessoas mortas pela polícia, 3 são negras / Nas universidades brasileiras, apenas 2% dos alunos são negros / A cada 4 horas, um jovem negro morre violentamente em São Paulo / Aqui quem fala é Primo Preto, mais um sobrevivente.
'Capítulo 4, Versículo 3', Racionais MC

Obrigatório para vestibular da Unicamp. Em 2018, o álbum dos Racionais MC virou livro e entrou para a lista dos obrigatórios para o vestibular da Unicamp. Foi a primeira vez que um disco de música foi recomendado para a prova.

O que dizem os delegados

'Extrema indignação'. O sindicato que representa a categoria afirma que a escola "tratou com escárnio a figura de agentes da lei". "Com direito a chifres e outros itens que remetiam à figura de um demônio, as alegorias utilizadas na ala Sobrevivendo no Inferno, demonizaram a polícia — algo que causa extrema indignação", diz a nota.

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Em nome do que chama de 'arte' e de liberdade de expressão, [a escola] afronta as forças de segurança pública, desrespeita e trata, de forma vil e covarde, profissionais abnegados que se dedicam, dia e noite, à proteção da sociedade e ao combate ao crime, muitas vezes, sob condições precárias e adversas, ao custo de suas próprias vidas e famílias.
Sindpesp

Sindpesp quer retratação. A nota afirma ainda que espera que a Vai-Vai reconheça que "exagerou e incorreu em erro na ala em questão, e se retrate, publicamente". "Não estamos falando, afinal, apenas dos policiais, sejam civis ou militares, mas, sobretudo, de uma instituição de Estado que representa e está a serviço de toda a sociedade bandeirante."

O que diz a Vai-Vai

Escola afirmou que fez série de recortes históricos. Procurada, a Vai-Vai afirmou por meio de sua assessoria que fez "longo do desfile, uma série de recortes históricos, como a semana de arte de 1922 e o lançamento do álbum "Sobrevivendo no Inferno", dos Racionais MCs, em 1997.

A ala retratada no desfile de sábado, da escola de samba Vai-Vai, à luz da liberdade e ludicidade que o Carnaval permite, fez uma justa homenagem ao álbum e ao próprio Racionais Mcs, sem a intenção de promover qualquer tipo de ataque individualizado ou provocação, mas sim uma ala, como as outras 19 apresentadas pela escola, que homenageiam um movimento.
Vai-Vai, em nota

'Segurança pública era questão latente'. "Vale ressaltar que, neste recorte histórico da década de 90, a segurança pública no estado de São Paulo era uma questão importante e latente, com índices altíssimos de mortalidade da população preta e periférica."

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Além disso, é de conhecimento público que os precursores do movimento hip hop no Brasil eram marginalizados e tratados como vagabundo, sofrendo repressão e, sendo presos, muitas vezes, apenas por dançarem e adotarem um estilo de vestimenta considerado inadequado para a época. Ou seja, o que a escola fez, na avenida, foi inserir o álbum e os acontecimentos históricos no contexto que eles ocorreram, no enredo do desfile.
Vai-Vai, em nota

De volta ao Grupo Especial. A Vai-Vai retornou este ano ao Grupo Especial do Carnaval de São Paulo, após ter vencido o Grupo de Acesso 1 no ano passado. Com 94 anos, a escola fundada em 1930, no Bixiga, está em busca da redenção e do seu 16º campeonato.

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