Poluição do ar e saúde mental: estudo aponta relação alarmante

Nos últimos anos, é crescente o número de estudos que se debruçam em dados e teorias para entender quais problemas de saúde estão ligados à poluição atmosférica do planeta. Para se ter uma ideia, o último relatório da organização The Global Carbon Project, dedicada a mesurar e mapear a emissão de gases e poluição do ar no mundo, estimou que, em 2023, seriam despejados 36,8 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera —uma quantidade recorde e um aumento de 1,4% em relação a 2019.

Além do evidente prejuízo aos pulmões (que inalam essa sujeira todos os dias) e à pele (que precisa impedir que essas partículas entrem no corpo), um estudo da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, mostrou que aspirar partículas como as ultrafinas (emitidas principalmente por automóveis) gera um aumento no risco de sofrer um ataque cardíaco.

Mas o que cada vez mais médicos e cientistas estão tentando determinar é quais seriam os danos causados à nossa saúde mental. Um estudo publicado no dia 12 de fevereiro no periódico Nature Sustainability, por exemplo, relacionou a qualidade do ar à taxa de suicídio na China.

Os pesquisadores, de origem americana e chinesa, estimam que a China conseguiu prevenir cerca de 46 mil mortes por suicídio em cinco anos ao trabalhar para reduzir a poluição do ar em seu território —uma relação que os autores do estudo acreditam ser causal.

Usando dados de 2000 a 2019, os cientistas notaram um aumento de 25% nos suicídios em localidades chinesas nas semanas em que elas viviam a chamada inversão térmica —fenômeno meteorológico em que o ar frio e seco fica "preso" próximo à superfície terrestre por uma fina camada de ar quente, impedindo que os poluentes se dispersem.

Isso quer dizer que aspirar poluentes em excesso não teria apenas um efeito de longo prazo e crônico, como também um componente agudo, criando uma "crise" de rápida influência na química cerebral.

Qual seria a explicação?

De acordo com Alfredo Maluf, médico psiquiatra do Hospital Israelita Albert Einstein, conviver com a poluição atmosférica pode levar a um processo inflamatório que prejudica o corpo todo, incluindo os mecanismos neurobiológicos do cérebro. "Já existem trabalhos científicos indicando uma possível relação entre transtornos mentais associados a suicídio, como a depressão, e a inflamação provocada pela inalação de poluentes", afirma.

Ele lembra, no entanto, que o ato de tirar a própria vida é uma ação multifatorial e, portanto, estabelecer uma ligação de causa e efeito nesse tipo de estudo segue sendo um desafio. "Precisa ser aprofundado. O suicídio tem causas complexas e envolve fatores como situação socioeconômica, problemas sociais e faixa etária, entre outros", diz.

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Os próprios pesquisadores admitem que um dos desafios de estudos desse tipo é justamente isolar apenas o fator poluição —isto é, inalação de partículas de poluentes— de outros fatores que comumente estão associados a ela, especialmente em grandes centros urbanos, como produção econômica, meios de transporte e até a produção industrial local.

São o que a psiquiatra Danielle Admoni, psiquiatra geral, pesquisadora e supervisora na residência de psiquiatria da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), chama de "fatores confundidores". "Cidades muito poluídas geralmente têm taxas maiores de moradias inadequadas e distantes dos locais de trabalho, por exemplo, além de serem mais populosas, com maior índice de violência e, muitas vezes, com menor interação social e até falta de uma rede de apoio, com a família morando em outro município", exemplifica.

"Todos esses fatores podem ter influência na qualidade de vida de quem mora nessas regiões mais poluídas e também tornam essas pessoas mais propensas a desenvolver transtornos de saúde mental associados ao suicídio, como depressão e ansiedade", afirma Admoni.

Por outro lado, há inúmeros estudos que relacionam locais mais arborizados e, portanto, menos poluídos, a uma melhora da memória e da saúde mental como um todo. "Faz sentido, pois áreas verdes reduzem o estresse, melhoram o humor e ainda estimulam a prática de atividade física e a interação social", afirma Maluf.

Embora o estudo publicado na Nature Sustainability seja uma evidência de que existe, de fato, uma relação entre poluição e suicídio, mais estudos e análises precisam serem feitas para estabelecermos uma relação direta entre as duas coisas.

Por enquanto, o estudo reforça a noção de que lidar com problemas de saúde mental não é algo para ser feito de forma individual e, sim, entendido e tratado dentro de um contexto de saúde pública.

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"Fatores sociais coletivos influenciam diretamente na condição mental individual e, por isso mesmo, devemos, sim, trabalhar para ter um programa de saúde pública que ofereça informações e acesso aos tratamentos adequados", acredita o médico do Einstein.

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