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'Usei 15 frascos de Neosoro em 2 semanas, parecia uma drogada'

Antonia Suilan não vive sem o seu frasquinho de Neosoro, mas dependência já foi mais grave - Arquivo pessoal
Antonia Suilan não vive sem o seu frasquinho de Neosoro, mas dependência já foi mais grave Imagem: Arquivo pessoal

De VivaBem, em São Paulo

05/06/2023 04h00

Quem nunca teve vontade de arrancar o nariz após uma crise alérgica que atire a primeira pedra.

Para algumas pessoas, o desespero da rinite é tão grande que elas apelam para o uso desenfreado de descongestionantes nasais, como o Neosoro — produto com uma substância que diminui a irrigação sanguínea no nariz e é vendido a preço baixo.

O remédio com cloridrato de nafazolina, no entanto, pode causar dependência se usado em excesso: o uso diário há pelo menos quatro semanas já caracteriza vício, segundo especialistas.

Foi o que ocorreu com a analista de sistemas Antonia Suilan, de 37 anos, que hoje mora em Brno, na República Tcheca.

"Eu odeio acordar à noite com falta de ar. Hoje eu uso um frasco por semana, geralmente antes de dormir ou em crises por pólen."

Mas a situação dela já foi bem diferente: em seu "pior momento" com o medicamento, um frasco de 30 ml era o suficiente para apenas três dias.

'Parecia uma drogada'

Antonia descobriu sua rinite quando ainda morava no Brasil e trabalhava em uma papelaria de Campinas (SP). De lá para cá, tentou de tudo: de remédios que já existem até um milagre.

O médico falava que tinha a cura da rinite e dava injeções dentro do nariz, sem anestesia. Saía de lá sangrando. Ele cobrava os valores por fora, porque o plano não cobria o que era 'tão inovador'. Depois, descobri que o que ele aplicava era soro fisiológico

Ela evitava consumir leite e álcool. Mas era só bater um vento que a agonia era certa: a respiração ficava totalmente bloqueada e nem adiantava tentar assoar. Só o Neosoro parecia salvar.

"Teve momentos em que eu usava todas as horas, parecia uma drogada. Era a ponto de arranjar briga se eu não achasse o frasco. Eu dormia com um debaixo do travesseiro para usar durante a noite", lembra.

Viagem por Neosoro

Certa vez, os amigos de Antonia resolveram brincar com ela e esconderam o frasco enquanto dormia. "Acordei sem conseguir respirar e, quando fui procurar, não estava no travesseiro. Acordei a casa inteira."

Em outra ocasião, ela saiu de Campinas e viajou a Jacutinga (MG) para aproveitar uma promoção de cinco frascos por R$ 10. "Um primo ligou e disse: corre que está tendo promoção. Comprei a caixa com uns 100 frascos."

Hoje em dia [essa relação] está melhor, mas ainda existe. Ainda tenho medo de ter crises. É um frasco no travesseiro, um no carro, um na bolsa, um na casa da amiga, um na bolsa da outra amiga, deixo um reserva no banheiro. Vai que um apocalipse zumbi acontece e eu não consigo mais comprar?

Para Antonia, como a situação já foi pior, ela hoje não considera que é viciada no medicamento.

Para uma viagem de 15 dias, 15 frascos

Quando chegou na República Tcheca, em 2019, ela se viu praticamente obrigada a mudar os hábitos porque não encontrava algum produto com efeito semelhante no país. Se ela soubesse que alguém estava viajando do Brasil para lá, o pedido era sempre o mesmo: um descongestionante, por favor.

"Achei que não ia dar conta e fui no otorrino. Ele disse que meu nariz era muito seco e que eu tinha que hidratá-lo. Hoje faço limpeza com soro e uso vaselina. Antes eu achava que o Neosoro hidratava [as vias respiratórias]", explica ela.

Antonia costuma ter frascos espalhados pela casa e nos bolsos - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Antonia costuma ter frascos espalhados pela casa e nos bolsos
Imagem: Arquivo Pessoal

Em sua primeira vez na Europa, também passou perrengue. Para uma viagem de 15 dias, 15 frascos de descongestionante na mala despachada. Mas, para um voo longo, ela não podia correr o risco de ficar sem no avião.

"Tinha um na bolsa, um na mochila, outro no bolso. Passei no raio-x na imigração, na Espanha, e apitou", lembra. Por sorte, o motivo do susto era um anel que foi esquecido no bolso. Mas a funcionária questionou por que ela carregava tantas unidades.

"Só falei: 'essa é a única droga que eu uso e ela é regulamentada'. E aí me deixaram passar." Antonia diz que, naquele dia, um frasco inteirinho foi suficiente para apenas aquele voo. "Não conseguia comer se não colocasse Neosoro."

Os riscos dos descongestionantes

Produtos com cloreto de nafazolina, como Neosoro, provocam a contração dos vasos sanguíneos, diminuindo a irrigação sanguínea da mucosa nasal. É isso o que promove a sensação de que o nariz abriu — mas o alívio é momentâneo.

"Ao mesmo tempo, esta mesma vasoconstrição acarreta acréscimo da pressão arterial sistêmica e acelera a frequência dos batimentos cardíacos", alerta Antonio Carlos Cedin, otorrinolaringologista da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Segundo ele, o uso desses remédios é contraindicado para alguns grupos:

Pessoas com pressão alta
Pessoas com arritmias cardíacas
Pessoas que já infartaram
Pessoas que foram submetidas a cirurgias do coração
Pessoas com determinadas doenças de próstata
Pessoas com determinadas doenças oculares

Além disso, o médico explica que o uso prolongado desses produtos pode provocar rinite medicamentosa em qualquer grupo.

A explicação é que, quanto mais se usa, mais espesso o muco fica — isso deixa o nariz mais "entupido". É o que acaba gerando dependência do remédio, que precisa ser usado mais vezes ao dia para entregar o mesmo efeito.

Para Cedin, esse ciclo vicioso é extremamente prejudicial ao organismo. De acordo com ele, pessoas alérgicas devem buscar um especialista para serem instruídas individualmente.

Em alguns casos, a solução pode ser cirúrgica.

Segundo ele, outras medidas podem ajudar no controle das crises:

Higiene ambiental
Hidratação nasal com soro fisiológico (em spray)
Uso de corticoides

O que diz a marca?

Por meio de nota, a marca Neosoro enfatizou a "importância do diagnóstico médico apropriado" e disse não compactuar com o uso indiscriminado de medicamentos.

"A congestão nasal é um sintoma e não uma doença. Por isso, é fundamental identificar clinicamente a causa real da congestão nasal, para que o médico defina o tratamento correto", informou. "O uso excessivo de Neosoro, assim como de qualquer medicamento, pode causar danos à saúde."

A empresa também explicou que a linha Neosoro é composta por dois tipos de produtos, diferentes em sua composição:

  • Um medicamento tarjado, de uso adulto, com cloreto de nafazolina. Para este, a utilização máxima recomendada é de até cinco dias e não se deve exceder a dose recomendada. "Além disso, por lei, os medicamentos tarjados devem ser prescritos pelo profissional de saúde e exigem apresentação de receita médica para comercialização."
  • Apresentações isentas de prescrição, compostas por cloreto de sódio. Essas são opções para manter a higiene nasal diária.