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Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


'Descobri câncer de colo de útero em check-up que quase desisti de fazer'

Bárbara Therrie

Colaboração para VivaBem

27/03/2022 04h00Atualizada em 27/03/2022 10h36

Ao ouvir sua intuição, a paranaense Nayane Roma, 35, atriz, decidiu realizar seus exames de rotina mesmo em meio à quarentena. Ela quase desistiu de fazer o check-up ao considerar que os resultados do ano anterior estavam normais. Ao realizar novos exames e investigar uma alteração, ela descobriu que tinha HPV e que estava bem no início do câncer de colo de útero aos 33 anos.

Após o diagnóstico precoce, Nayane, que hoje mora em São Paulo com o marido e dois filhos, retirou o útero, as trompas, e alerta outras mulheres: "Às vezes, estamos bem esteticamente, com o corpo bonito, mas não sabemos como estamos por dentro. O autocuidado e fazer o check-up periodicamente são fundamentais. Eu era assintomática, mas estava com câncer". Leia o depoimento dela:

"Sempre procurei ter um estilo de vida saudável, fui atleta de patinação artística, fazia corrida, tinha uma alimentação regrada. Esse cuidado também incluía minha saúde feminina e fazer os exames de rotina sempre que possível. No entanto, confesso que depois que meu segundo filho nasceu, em 2017, não fiz mais.

Em 2019, procurei uma endocrinologista porque queria emagrecer e ver a parte hormonal porque andava muita estressada. A médica me pediu um check-up geral, incluindo alguns exames ginecológicos, como ultrassom de mama e transvaginal, mas não o papanicolau. Todos os exames deram ok.

Em março de 2020, em plena pandemia com todo mundo fazendo quarentena, decidi que não iria fazer o check-up já que no ano anterior tinha dado tudo normal, mas senti uma intuição muito forte, era como se Deus estivesse me falando para fazer os exames. Ouvi minha intuição e fui na endócrino novamente.

Ela achou importante meu retorno e me aconselhou a fazer o acompanhamento anual como forma de prevenção, ainda mais pelo fato de eu já ter 30 anos e dois filhos, a Maria Clara e o Pedro.

A médica solicitou os exames e dessa vez incluiu o papanicolau. Resisti, perguntei se era realmente necessário, nunca gostei de fazer, achava desconfortável, mas ela disse que era importante. Mesmo já tendo feito outras vezes, não sabia para que o papa servia e não imaginava a importância dele. Desconhecia, por exemplo, que ele é capaz de identificar alterações que podem indicar lesões pré-cancerosas no colo de útero.

Nayane Roma, 35, atriz, descobriu câncer de colo de útero - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Fiz os exames, todos deram mais uma vez ok, com exceção do papanicolau que constatou uma infecção de alto grau. A médica me perguntou se eu tinha 'namorado mais forte' que pudesse ter provocado algum machucado, eu disse que não.

Ela me recomendou procurar um ginecologista. A última vez que tinha passado com um havia sido na gravidez e no parto do Pedro há 2 anos e meio quando morávamos em Minas Gerais. Ainda não havia me consultado com nenhum gineco morando em São Paulo.

Passei com duas ginecologistas, sendo que umas delas era especialista em colo de útero, com quem dei início ao tratamento. Ao ver os exames, me examinar e fazer uma colposcopia com biópsia, a médica disse que eu estava com uma infecção do vírus HPV e que havia 99,9% de chance de eu ter que fazer um procedimento cirúrgico chamado conização do colo do útero, em que seria retirado um pedaço do colo do útero em forma de cone para ser enviado para biópsia e identificar a existência de células cancerígenas.

Fiquei muito assustada, primeiro porque desconhecia que tinha HPV, uma doença sexualmente transmissível. Fiquei pensando de quem poderia ter contraído —era casada havia nove anos. Comentei isso com a médica, mas ela explicou que posso ter contraído o vírus no início da minha vida sexual e ter ficado assintomática durante todos esses anos.

O primeiro resultado, a biópsia da colposcopia, mostrou uma lesão de alto grau NIC III, a um passo do câncer. A médica me perguntou se eu queria ter mais filhos, respondi que não. Ela disse, então, que iria tirar um pouco mais do útero durante a conização para tentar eliminar o problema de vez. Duas semanas depois fiz o procedimento.

Para nossa surpresa, em julho de 2020, o resultado da biopsia da conização mostrou que eu estava bem no início do câncer do colo de útero, a médica recomendou a retirada completa do útero e das duas trompas. Meu mundo caiu, fiquei desesperada.

O diagnóstico veio num momento feliz e de realização na minha vida —já era formada em administração de empresas—, mas estava fazendo cursos de artes em teatro, cinema e TV, algo que sempre sonhei desde criança.

Nayane Roma, 35, atriz, descobriu câncer de colo de útero - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Por um tempo, a vida perdeu a beleza, não via mais nada colorido, só preto e branco. Me senti impotente e inferior em relação as outras pessoas. No primeiro momento, não aceitei a doença e queria achar um culpado. No segundo, passei a tentar entender as coisas com mais clareza. No terceiro, aceitei a situação e comecei a fazer tudo o que estava ao meu alcance para ficar bem, com fé em Deus e pensamentos positivos.

Em meio a tudo isso, descobri numa conversa com a minha mãe que eu nunca tinha tomado a vacina contra HPV, mas que minha irmã mais nova, sim, ao ter apresentado alterações em alguns exames na adolescência. Minha mãe se justificou dizendo que como eu nunca tinha tido nada, não achou necessário.

Por recomendação da médica que estava me acompanhando, tomei três doses da vacina contra HPV. A primeira aos 33 anos, antes da cirurgia de retirada do útero e das trompas, e as outras depois. Operei no dia 6 de agosto de 2020.

A cirurgia demorou em torno de 4 horas e meia, cheguei a ir para a sala de repouso, mas quando acordei da anestesia senti muita dor, lembrei de uma coisa que minha mãe sempre falou, nunca ignore uma dor. Estava muito fraca, chamei o enfermeiro e falei para ele me salvar porque parecia que eu estava morrendo.

Me levaram para fazer um ultrassom e viram que eu estava com uma hemorragia interna —já tinha perdido quase 1 litro de sangue. Voltei para o centro cirúrgico e fui operada por mais cinco horas. Os cirurgiões explicaram que esse tipo de intercorrência poderia acontecer, mas que cada caso é um caso. No final, deu tudo certo.

Graças a Deus não precisei fazer nenhum tratamento oncológico, nem quimioterapia, nem radioterapia. Faço acompanhamento por meio dos exames periodicamente —inicialmente era de 3 em 3 meses, depois de 6 em 6 e agora é uma vez por ano.

Nesse processo, uma coisa que descobri e que chamou minha atenção foi como outras mulheres próximas a mim, que já haviam apresentado alterações leves no colo de útero e fizeram procedimentos simples, nunca tinham me falado nada.

Nayane Roma, 35, atriz, descobriu câncer de colo de útero - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Quando aconteceu comigo, liguei e mandei mensagem no grupo de WhatsApp das minhas amigas para contar o meu caso e para perguntar como estava a saúde delas, se elas estavam com os exames em dia. Alertei o máximo de mulheres que pude porque não fui alertada. Acho importante as mulheres se unirem e passarem essas informações para frente, não guardarem para si.

Às vezes, estamos bem esteticamente, com o corpo bonito, mas não sabemos como estamos por dentro. O autocuidado e fazer o check-up periodicamente são fundamentais. Era assintomática, mas estava com câncer. Graças a intuição que Deus usou para falar comigo, o diagnóstico precoce e o tratamento no tempo certo, fui curada, estou viva e com saúde."

Saiba mais sobre o câncer de colo de útero

Trata-se de um tumor que cresce na entrada do útero, a parte que normalmente é vista no exame ginecológico quando introduzimos o espéculo vaginal, o conhecido "bico de pato". A doença é causada pelo HPV, que é um vírus adquirido sexualmente. No Brasil, calcula-se que uma mulher morre a cada 90 minutos por consequência desta neoplasia. A taxa de incidência é em torno de 15 casos para 100 mil mulheres ao ano, segundo dados do Inca (Instituto Nacional de Câncer).

Todas as mulheres estão em risco, pois o HPV é altamente prevalente na população sexualmente ativa. Cerca de 80% das mulheres são infectadas pelo HPV em algum momento de suas vidas sexuais.

Fatores ligados à sexualidade aumentam o risco, como início precoce da atividade sexual, múltiplos parceiros sexuais e outras infecções sexualmente transmissíveis. A maioria das infecções pelo HPV tem caráter transitório, em que o próprio sistema imunológico resolve a infecção. Menos de 1% das infecções pelo HPV progridem para lesões pré-cancerosas ou câncer.

Câncer de colo de útero - iStock - iStock
Imagem: iStock

O câncer é considerado um evento terminal e acidental da infecção pelo HPV. Para o HPV levar a uma evolução ruim, é necessário ter uma série de cofatores: tipos de HPV envolvidos, tempo de infecção que só é considerada de risco quando é persistente de longa data, imunidade e outras infecções associadas.

O papanicolau é um exame que identifica as células modificadas, alterações provocadas pelo HPV. Existem vários graus de alteração, a partir daí serão indicados exames complementares para diagnóstico final e definição do tratamento que a mulher será submetida.

O exame foi o primeiro método de rastreio inventado para a prevenção do câncer de colo uterino e, portanto, ajuda a detectar o câncer. Países que têm programas organizados de rastreamento pelo exame de papanicolau têm menores taxas de câncer de colo uterino.

O teste de DNA-HPV identifica o próprio vírus, capaz de diagnosticar se a mulher está infectada mesmo antes de apresentar qualquer alteração no papanicolau. Ele é considerado um exame muito mais sensível e superior no diagnóstico, pois acerta em 90%, algo que o papanicolau pode falhar em 40 a 50% no diagnóstico de pré-câncer ou câncer.

A prevenção primária é com a vacinação contra o HPV, a secundário é o diagnóstico precoce com exame de DNA-HPV ou mesmo o papanicolau, e a terciária é com o tratamento precoce de pré-cânceres e cânceres iniciais.

A vacina disponível no SUS (Sistema Único de Saúde) contra o HPV é a quadrivalente, que protege contra os HPV 6 e 11 (responsáveis por 90% dos condilomas ou verrugas genitais) e contra os HPV 16 e 18 (responsáveis por 70% dos cânceres de colo do útero).

No PNI (Programa Nacional de Imunização), a vacinação é para meninas de 9 a 14 anos e meninos de 11 a 14 anos; além de mulheres imunodeprimidas (HIV, transplantada de órgãos e medula, oncológicas) até 45 anos; e homens imunodeprimidos até 26 anos. Isso não significa que pessoas fora desta faixa etária não possam tomar a vacina, elas podem, mas em clínicas privadas.

Importante ressaltar que mulheres adultas também podem tomar a vacina. Em bula, no Brasil a vacina é aprovada para mulheres até 45 anos, e para homens até os 26 anos. Nos Estados Unidos, a vacina para homens também é aprovada até os 45 anos.

Fonte: Neila Maria de Góis Speck, ginecologista, doutora em ciências, professora adjunta do Departamento de Ginecologia da Escola Paulista de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), presidente da Comissão Nacional Especializada do Trato Genital Inferior da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), e diretora científica da ABPTGIC (Associação Brasileira de Patologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia).