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Rumo à São Silvestre: resista quando o corpo tentar fazer a preguiça vencer

Felipe Pereira, repórter do UOL, treinando para a São Silvestre - Arquivo pessoal
Felipe Pereira, repórter do UOL, treinando para a São Silvestre Imagem: Arquivo pessoal

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

03/12/2018 04h00

Eu fui parar na São Silvestre porque no fim do trabalho, em uma sexta à noite, disse a uma guria que trabalha comigo para corrermos a prova. Em vez de usar o final de semana para esquecer aquela proposta com tom de promessa de bêbado, ela me manda um print no domingo à noite com o comprovante da inscrição. Mais o recado: "Não vai me deixar na mão".

Quem me segue no Instagram já sabia dessa história. Mas como é mais fácil encontrar um eleitor do Eymael do que um seguidor meu, achei melhor contar aqui também. Contei ao Jorge Corrêa, nosso chefe e um entusiasta das corridas.

O chefe Jorgito reuniu seus corredores, no caso eu e Luiza Oliveira, e fez um explicação detalhada do mundo das corridas. Uma máquina de informações. 

Eu me senti uma criança que perguntou porque os adultos se beijam na boca e ouviu um tratado sobre educação sexual. A diferença é que um abismo separa os níveis de prazer das duas atividades. Das poucas coisas que consegui gravar foi o conselho para baixar um app - que nunca usei - e que eu iria descobrir coisas sobre meu corpo. Pior que aconteceu. 

Felipe Pereira, repórter do UOL, treinando para a São Silvestre: no início de 2018, ele subiu o Monte Kilimanjaro, na Àfrica - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
No início de 2018, subi o Monte Kilimanjaro, na Àfrica
Imagem: Arquivo pessoal

Assim que termino o treino, preciso ir ligeiro para o banheiro. A primeira vez que fiz 5 km, fui direto para o vestiário da academia caminhando a passos apressados, mas curtos. Me olhei no espelho e parecia marcha atlética. 

Sempre nos 5 minutos iniciais me sinto cansado. Mas é só meu corpo querendo fazer a preguiça vencer. Passa e o que acontece daí em diante é agradável. Eu entro no flow de toda música ser boa e ficar pensando coisas felizes. E olha que correr não é meu esporte favorito. Prefiro correr atrás de uma bola, de preferência pequena, amarela e com uma raquete na mão. Vocês não estão lendo um texto de entusiasta das corridas. 

Ainda assim, mesmo de férias, sego os treinos. Mandei ver 8 km e 10 km no resort em que fiquei no litoral de Santa Catarina com meus pais. Não era nada do agito que você imagina quando une as palavras Santa Catarina e praia. Estava em um lugar de águas termais e cheio de aposentados. Não tinha baile funk, mas baile da saudade. Tocavam boleros, jovem guarda e sertanejos antigos. Era divertido.

Felipe Pereira, repórter do UOL, treinando para a São Silvestre: cartaz do Baile da Saudade, recebido durante férias em um resort em Santa Catarina - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Cartaz do Baile da Saudade, recebido durante férias em um resort em Santa Catarina
Imagem: Arquivo pessoal

Treinei direito e me senti semi-profissional indo fazer alongamentos na piscina depois das corridas e musculação. Agora, posso dizer eu estou fazendo como os quenianos e etíopes e treinando nas alturas. Estou em Lages, cidade em que nasci na serra catarinense e a 916 metros de altitude.

Eu acho que vai dar tudo certo em 31 de dezembro. Mas também acho que estarei de extremo mau humor na hora da largada da São Silvestre. A corrida está marcada para 7 horas da madrugada. Para meu relógio biológico, não existe acordar cedo e estar alegre. São sentimentos incompatíveis. Depois que a corrida começar, acredito que vou me divertir. 

Eu gostei das provas que fiz quando morava em Floripa - mudei para São Paulo em 2014. Em Florianópolis, participei da Volta a Ilha - corrida em que uma equipe faz 150 km em revezamento. Cheguei a fazer trechos de 15 km, mesma distância da São Silvestre. Aquela época, meu maior desejo era cumprir o ritual do corredor.  Receber aquele copinho d?água dos voluntários, tomar um golão e jogar o restante na cabeça. A realidade foi diferente. 

Recebi o copinho depois de subir o Morro da Lagoa. Quem não conhece, imagine o morro mais íngreme de sua cidade e agora faça ele ter 2 km de extensão. Quando comecei o morro, minha passada era larga como a de um corredor de 100 metros rasos - pelo menos na minha imaginação. Quando terminei, era mais curta do que aquela da marcha atlética da academia, do começo do meu texto. Foi nesse momento que me entregaram o desejado copinho. 

Estava tão ofegante que dei só uma bicadinha e me afoguei. Tossi aquela tosse de sair lágrimas dos olhos. A primeira parte do ritual do corredor foi um fiasco. A segunda eu nem tive a chance de fazer errado. Chovia durante a prova e eu estava ensopado. Me sentiria bem ridículo jogando água em cima de mim. Entreguei o copinho com uns 30 ml a menos a um voluntário e corri o restante da prova blasfemando. Por que eu me meti naquela porcaria?

Depois de um tempo, fui vítima de uma amnesia e lá estava na Volta a Ilha do ano seguinte. Desde que mudei para São Paulo, não corri mais. Isto não significa dizer que virei sedentário. Sempre fiz atividade física e até me meti a subir a maior montanha da África no começo do ano. Eu estava tão bem preparado que fui num ritmo acelerado e cheguei ao cume nevado do Kilimanjaro suando. 

O guia insistiu para fechar o casaco da espessura de um edredom por causa da gripe. Fiz contrariado e sem tirar as luvas que não têm dedos. Errei tanto os botões e ficou tão torto que nas fotos parece que fui o primeiro bêbado a chegar no topo da África. 

Agora, vou correr a São Silvestre porque trabalho no plantão da virada e para fazer algo diferente. Talvez ocorra um efeito colateral. Acordar cedo e correr 15 km pode me levar a dormir antes da meia-noite. Nem vou ligar. Trabalho no dia seguinte e teria de me comportar de qualquer maneira.

Rumo à São Silvestre: três jornalistas aceitam o desafio de correr no fim do ano

A Corrida de São Silvestre é uma das maiores tradições paulistanas para o dia 31 de dezembro. Para jornalistas que cobrem a editoria de esporte, quem vai encarar o plantão sempre bate cartão na Avenida Paulista para cobrir a prova. Neste ano aqui no UOL VivaBem teremos três representantes na prova, mas para correr.

Até lá, você vai conhece-los e acompanhar como estão se preparando para o desafio. Nesta semana, quem vai contou a história de como decidiu correr a São Silvestre é Felipe Pereira, repórter especial do UOL Esporte. O Jorge Corrêa (Voltar a correr é quase tão difícil quanto começar) foi o primeiro.