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Blog da Sophie Deram

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Obesidade infantil pode estar ligada à alimentação da mãe antes da gravidez

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

15/06/2022 04h00

Um estudo liderado por pesquisadores da Universidade de Southampton, no Reino Unido, mostra que a obesidade infantil pode estar ligada à qualidade da alimentação da mãe antes da gravidez.

Obesidade infantil cresce e é importante entender relação com alimentação materna

A obesidade infantil é crescente no mundo inteiro, contribuindo para problemas de saúde, como as doenças crônicas. Sabemos que é multicausal e que a alimentação é um fator contribuinte.

Estudos sugerem que quando a obesidade surge no início da vida, a tendência é persistir pela adolescência até a vida adulta.

Há alguns anos, existe um grande esforço para identificar os fatores que contribuem para reduzir as taxas de obesidade infantil.

O Report of the Commission on Ending Childhood Obesity (em tradução livre: Relatório da Comissão para Acabar com a Obesidade Infantil) da Organização Mundial da Saúde (OMS) conclui que a redução da obesidade infantil requer a identificação de períodos críticos ao longo da vida, nos quais as intervenções pode ser mais eficazes, e isso inclui o período pré-concepcional.

Estudos já relataram relações entre obesidade infantil e qualidade da alimentação materna no pré-natal, duração da amamentação e alto consumo de alimentos doces e processados. Também sabemos que a qualidade da alimentação no início da vida sofre diversas influências ambientais e dos familiares.

Levando isso em consideração, os pesquisadores da Universidade de Southampton utilizaram dados do UK Southampton Women's Survey (SWS), um estudo de longa duração que acompanha o estado de saúde das mães e seus filhos.

Eles classificaram a qualidade da alimentação das mães e filhos, desde o período pré-gestacional até as crianças completarem 8 e 9 anos, e identificaram fatores associados à alimentação materna e à obesidade infantil.

Avaliando alimentação materna e obesidade infantil

Foram analisados dados de 2.963 mães e seus filhos. As mulheres aderiram ao estudo quando ainda estavam pensando em ter bebê.

Os pesquisadores realizaram entrevistas sobre a alimentação da mãe antes da gravidez e quando estavam com 11 e 34 semanas de gestação.

Também investigaram sobre o que a criança comia aos seis meses, um ano, três anos, seis a sete anos e oito a nove anos de idade, usando questionários de frequência alimentar (QFA).

Essas informações foram utilizadas para dar a cada mãe e seu filho uma pontuação quanto à qualidade da alimentação, gerando cinco grupos de classificação: pobre, pobre-médio, médio, médio-melhor e melhor.

A descrição dessas categorizações é um pouco vaga, mas de acordo com o artigo, a alimentação foi melhor avaliada quanto maior a frequência de consumo de alimentos saudáveis recomendados por diretrizes governamentais e menor a frequência de consumo de alimentos associados ao desenvolvimento de doenças crônicas.

Já a obesidade infantil entre 8 e 9 anos foi avaliada usando o Índice de Massa Corporal (IMC) e a técnica de absorciometria de raios-x de dupla energia (DEXA), método utilizado para avaliar a composição corporal, como também a densidade óssea.

Alimentação saudável materna pode contribuir para prevenir obesidade infantil

Um total de 3.158 mães do estudo deram à luz a bebês, mas para o estudo foram analisados dados de 2.963 delas e seus filhos. Além disso, apenas 1.216 dos filhos foram acompanhados entre 8 e 9 anos.

Do total de mães participantes, 57% foram categorizadas como tendo um IMC normal, 2% estavam abaixo do peso e 41% tinham excesso de peso (sobrepeso ou obesidade).

Menos da metade, 44%, eram ou já tinham sido fumantes, das quais 15% fumaram na gravidez. Cerca de 48% já tinha tido mais de um bebê e a média de idade foi de 30,7 anos.

Dentre as 1.216 crianças que foram avaliadas pela técnica DEXA e IMC entre os 8 e 9 anos, 62% foram amamentados por mais de 1 mês.

Quanto à qualidade da alimentação, 142 mães (5%) tinham uma alimentação pobre; 667 (23%) pobre-média; 1.146 (39%) média; 818 (28%) média-melhor; e 163 (5%) melhor.

A análise revelou que mães mais jovens, menos escolarizadas, fumantes e com maior IMC pré-gestacional tendiam a ter uma alimentação mais pobre.

Entre os 8 e 9 anos, a quantidade de massa gorda e o IMC da criança estavam diretamente associados à qualidade da alimentação da mãe. Ou seja, as crianças apresentaram maior propensão a terem obesidade se a mãe tivesse uma alimentação de menor qualidade durante ou mesmo antes da gravidez.

Vistos coletivamente, esses resultados da pesquisa sugerem que as mães que têm uma alimentação de mais baixa qualidade provavelmente terão filhos com essa mesma características na vida adulta e com maior risco de desenvolver obesidade ao longo da vida.

Os autores consideram que tanto o período gestacional quanto pré-gestacional parecem críticos, mas ao mesmo tempo se configuram como momentos importantes para realizar intervenções com as mães no intuito de reduzir as chances de seus filhos desenvolverem obesidade infantil.

Por fim, eles também apontam pontos fortes da pesquisa, como ter sido construído com dados de um grande estudo, além de limitações, por exemplo, utilizar o QFA, metodologia que tem sido associada à vieses de memória.

Alimentação saudável é importante para todos

Como conclusão da pesquisa, os autores consideram que incentivar a alimentação saudável o mais cedo possível, na gravidez e mesmo antes da concepção, pode contribuir para reduzir o risco de obesidade infantil.

Ou seja, esses períodos podem ser importantes para promover mudanças positivas na alimentação materna.

Na verdade, sabemos que ter uma alimentação de qualidade é importante em qualquer ciclo de vida e além da mãe, o pai, naturalmente, também influencia a genética e os hábitos de seus filhos.

Se é possível para o casal planejar a gravidez, vale a pena também se organizar pelo menos três meses antes da concepção para buscar a adoção de hábitos alimentares saudáveis que podem perdurar pela vida toda.

Nesse caso, não estamos falando de sair cortando calorias, carboidratos, gorduras e aderir a dietas restritivas, que, já sabemos, não dão certo a longo prazo e podem ser muito prejudiciais à saúde, principalmente na gestação.

Em vez disso, as pessoas devem ser educadas a consumirem alimentos de melhor qualidade, ou seja, mais comida fresca e caseira, de forma variada e cultivando uma relação de paz com a comida e com o corpo, pois nutrição não é só nutriente.

Bon appétit!

Sophie Deram