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Blog da Sophie Deram

7 motivos para apoiar um novo olhar sobre a obesidade

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

25/11/2020 04h00

A taxa de obesidade está crescendo rápido e mundialmente. Na década de 1970, as prevalências se apresentavam em torno de 5% e atingia principalmente os países desenvolvidos.

A partir de 1980, esses números começaram a crescer e os países em desenvolvimento também foram afetados. No Brasil, por exemplo, o percentual da população que convive com a obesidade chegou a 26,8%, de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2019.

Ou seja, temos um problema de saúde pública que atinge o mundo todo e que vem crescendo ao longo do tempo, pois o tratamento atual da obesidade é um fracasso.

Diante disso, tive a ideia de realizar um manifesto para um novo olhar sobre a obesidade. O objetivo é discutir a doença como uma condição de saúde complexa e que necessita de um cuidado ampliado.

No dia 21 de novembro de 2020 essa ideia se concretizou. O evento que eu estava planejando há algum tempo finalmente aconteceu, em formato online e contando com a presença de especialistas renomados.

Foi um dia muito emocionante e gostaria de compartilhar aqui sete motivos para apoiar um novo olhar sobre a obesidade, com base nas discussões interessantíssimas trazidas pelos palestrantes e que expressam a necessidade de um tratamento para além de "fechar a boca e malhar", cuidando dos pacientes com respeito e sem estigma.

1. A obesidade não é apenas uma responsabilidade individual

Não acredito que as pessoas apresentam obesidade por uma responsabilidade pessoal e já falei isso aqui. O antropólogo francês Claude Fischler também concorda comigo.

Ele mostra que na pré-história, os caçadores-coletores estavam adaptados ao meio ambiente cheio de incertezas, com alta cooperação e no qual a comida era vista como um bem comum.

Atualmente, nós somos como caçadores-coletores, mas vivemos em um ambiente com uma grande oferta de alimentos e de inatividade física, o que alguns especialistas chamam de ambiente obesogênico. Além disso, existe uma trivialização da alimentação: ela está sempre presente, é barata e não tem significado.

Por isso, não podemos dizer que a obesidade é apenas uma responsabilidade individual, uma vez que é sensível ao ambiente social e cultural, variando entre as classes sociais e até mesmo entre os gêneros (as mulheres parecem ser mais afetadas).

2. 95% das pessoas que fazem dieta voltam a engordar

Comer bem ou ter uma alimentação saudável é uma peça fundamental do cuidado da obesidade. No entanto, é muito comum confundir comer melhor com comer menos e fazer dietas restritivas com o objetivo de perder peso.

Essa é a solução? Vemos que não. Na verdade, a restrição alimentar atrapalha mais do que ajuda. Contribui para o efeito sanfona e também para o desenvolvimento de transtornos alimentares como anorexia nervosa, bulimia nervosa e compulsão alimentar.

Isso acontece porque o cérebro odeia dietas! Ele percebe a privação como uma ameaça e se defende modificando a expressão gênica. Com isso, o apetite aumenta e o metabolismo reduz.

Isso explica porque as pessoas emagrecem no começo da dieta, mas depois engordam tudo de novo. É um ciclo vicioso do qual precisamos nos afastar.

Lembre-se: a perda de peso até pode beneficiar a pessoa que convive com a obesidade, mas o sucesso do tratamento deve ser avaliado pela saúde, e não pela perda de peso por si só. Inclusive, manter o peso, mesmo que em excesso, pode ser bem menos prejudicial que uma perda de peso rápida seguida do reganho de peso.

3. Pessoas com obesidade apresentam problemas de saúde física e mental

A obesidade é um dos principais motivos de preocupação da saúde pública, pois traz diversos riscos para a saúde física. Porém, o psiquiatra Táki Cordás nos lembra que a obesidade também afeta a saúde mental, pode contribuir para o desenvolvimento de transtornos alimentares e estar associada à depressão e ao transtorno bipolar.

Por esse motivo, o cuidado da pessoa com obesidade não deve ser tratado apenas por endocrinologistas, mas também por psiquiatras, psicólogos, nutricionistas, educadores físicos e diversos outros profissionais de saúde.

4. A obesidade é um distúrbio sistêmico

O tratamento da obesidade é complexo. Intervenções promissoras como a cirurgia bariátrica podem gerar reganho de peso e os remédios para emagrecer apresentam mais efeitos colaterais que benefícios.

Ainda que fundamentais, uma alimentação saudável e a prática de atividade física não são milagrosas, pois a obesidade é também um distúrbio químico.

Quando comemos de forma desequilibrada pode ocorrer uma desregulação no hipotálamo, devido a proteínas inflamatórias que passam a ser produzidas em excesso.

O hipotálamo é uma região do cérebro que regula o gasto energético e a fome, portanto, se está desregulado, tendemos a comer mais e a acumular energia em forma de gordura e interferir em praticamente todos os nossos sistemas.

Portanto, como nos mostra o pesquisador e nutricionista Dennys Cintra, podemos dizer que a obesidade é sistêmica. Mas não apenas por esse aspecto molecular, e sim porque, além disso, o cuidado da pessoa com condição exige a atuação de muitos profissionais, ações e políticas públicas, como aumentar os impostos de bebidas industrializadas, subsidiar a agricultura familiar, promover acesso e uma alimentação de qualidade para todos.

5. O ser humano se alimenta de alimentos e sentimentos

Muita gente chega ao meu consultório se perguntando por que come determinados alimentos que acha que não deveria comer. Na verdade, não conseguimos controlar a comida o tempo todo, pois alimentação é razão, mas também emoção. E quanto mais tentamos controlá-la, mais difícil é ter esse controle.

Comemos quando estamos felizes, quando queremos celebrar algo ou quando estamos tristes e percebemos na comida uma forma de conforto. Ou seja, também comemos guiados pelas nossas emoções. Mas, claro, quando isso acontece frequentemente, temos o comer emocional, que pode levar a distúrbios metabólicos e excesso de peso.

Não é só fisiologia, tem a complexidade do corpo e da mente. Por isso, o melhor é dar a si mesmo a permissão incondicional para comer. Pode parecer um paradoxo, mas ao invés de seguir recomendações impostas e proibições alimentares, que geram mais desejo por comida, permitir-se comer de tudo gera maior satisfação com a comida e sem exageros.

6. A microbiota intestinal também pode participar no desenvolvimento da obesidade

Nos últimos tempos, muito tem se falado sobre a microbiota intestinal, e os estudos mostram que ela interfere na obesidade.

Como diz a nutricionista e pesquisadora Maria Carolina Santos Mendes, você não está sozinho nesta jornada. A microbiota intestinal está conosco desempenhando diversas funções e influenciando na nossa capacidade de extrair energia dos alimentos.

Os micro-organismos que a compõem trabalham 24 horas por dia em troca de habitat e de uma alimentação adequada. No entanto, a poluição, aditivos alimentares, antibióticos, o abandono da alimentação tradicional e o consumo de alimentos ultraprocessados estão associados a uma menor diversidade da microbiota intestinal dos humanos, contribuindo para o desenvolvimento da obesidade.

Por isso, Maria Carolina propõe um abecedário para termos uma microbiota saudável:

  • Amamente: o aleitamento materno exclusivo por seis meses e continuado até os dois anos de idade ou mais contribui para o desenvolvimento de micro-organismos benéficos da nossa microbiota;
  • Brinque: o contato com a natureza é fundamental para a microbiota de crianças ou adultos;
  • Cozinhe: assim é possível consumir mais comida caseira e alimentos in natura que contribuem para o desenvolvimento da microbiota;
  • Diversidade: tente comer alimentos de todos os grupos alimentares para fornecer todos os substratos necessários para a microbiota;
  • Equilíbrio: consuma alimentos dos mais diferentes grupos alimentares de forma equilibrada, evitando excessos e carências.

7. A autonomia deve ser um objetivo do tratamento da obesidade

É comum buscarmos alguém para dizer o que, quanto e quando comer. Mas, na verdade, devemos buscar a autonomia. Para conquistá-la, a médica Paula Teixeira sugere o comer consciente, ou seja, estar presente no momento de se alimentar e com consciência da fome, vontades e sentimentos.

Os estudos mostram que quem come no momento presente se mostra mais disposto a fazer escolhas consideradas mais saudáveis, pode apresentar maior poder de escolha frente a alimentos apelativos e menos episódios de compulsão alimentar e depressão.

Se você concorda com esses sete motivos para um novo olhar sobre a obesidade, convido você a assinar este abaixo-assinado que apoia um tratamento mais amplo, complexo, sem estigma e com respeito.

Bon appétit!

Sophie Deram