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Paola Machado

Você sabe aproveitar a totalidade dos alimentos? Respeita o que come?

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

24/06/2020 04h00

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Estamos vivendo dias devastadores por conta da pandemia de coronavírus que avança drasticamente pelo mundo, e certamente toda importância e assistência devem ser atribuídas a este cenário, mas não podemos nos esquecer de que outros problemas de muita gravidade continuam a acontecer no mundo todo.

Um assunto que merece destaque é o desperdício de alimentos e as suas consequências ao coletivo; os grandes índices de desperdício acontecem ao longo de todo o ciclo produtivo, sendo as principais causas de perdas nas propriedades rurais: a colheita no momento errado, as más condições climáticas, as práticas incorretas de colheita e de manejo e os desafios na comercialização de produtos, entre outros.

Para que possamos trazer isto para uma realidade mais perceptível, em outubro de 2019, somente no Brasil, foram desperdiçadas 23,6 milhões de toneladas de alimentos no ano, o equivalente a 40 quilos de lixo por pessoa ao ano. Será que este dado tão preocupante acontece apenas no momento do cultivo e da colheita, ou nós, em nossas casas, também podemos contribuir positivamente para a reversão destes dados?

Alguns preconceitos culturais relacionados ao tema são muito conhecidos e se popularizam na forma de ditos populares como "é melhor sobrar do que faltar"; não como comida "dormida/amanhecida", somente feita na hora.

Segundo o documento Intercâmbio Brasil - União Europeia sobre Desperdício de alimentos (2018): "Os fatores comportamentais, tais como valorização da fartura em diferentes etapas do itinerário de consumo, desde a compra até o preparo do alimento, explicam a diferença entre desperdiçar muita ou pouca comida. O gosto pela fartura à mesa é característico da cultura latina e aumenta a propensão de ocorrer desperdício porque, em uma parcela das famílias, as sobras são consideradas 'comida dormida' ou a importância dada a ter sempre comida 'fresquinha' contribui para o descarte das sobras".

A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), em parceria com a FGV, identificou que, em domicílio, anualmente as famílias brasileiras desperdiçam 129 quilos de alimentos, sendo que os alimentos mais desperdiçados são arroz (22%), carne bovina (20%), feijão (16%) e frango (15%); hortaliças (4%) e frutas (4%) são desperdiçados em menor quantidade relativa ao volume total, em parte porque tem menor aquisição.

Esta situação dicotômica de escassez e abundância associa-se a um cenário de má nutrição mundial, com impactos significativos na população vulnerável, e que pode ser traduzido pelo número total de 821,6 milhões de pessoas com fome em todo o mundo, ou ainda 1 em cada 9 pessoas.

Cerca de 20,5 milhões de bebês nasceram abaixo do peso no mesmo ano; 148,9 milhões de crianças com menos de 5 anos apresentaram reflexo desta desnutrição crônica por um atraso no crescimento, enquanto 40 milhões de crianças com menos de cinco anos foram consideradas acima do peso, o que também traduz uma condição de desnutrição ou privação de uma alimentação nutritiva.

Claramente estamos falando de um assunto complexo e que envolve atitudes em todas as esferas administrativas, mas aos termos posturas mais conscientes dentro de nossas casas, talvez possamos "ecoar" uma mentalidade de maior igualdade e respeito aos alimentos colocados em nossas mesas, tornando-os mais disponíveis para que sejam distribuídos aos nossos semelhantes, ao invés de serem descartados em lixos ou ainda durante todo o seu processo desde o plantio até o consumidor final.

Parte da mudança desta situação pode começar em nossas casas, com atitudes mais conscientes e sustentáveis. Observe as dicas abaixo e tente implementá-las em sua rotina:

  • Aproveite os alimentos em sua totalidade, sempre que possível: grande parte de seus compostos funcionais e nutricionais estão presentes nas cascas e aparas, por exemplo; utilize as partes não convencionais para fazer molhos, tortas, patês e outras preparações nutritivas e interessantes; algumas receitas podem ser conhecidas no volume Aproveitamento Integral dos Alimentos, da "MESA BRASIL SESC - Segurança Alimentar e Nutricional", que consiste em um conjunto de materiais educativos desenvolvidos com o objetivo de incentivar a qualidade e o aproveitamento integral dos alimentos;
  • Planeje a alimentação de sua casa, comprando apenas os alimentos que serão necessários no período de planejamento, sem excessos ou compras impulsivas. Esta atitude trará benefícios financeiros e relacionados ao seu melhor controle de peso corporal e de saúde em sua totalidade;
  • Opte pelo consumo de alimentos sazonais ou de época, já que são mais acessíveis do ponto de vista de compra e também financeiro (mais baratos), sem contar que um alimento sazonal preserva sua potencialidade nutritiva;
  • Sempre que possível, compre alimentos dos pequenos produtores para que possamos incentivar a cadeia produtiva e a valorização da economia sustentável e mais "eco consciente";
  • Olhe atentamente o lixo de sua casa e tente rastrear quais são os alimentos que estão sendo desperdiçados, possibilitando ajustes e muitas vezes adaptações no preparo ou substituição por outros alimentos de maior aceitação;
  • Coma exercitando o aqui e o agora, aproveitando os alimentos que estão em seu prato e que passaram por todo um processo de produção, escolha, preparo e oferta - valorize os sabores, as texturas e os aromas dos alimentos por você escolhidos, finalizando este ciclo consciente e mais generoso de consumo.

Logo, finalizo este texto com o seguinte questionamento: Você respeita o alimento que come? Pare, pense e se necessário, mude, pois sempre é tempo.

*Colaboração da nutricionista comportamental e clínica na clínica 12 semanas Dra. Samantha Rhein (Unifesp).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • https://nacoesunidas.org/
  • Intercâmbio Brasil - União Europeia sobre Desperdício de alimentos - dez/2018.
  • http://www.sesc.com.br/mesabrasil/cartilhas/cartilha7.pdf
  • http://www.WHO.int