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Nuno Cobra Jr

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Cuidado! Não siga o exemplo dos homens de sucesso

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Imagem: iStock

Colunista do VivaBem

07/10/2021 04h00

Provavelmente, você não compra aquilo que precisa, mas aquilo que o mercado diz que você precisa. Nesse processo, muitas vezes, tomamos decisões que são péssimas para nós, mas ótimas para o mercado.

Estamos indo na direção contrária daquilo que nos conduziria a uma vida plena e com sentido. Como vou desenvolver nesse artigo, com todo o cuidado, na base da roda perversa do consumo inconsciente se encontram dois fatores primordiais:

  1. Uma estrutura cultural que celebra valores como o dinheiro e o sucesso;
  2. Um sistema ostensivo de marketing direto ou subliminar que fixa em nosso inconsciente que só seremos felizes quando alcançarmos certos objetivos.

Os grandes guias espirituais e uma avalanche de mensagens inspiradoras compartilhadas nas redes sociais ficam tentando nos ensinar que a felicidade está em outro lugar, mas de nada adianta, a maioria de nós levará a vida inteira para aprender essa lição, normalmente da forma mais difícil.

O culto à riqueza e ao sucesso estão incrustados profundamente em nossa psique, se traduzindo em mensagens que teimam em nos perseguir por todos os lugares, nas TVs, outdoors, filmes, conversas ou redes sociais.

Uma boa imagem para explicar esse fenômeno é a história do flautista de Hamelin: o mercado de consumo está tocando uma flauta mágica nos conduzindo ao desastre, mas somos incapazes de resistir às mensagens subliminares dessa mágica sedutora e hipnotizante do neuromarketing.

Se você acha que essa é apenas mais uma matéria superficial sobre esse assunto, leia o texto até o final. No quebra cabeça extremamente resumido que desenvolvo aqui, já que se trata de um assunto complexo, se encontram as principais chaves mágicas para uma mudança de consciência fundamental.

É preciso romper o encantamento que nos mantêm presos à insatisfação, e, consequentemente, à roda do consumo inconsciente.

Se há algo a se buscar, essa busca passa pelo desejo de caminhar leve e simplificar a vida.
Vida hoje, não amanhã!

A sociedade criou um modelo de vida baseado na competição e no sacrifício. Segundo este modelo de vencedor, ser o melhor à custa de sofrimento, dedicação extrema e trabalho incansável é a única forma de atingir sucesso na vida.
Em busca disso, as pessoas sacrificam todo o resto: sua saúde, seu corpo, seu lazer, sua família, seus amigos, sua diversão, seu sono, sua alimentação, resumindo seu equilíbrio corporal, mental, emocional e espiritual.

ESTUDAR A FELICIDADE TORNOU-SE UMA FEBRE ENTRE OS PESQUISADORES NAS ÚLTIMAS DÉCADAS

O filosofo e economista, Eduardo Giannetti, resume bem essa questão em seu livro: "Felicidade". Segue um trecho abaixo:

""Décadas de forte crescimento econômico nos Estados Unidos, Europa e Japão, na segunda metade do século 20, não alteraram as proporções de indivíduos felizes ou infelizes na população dos respectivos países. O crescimento compra a felicidade em países extremamente pobres, mas a partir de certo ponto, ou seja, quando as necessidades biológicas primárias foram satisfeitas, ganhos adicionais de renda não se traduzem em sentimentos de satisfação ou felicidade.

Resolvida, portanto, a questão dos bens primários, começam a entrar em cena os chamados "bens posicionais" - a pletora infinita dos tênis de grife dessa vida, ou seja, os bens cujo valor reside no fato de que eles são socialmente escassos, visto que a grande maioria não dispõe de renda para adquiri-los.

O poeta latino Petrônio, retratando os ricaços da Roma antiga, põe na boca de um deles a seguinte frase: "Só me interessam as posses que despertam no populacho a inveja de mim por possuí-las. " O ardil repugna, mas tem sua lógica - o populacho é cúmplice. Se os pobres simplesmente rissem e escarnecessem da riqueza e ostentação dos ricos, o circo desabaria.

O ponto crítico, contudo, onde a roda da felicidade pega, é que, ao contrário da renda absoluta, a renda relativa jamais poderá melhorar para todos ao mesmo tempo. É como a primeira classe num avião: o número de assentos é fixo; se novos passageiros vierem a ocupá-los, os atuais terão que se acomodar mais atrás. Na competição por status, preeminência e prestígio - "por um lugar de honra na mente dos nossos semelhantes" - o sucesso de alguns é, por definição, o fracasso da maioria.

Existe um fenômeno chamado "a maldição dos ganhadores" - o custo de tantas fantasias e ilusões perdidas. Como diz um antigo proverbio: "Por vezes, quando os deuses querem nos punir, eles atendem as nossas preces. " Conseguir boa parte daquilo que desejamos pode nos deixar com menos do que tínhamos no início."

VOCÊ SÓ SERÁ FELIZ QUANDO ALGO MUDAR EM SUA VIDA? SERÁ QUE ESSA É UMA PRISÃO MENTAL?

Como desenvolvo em meu livro: O músculo da alma, a chave para a sabedoria corporal, o ser humano cultiva uma espécie de pensamentos mágicos, tais como: eu seria feliz se tivesse aquilo ou vou ser feliz apenas quando conquistar determinado objetivo.
O ser humano nunca está plenamente satisfeito com aquilo que ele já possui. As pessoas tendem a colocar a felicidade sempre onde elas não estão.

"Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa, que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim : mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.

Vicente de Carvalho, 1896

O fator principal que explica o porquê da riqueza não se traduzir em satisfação permanente chama-se "adaptação hedonista". O ser humano tem uma tendência a se adaptar rapidamente a qualquer situação, seja para o bem ou para o mal.

Já percebeu isso? Por exemplo, se você é muito rico e compra a mansão dos seus sonhos, essa sensação pode lhe trazer satisfação por certo período. Porém, rapidamente, você vai se acostumar com a mansão e o seu nível de satisfação volta ao patamar anterior. Ou seja, em pouco tempo, parecerá aos seus olhos que você teve uma mansão a vida inteira. Essa é a sensação.

Nesse ponto, talvez o autoengano o leve a reformar a mansão, na intenção de retomar o encanto anterior. Então, você inicia um processo de buscar novos bens ou desafios e assim por diante. Com todos eles, ocorrerá esse mesmo processo: prazer momentâneo e insatisfação permanente.

O consumismo nos ensina que para sermos felizes precisamos consumir tantos produtos e serviços quanto possível. Se sentimos que algo está faltando ou fora do lugar, provavelmente precisamos comprar um produto (um carro, roupas novas, comida orgânica) ou um serviço (personal training, terapia de casais, aulas de ioga). Toda propaganda é mais uma pequena lenda sobre como consumir algum produto ou serviço tornará a vida melhor." Yuval Noah Harari

O QUE DIZ O MAIOR ESTUDO JÁ REALIZADO SOBRE FELICIDADE? QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS FATORES QUE NOS FAZEM SENTIR MAIS PLENOS?

Podemos afirmar que as crenças alimentadas pelo consumo inconsciente nos desviam do caminho, uma vez que os principais fatores que impactam a nossa saúde ou felicidade são subestimados ou escondidos, já que não podem ser comercializados em escala.

Podemos definir consumo inconsciente como toda forma de consumo supérfluo ou posicional que se estabelece por via de mensagens de marketing diretas ou subliminares.

Para ter acesso aos fatores que de fato fazem diferença em seu bem-estar e felicidade, veja um TED incrível do pesquisador Robert Waldinger, naquele que é o mais longo e revelador estudo já feito sobre felicidade, durando mais de 75 anos.

Para dar um spoiler, cito abaixo um dos principais fatores: a filantropia.

Servir ao próximo é o ato mais egoísta que existe, já que, no fim, quem acaba recebendo mais é a gente mesmo. Ao se doar ao outro, a gente recebe uma chuva de hormônios altamente estimulantes em nossa corrente sanguínea.

Sangue bom é o sangue que enriquece o sangue alheio, seja de nutrientes ou seja de hormônios positivos!

O trabalho pode ser uma forma protocolar de oferecer algo ao mundo, ou ele pode ser uma forma apaixonada e empática de fazer a diferença na vida das pessoas.

Servir ao próximo é uma forma profunda e gratificante de dar sentido à nossa existência.

Para saber mais sobre essa dica de "suplementação espiritual", veja abaixo um post que fiz recentemente no Instagram (caso o post não carregue corretamente, você pode acessá-lo nesse link).

NÃO SIGA O EXEMPLO DOS HOMENS DE SUCESSO

Só eles sabem o preço que tiveram que pagar e tudo aquilo que abdicaram em prol desse sucesso.

Se inspirar na vida dos outros pode ser bacana, mas o que "faz mesmo a cabeça" é inventar o seu próprio caminho.

Algumas das pessoas mais angustiadas, tristes e infelizes que eu já conheci, ou eram muito ricas ou muito famosas. Obviamente, isso não é um pré-requisito para a infelicidade, outras pessoas apresentam os mesmos sintomas devido à falta de dinheiro, reconhecimento, ou por motivos diversos.

O problema está em achar que existe uma solução idealizada que irá resolver a nossa vida. Dessa forma, ficamos em busca de algo que nos falta, na esperança que a solução está lá fora.

No entanto, como nos ensina krishnamurti, mais conhecido como o mestre dos mestres, o mais influente e original pensador espiritual do nosso tempo, a solução dos nossos problemas não pode ser encontrada fora de nós, como ele resume nesse vídeo:

O máximo que iremos conseguir ao depositar as fichas nessa crença é trocar de problemas, uma vez que a fonte original dessa angústia não está sendo contemplada.

A vida não tem solução, logo a solução está em deixar de buscar uma solução milagrosa que irá transformar a vida em algo que ela não é. Aceite a vida como ela é, um pacote completo, feito de momentos difíceis, angústias e felicidades imensas.

Ao invés de procurar a solução, algo que sempre te faltará, o que serve e alimenta o mercado do consumo inconsciente, ocupe o seu tempo em estar inteiro e valorizar cada momento da sua existência.

A vida foi feita para ser vivida hoje, não para ser idealizada como a conquista de uma felicidade que nunca se concretiza.

Ao parar de procurar, você irá achar algo muito maior: a sua própria vida

COMO PODEMOS MUDAR O RUMO DO TREM?

Para finalizar, diante da ameaça palpável de extinção da nossa espécie, um efeito colateral do consumo inconsciente, teremos que fazer um "pequeno milagre": consertar um trem que avança em alta velocidade enquanto ele ainda está em movimento.

Detalhe: a maioria dos "maquinistas" que dirigem esse trem não está interessada em mudar o rumo, já que isso se traduz em ganhos bilionários aos acionistas e a eles próprios. Para atingir esse objetivo suicida, eles investem em pesquisas de contraciência e financiam partidos de extrema direita que se esforçam em te convencer que o aquecimento global é uma mentira, ao contrário do que dizem os maiores estudiosos sobre esse assunto. Veja um vídeo de um grande pesquisador falando sobre esse tema:

No vídeo original, que contém essa entrevista na íntegra, logo ao lado, ele explica que uma grande empresa investiu milhões de dólares contra as evidências cientificas mais aceitas e a favor do lobby do petróleo, e que a própria comunidade cientifica é responsável pela fragilidade de modelos recentes que buscavam explicar o aquecimento global. Isso ocorreu porque os conceitos mais profundos e modernos foram boicotados internamente nas últimas décadas

Agora, caso as novas gerações sigam o exemplo dos homens de sucesso, à moda antiga, da forma como isso se repete há milênios, o planeta irá nos regurgitar, sem piedade!

Ou seja, para sobreviver, ele terá que expulsar o vírus hospedeiro que ameaça a sua vida.

Como podemos perceber, essa estratégia já está em movimento.