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Nuno Cobra Jr

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Deixar o sedentarismo pode ser fácil

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Imagem: iStock

Colunista do VivaBem

23/09/2021 04h00

Cuidado! Os conceitos que eu vou desenvolver podem alterar a sua maneira de entender o treinamento físico.

De acordo com a mentalidade vigente, quando pensamos em sair do sedentarismo, associamos essa tarefa a algo que será penoso, doloroso e extremamente difícil, fisicamente e psicologicamente.

Se alimentar ou treinar de forma saudável não deveria ser um desafio radical, extremo e inatingível para a maioria das pessoas.

É como se você tivesse levado um tombo e ralado o joelho, e, agora, para resolver algo simples, os especialistas estivessem recomendando fazer uma cirurgia complexa.

Ou então, seria como começar a fazer aulas de tênis e o professor, em vez de iniciar o treinamento com algo mais acessível e pedagógico, já colocasse você para jogar contra alguém de nível avançado. Essas imagens ajudam a entender o que acontece com as principais modas de dieta ou treinamento atualmente.

O que proponho para sanar a ferida aberta da estagnação física mundial, chamada sedentarismo, já reconhecida como a mais grave questão de saúde pública do nosso tempo, é separar em etapas distintas o processo de retomar a sua essência fundamental e se tornar um ser fisicamente ativo.

O problema é que as pessoas colocaram tudo em um pacote só. Quando elas pensam em deixar de ser sedentárias, acrescentam, a essa tarefa, coisas como "ficar bonita" e musculosa, perder peso ou adquirir mais preparo físico, o que as direcionam ao mercado de consumo e aos ideais inatingíveis de perfeição física.

No entanto, esses objetivos poderiam vir depois, quando a meta de deixar o sedentarismo estivesse concluída. De qualquer forma, seria bom saber que o foco de uma parte dominante do mercado de treinamento não é a saúde, mas, sim, a estética corporal. Mais um motivo para separar as duas coisas.

E por que deixar o sedentarismo pode ser uma tarefa absolutamente fácil e ridícula?

Depois de várias décadas de estudo e segundo tudo aquilo que a ciência sabe hoje em dia, sair do sedentarismo não significa fazer atividade física de forma programada, mas apenas ficar mais ativo durante o dia.

A base fundamental da cura do sedentarismo está bem na nossa frente e ninguém consegue enxergar. Basta retomar a forma mais eficiente e natural de atividade física: caminhar

Veja só o tamanho real do desafio!

Uma pessoa dá em média 100 passos a cada minuto durante uma caminhada acelerada, em um ritmo confortável. Ou seja, deixar o sedentarismo equivale a duas caminhadas de apenas 20 minutos durante o dia, que podem se transformar em múltiplas atividades como uma ida a pé até a padaria, subir as escadas do prédio, descer do ônibus dois pontos antes e andar um pouco mais até o trabalho ou apenas fazer tarefas básicas dentro de casa, que forcem você a caminhar de lá para cá ao decorrer do dia.

Como você pode notar, o problema não está na tarefa em si, mas na mentalidade da maioria das pessoas, que deixam de priorizar e dar a devida atenção aquilo que seria a coisa mais importante para a nossa saúde física e mental —e que, consequentemente, afeta todos os setores da nossa vida, inclusive a lucidez, a vitalidade, a sexualidade, o humor e a produtividade.

E se você descobrisse um remédio que o fizesse dormir com uma qualidade absurda, regulasse o seu apetite de forma eficiente, colaborasse na perda e manutenção do peso corporal, desenvolvesse o seu sistema circulatório como nenhum outro remédio é capaz de fazer, fabricasse novos neurônios, fortalecesse o sistema imunológico, atuasse como o mais potente ansiolítico, controlasse a quantidade de açúcar no sangue, além de prevenir todas as principais doenças modernas do nosso tempo? Pois a caminhada pode fazer tudo isso.

Para saber a profundidade do impacto que a atividade física tem em nossa saúde, veja este artigo que escrevi: "As pessoas não sabem para que serve a atividade física".

Proposta indecente!

E se o professor, no início de um treinamento físico, fizesse a seguinte proposta a você:

- Hoje, iremos fazer 7200 contrações profundas e eficientes em todos os músculos da sua perna. Em seguida, iremos fazer 7200 contrações no glúteo e na musculatura lombar. E, para finalizar, repetiremos o mesmo número de contrações nos músculos abdominais, totalizando quase dois terços de todo o seu corpo.

Obviamente, antes de ele finalizar o anúncio, você já estaria longe dali.

No entanto, é isso o que você faz em uma caminhada de 6 km, já que, em média, damos 1200 passos a cada quilômetro, dependendo do comprimento da sua passada.

Faça a seguinte experiência durante uma caminhada acelerada:

Com as pontas dos dedos, a cada passo, tente pressionar com força os músculos envolvidos nessa atividade, como o glúteo, a lombar e os músculos da sua perna. Por mais força que faça, você não conseguirá avançar com os dedos com mais profundidade.

Talvez agora você tenha entendido por que interessa ao mercado afirmar que caminhar não vai te ajudar a perder peso.

E se você descobrisse que apenas caminhando e fazendo atividades de fortalecimento muscular rápidas e básicas, em casa, você pudesse resolver grande parte da sua saúde corporal? Para que você iria se locomover até a academia?

O público-alvo das academias já está bem mapeado: pessoas jovens, de até 30 anos, que estão em busca de ficar extremamente musculosas e socializar. O que fazemos com o resto que não se adequa a esse modelo extremo e radical?

Quando trazemos propósito e utilidade real aquilo que fazemos, treinar passa a fazer sentido.

Esse é o maior dilema do sedentarismo: como a nossa evolução nos moldou para economizar energia, temos dificuldade em aderir a coisas que não tenham um propósito mais profundo ou nos traga uma recompensa imediata. Para complicar, evitamos experiências que nos proporcione dor ou sofrimento.

Qual a solução? A atividade física tem que valer a pena por si mesma, tem que ser uma experiência gratificante, equilibrada e prazerosa, caso contrário, a maioria dos alunos não voltará no dia seguinte.

Quando as pernas param, as doenças se instalam!

Cheguei a esse slogan outro dia, durante uma longa caminhada.

As pernas são o motor do coração. Ao caminhar, você irá contrair de forma eficiente e harmônica grande parte dos seus músculos, inclusive o músculo cardíaco, desenvolvendo e ampliando todo o sistema circulatório. Explico melhor nesse vídeo:

O elo perdido do conhecimento cardiovascular estava em um antigo livro de medicina chinesa, afirmando, de forma categórica, a partir do estudo de algumas gerações e muita observação, que as principais doenças que acometem o ser humano começam nas pernas.

Há mais de 5 mil anos, já haviam intuído muitas coisas que hoje são amplamente comprovadas. Ainda permanecemos na "idade das trevas" porque não existe uma integração entre áreas complementares do conhecimento humano.

Embora provavelmente você não saiba disso, caminhar é a atividade física mais perfeita e eficiente que existe.

Caso pudéssemos reunir todas as áreas do conhecimento corporal, como a ortopedia, a fisioterapia, a educação física, a cardiologia, a motricidade e a fisiologia, entre tantas outras, e, reunindo os principais estudiosos de cada área, pudéssemos conduzir um longo estudo para descobrir qual a atividade física mais eficiente, democrática, acessível, natural e com o mais alto custo benefício que existe, eles não conseguiriam descobrir algo que supere o simples ato de caminhar, algo que estruturou toda a nossa biologia humana.

Quantos passos você já deu hoje?

O consenso científico diz que deveríamos dar entre 5 mil a 7 mil passos diariamente para escapar dos efeitos nocivos do sedentarismo.

No entanto, sabemos que essa prescrição não serve como uma regra geral a todos, o ideal é ter pelo menos um dia de repouso por semana, caso você repita a mesma atividade com frequência e ela seja de longa duração. Ficar ativo de 3 a 5 vezes na semana já é incrível diante da realidade do sedentarismo mundial.

Um passo de cada vez, comece com 3 caminhadas por semana e vá aumentando a duração, a periodicidade e a intensidade, de forma extremamente gradativa, esse é o segredo!

Quanto mais tempo sentado, mais necessário se faz aumentar a dose da caminhada como rotina.

Para entender a gravidade da desorientação que vivemos atualmente, os métodos mais comerciais e populares de treinamento afirmam que você deveria esquecer o treinamento cardiovascular em equilíbrio, de longa duração, caso queira perder peso por meio da atividade física.

Ou seja, quando mais precisamos de lucidez e orientação para combater o estado de calamidade pública do sedentarismo mundial, o pessoal está indo na direção contrária, complicando aquilo que é simples.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Em média, damos 1200 passos a cada quilômetro, não 120, como o texto informava anteriormente.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL