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Nuno Cobra Jr

O conceito de sucesso existencial

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Imagem: iStock

Colunista do VivaBem

26/11/2020 04h00

Naquela segunda-feira, eu acordei antes do horário usual, bem cedo, por volta das 5h da matina, tenso e angustiado, já pensando nos desafios do dia. Na verdade, algo em mim se inquietava com os desafios que eu vinha acumulando, em diversos setores da minha vida pessoal, familiar e profissional. Tem horas que bate um desespero, afinal, como vou dar conta de tudo? Como a vida pode ser tão complexa e, ao mesmo tempo, se equilibrar de forma tão tênue? No fim, tudo parece se ajeitar e, então, seguimos em frente, basta não pensar muito e confiar. Que milagre é esse?

Às vezes, uma aflição toma conta da minha mente, indo se alojar bem em meu diafragma, deixando essa região tensionada, bloqueada, como um leve sopro gelado que, devagar, se expande para outras regiões do meu corpo, travando o fluxo da respiração, endurecendo o trapézio e atravancando o fluxo do dia, chamamos isso de ansiedade.

Imagine se um passarinho acordasse tenso e preocupado, aflito, a partir de uma percepção racional da fragilidade da sua existência. Será que nesse dia ele iria encontrar comida? Será que ele seria capaz de sustentar sua família? E, então, a partir dessa "mochila pesada", colocada subitamente em suas costas, ele se veria atordoado e absorvido pelos seus pensamentos e preocupações, impedindo-o assim de voar com leveza e desenvoltura livremente.

No entanto, um passarinho acorda naturalmente, sem sobressalto, e, logo em seguida, se coloca ao dispor daquilo que lhe pede sua rotina de sobrevivência. Ao invés de ficar aprisionado em sua mente, paralisado ou preocupado, o que drenaria uma enorme energia, fonte essa que poderia estar sendo aplicada em outras tarefas, ele simplesmente segue em frente, confiante, intrépido e atento a tudo o que está a sua volta. Os truques da mente racional inexistem nesse ser voador. Diferente de nós, ele vive um dia de cada vez, totalmente presente, sem preocupações, tensões desnecessárias, comparações ou o que quer que seja.

Imagine se ele começasse a se comparar com os outros passarinhos e pensasse: "Caramba! Os outros passarinhos são mais espertos do que eu, levam mais comida para casa. Acho que eu não sou um bom passarinho. Não estou à altura daquilo que a sociedade dos passarinhos espera de mim". E, dessa forma, paralisado e angustiado, perdesse de repente o rumo e, consequentemente, o encanto de viver.

O ser humano sofre muito a partir dessas armadilhas mentais. No fundo, essa é a grande questão que devemos nos colocar: retomar o fluxo natural da vida, de forma a viver um dia de cada vez. Isso ajuda muito!

Então, a cada dia você está fazendo o melhor que pode, totalmente entregue ao processo, ao prazer da criação. No fim, ao se alinhar a esse fluxo, você se alinha à fonte primordial, à fonte da abundância, vivendo profundamente —e diariamente— o milagre da vida, em toda a sua plenitude.

A vida é pura abundância

Então, por que seguimos tão mesquinhos, apegados aos nossos medos, nos alinhando àquilo que é escasso e miserável?

Cada religião tenta explicar Deus de uma forma diferente, no fim, não é possível alcançar esse conceito por um caminho racional, por meio de palavras e, sim, apenas por meio de uma experiência direta, um vínculo construído pela prática, pelo sentimento, pela emoção. Deus, o amor, o poder de criação, só pode ser acessado pela via do coração. Detalhe: Deus é apenas um, embora seja traduzido e retratado de formas diversas, por cada religião.

Gosto de pensar Deus de uma forma um pouco diferente, como uma grande mãe. Ou seja, Deus é a própria natureza em si, o grande mistério, a fonte primordial, aquilo que dá vida a tudo.

Nas culturas mais primitivas, em vez da figura masculina, a criação do mundo é associada à figura da mãe. Faz sentido, tanto que, para acomodar essa realidade, no cristianismo, existe a figura da virgem Maria, a mãe de Deus.

Para os estudiosos da religião, a bíblia deveria ser lida e interpretada de forma simbólica e metafórica, não de forma literal, o que pode distorcer a sua mensagem.

Dessa maneira, ao estudar os conceitos teológicos, essa verdade profunda e escondida se revela: Deus não é outra coisa senão a própria natureza, aquilo que está em todo lugar, dentro e fora de nós.

Aqueles que sabem, não apenas que o eterno vive neles, mas que eles mesmos, e todas as coisas, são o eterno, habitam bosques de árvores que atendem aos desejos, bebem o licor da imortalidade, e ouvem, em todos os lugares, a música silenciosa da harmonia universal" Joseph Campbell

Quando você entrega e confia, tudo tende a dar certo, simplesmente porque assim você volta a se alinhar à fonte primordial.

Ao se alinhar ao fluxo natural da vida, sem pressa, sem expectativa e sem pré-ocupação, você retorna ao colo da grande mãe, a dadivosa, a generosa abundância da natureza, permitindo que os seus talentos fluam com naturalidade.

Como diz meu pai: "Não se preocupe, se ocupe! O universo conspira a seu favor, embora a sua mente insista em conspirar contra."

A mente é a nossa antena para o mundo

Ou seja, quando ela está muito inquieta e acelerada, perde a sintonia com o fluxo natural da vida e pode se sintonizar a rádios mais "darks", obscuras, punk-heavy metal, procriando a angústia e a ansiedade dentro do nosso ventre.

O que irá nascer dessa fertilização desintegrada, desequilibrada e fora de fluxo não será bom, roubando a naturalidade e a beleza dos nossos dias e dos nossos atos.

Retorne ao colo da grande mãe, aquela que abrange o abrangente, nutre o nutriente e dá vida a tudo o que vive! Volte para o fluxo da vida!

Dizem que só alguém muito ignorante pode ter certeza de alguma coisa, afinal quanto mais nos aprofundamos em um assunto, menos certezas temos.

No entanto, devemos respeitar imensamente as crenças e as certezas de cada um. Afinal, ter fé e estar assentado em crenças cumpre também uma nobre função, simplificando a apaziguando as incertezas da nossa existência. Ou seja, ao mesmo tempo em que a fé cega, trazendo obscurantismo e ignorância, ela também pode trazer conforto e orientação à vida. A pureza e a ignorância também são caminhos que levam ao divino encontro com Deus. Todos os caminhos são válidos e individuais, só não vale desrespeitar o próximo e impor de forma autoritária a sua verdade.

Tome cuidado com o vazio de uma vida ocupada demais

Outro dia, um amigo me enviou essa frase, de autoria desconhecida, e isso me fez pensar sobre o paradoxo do tempo. Pode reparar, quando fazemos as coisas com calma e devagar, o tempo passa de forma muita mais lenta, no entanto, ao acelerarmos a nossa mente, o tempo acelera junto.

Saúde física e mental está diretamente associada a uma atenção igualitária e equilibrada aos diversos setores da nossa existência, por exemplo, a família, os amigos, o autodesenvolvimento e o lazer.

Ter tempo para cuidar do seu corpo, a sua morada, sempre com muita consciência e carinho, se destaca como o elemento primordial desse novo conceito.

Se o vazio o angustia, se nada que não seja relacionado ao trabalho o empolga ou lhe dá prazer, isso é um sinal perigoso que o seu mundo interno está em processo acelerado de encolhimento.

Desacelerar o tempo da vida é o desafio mais urgente do nosso tempo, evitando que a alma se perca no vazio da falta de sentido.

Se você quer chegar mais longe, comece a ir mais devagar. Esse é o grande segredo do sucesso genuíno

Mas, afinal, de que sucesso estamos falando? Criei esse conceito para explicar a única forma de sucesso que realmente vale a pena: o sucesso existencial, aquele que é capaz de acolher diversas formas de sucesso, inclusive o profissional.

Viver a vida é uma arte sutil e delicada, a maioria dos grandes mestres nessa arte vive no mais profundo e sagrado anonimato.

A busca da fama é para os tolos, o aprofundamento da experiência de vida é para os sábios! Se a fama e o dinheiro vierem de forma natural, como um resultado do alinhamento ao seu propósito e talento, o desafio seguinte será não se perder no turbilhão do ego e da vaidade.