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Cristiane Segatto

Idosos conectados: a pandemia mostrou que a tela pode unir em vez de isolar

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

30/09/2020 04h00

O Brasil não tem preparo algum para cuidar do idoso. É ingrato e desrespeitoso. Envelhecer soa como uma contravenção - e não o destino de todos os que conseguirem sobreviver aos solavancos da vida.

Essa é a visão geral, mas há exceções. Na véspera do Dia Internacional do Idoso, escolhi destacar uma delas: o Programa de Atenção ao Idoso (PAI) do Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE), em São Paulo.

No ano passado, contei aqui como idosos acompanhados pelo programa (que resiste e se reinventa há 18 anos) estavam aprendendo a usar o Whatsapp e outras ferramentas digitais para evitar a completa exclusão digital.

O conhecimento veio em boa hora. Durante a pandemia de covid-19, os encontros presenciais foram suspensos, mas a agenda de atividades segue intensa. Nos últimos seis meses, 120 vídeos foram gravados e enviados aos participantes pelo aplicativo de mensagens.

Diariamente, o grupo recebe aulas virtuais de atividade física, inglês, pintura, coral, canto etc. A programação conta também com uma oficina de memória. Os exercícios são corrigidos e devolvidos aos participantes.

Como a capacidade funcional de cada um é conhecida e avaliada periodicamente, os instrutores conseguem indicar exercícios físicos adequados, que possam ser realizados com objetos facilmente encontrados em casa (cabo de vassoura, garrafa PET com água, pacote de 1 kg etc).

Conexão total
Não falta oportunidade de conversa e de acompanhamento médico. "Conheço as patologias de cada um. Pessoalmente, fiz 500 telefonemas durante a pandemia. Sobretudo para os que moram sozinhos. Nosso programa foi para dentro da residência dos idosos. Eles estão em conexão total", diz a médica Gilka Barbosa Lima Nery.

Aos 82 anos e com cinco décadas de trabalho no hospital, Gilka é a entusiasmada coordenadora do PAI. A cada conversa, Gilka insiste na importância dos idosos não relaxarem nas medidas de prevenção à covid e se manterem em casa. Não é fácil passar tanto tempo entre quatro paredes, mas a equipe se esforça para que o grupo sinta que o isolamento é físico - e não social.

"Para minha surpresa, os nossos idosos estão muito bem", afirma Gilka. "Dos 190, cinco tiveram sintomas leves de covid. Ninguém adoeceu gravemente. Um teve um pouco de depressão, mas conseguimos controlar", diz.

Abraçar e se sentir abraçada

Uma das mais assíduas participantes das atividades do PAI é a aposentada Izola Lembo Felizardo, de 81 anos. "Antes da pandemia, gostava muito de sair de casa. O pessoal diz que tenho rodinhas nos pés. Agora converso com o meu filho, com a cachorra, com as plantas e, à distância, com a turma do PAI", afirma.

"A conversa com o pessoal do grupo é muito bacana porque vivemos o mesmo tempo. A gente volta ao nosso mundo, sem voltar ao passado", diz ela.

Antes de começar a ser acompanhada pelo programa, Izola sentia dores nas pernas, nos braços, no pescoço. Com a prática regular de atividade física, o desconforto foi reduzido em quase 100%, diz ela.

Durante a pandemia, a aposentada segue se exercitando com os vídeos enviados pelo instrutor. E com várias das outras atividades. "Para mim, tudo é festa. Aproveito os vídeos, mas estou com saudade dos nossos encontros. Gosto de abraçar e de me sentir abraçada".

Saudade da vida pré-pandemia

Se o grupo acompanhado no PAI tem conseguido lidar com as limitações impostas pela pandemia, essa não é a realidade da maioria dos idosos no país. "O isolamento intenso pode favorecer a ocorrência de um episódio de depressão até em pacientes que nunca precisaram fazer um tratamento psiquiátrico", diz a médica Heloisa Batistussi, psiquiatra do HSPE.

"Há casos em que a pessoa resolve ir ao supermercado escondida do filho, depois de passar três meses em casa, e tem uma crise de pânico", diz Heloisa. "Fica com medo de tocar em uma fruta ou em alguém na fila do caixa. O que era para ser libertador acaba virando uma ameaça e o idoso conclui que não pode mais sair de casa".

Heloisa ouve relatos de pacientes que sentem uma saudade intensa da vida pré-pandemia. "Eles dizem que um ano na vida deles conta muito. Sentem uma perda profunda nesse ano que se passou".

Um idoso deprimido costuma sentir desamparo, uma sensação de não pertencimento. Entende que se tornou um peso para a família. Doenças crônicas e problemas financeiros, comuns na velhice, complicam o quadro.

"Todos esses fatores estressores são mais comuns nessa faixa etária. Não é à toa que as taxas de suicídio têm aumentado em idosos", afirma Heloisa. Segundo dados de 2018 divulgados pelo Ministério da Saúde, a taxa de suicídio na população acima de 70 anos é de 8,9 casos por 100 mil habitantes. Na população geral, é de 5,5 casos por 100 mil.

"Na vida pós-pandemia, é importante que os idosos sejam inseridos na família e retomem o convívio social", diz Heloisa. Os que conseguiram manter vínculos e suportar o isolamento físico com a ajuda da tecnologia viram que a tela, em vez de afastar, é capaz de unir.

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