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Alexandre da Silva

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O que fragiliza as pessoas idosas em pleno século 21?

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

21/02/2022 04h00

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Dentre os assuntos da gerontologia que ainda necessitam de um consenso para uma definição mais assertiva, mas que mesmo ainda assim gera reflexões necessárias para se pensar o bem-estar de pessoas idosas, é o conceito de fragilidade.

No dicionário, fragilidade é a qualidade de algo que pode facilmente se quebrar ou romper. Pode ser também interpretado como uma fraqueza. Daí que boa parte da sociedade associa essas definições com estados gerais de quem tem 60 anos ou mais.

No passado, e isso não podemos esquecer, a expectativa de vida era bem menor se comparada e essa que temos hoje, bem como os conhecimentos sobre o funcionamento da máquina humana.

E era comum que nos livros de geriatria e gerontologia a fragilidade traduzisse condições físicas que representassem essas características, ou seja, uma qualidade óssea capaz de gerar um risco maior para fraturas, principalmente nas pessoas que tinham osteoporose, ou o risco para cair, ainda mais quando existiam fatores como baixa acuidade visual, problemas articulares e dores generalizadas.

Antigamente, chegar aos 70 anos era uma façanha alcançada por poucas pessoas. Hoje é cada vez mais frequente e a meta tem sido buscar os 80 ou 90 anos, e vivendo bem.

E, mais do que isso, muitas pessoas septuagenárias hoje estão fisicamente ótimas, com vitalidade para começar atividades nunca pensadas, como musculação, realização de trilhas pelas montanhas, maratona aquática e nessa linha iriam outros exemplos sobre o quanto esse termo fragilidade, nessa linha conceitual inicial, não se encaixa para quem envelhece nos dias atuais.

E o que vem ser fragilidade no envelhecer no século 21? Desde o século passado, muitos grupos de pesquisa espalhados pelo mundo vêm estudando essa condição de fragilidade na velhice. A partir de estudos que, na perspectiva mais biológica, vão buscando características que melhor resumam o que é fragilidade, foram encontradas algumas características que, quando parcial ou totalmente presentes em uma pessoa, apontariam para diagnósticos de pré-frágil ou de frágil.

Quando se pensa em saúde, é necessário considerar os fatores intrínsecos e extrínsecos que determinam formas específicas para adoecer ou manter-se saudável. Nessa perspectiva ampliada, a fragilidade pode também ocorrer a partir de outros fatores e situações não relacionadas diretamente a funções fisiológicas do ser humano.

Uma das definições mais conhecidas no Brasil e em diversos outros países é a defendida pelo grupo da professora Linda Fried que, em 2001, considerou fragilidade como a redução da reserva e da resistência a fatores estressores do organismo e que levam a diminuição da capacidade de retorno à homeostase, ou seja, do quanto um organismo perde suas habilidades e capacidades para manter todas as funções fisiológicas em equilíbrio e, com isso, garantindo possibilidades de realização de todas as atividades do nosso cotidiano.

E, para esse grupo de pesquisadoras e pesquisadores, a fragilidade envolve o acometimento da força muscular, a desregulação neuroendócrina e as alterações imunológicas.

A presença de um quadro depressivo ou agravo do declínio cognitivo também podem ser condições reais que fragilizam pessoas idosas. O problema se agrava quando outros fatores, como estresse e doenças crônicas não controladas, estão presentes e aumentam a possibilidade da instalação dessa fragilidade, já que a autonomia para suas escolhas e necessidades ficam comprometidas.

Pode-se também deduzir que a fragilidade tem fatores sociais que a determinam, isto é, a partir de algumas condições sociais e econômicas a pessoa idosa pode ficar exposta a algum tipo de sofrimento ou carência.

Como exemplo, pode-se considerar a insuficiência familiar decorrente da saída dos filhos de casa para construírem suas próprias casas e continuarem a geração de novos membros familiares, ou aquela insuficiência decorrente da morte precoce de filhas por causas evitáveis, ou mudança dessas para outros centros urbanos onde há mais possibilidades de emprego e de estudo.

De uma forma ou de outra, pessoas idosas passam a ficar mais tempo sozinhas e, se houver necessidade de ajuda para as suas demandas diárias, ficarão sem esse apoio mais próximo, reduzindo a qualidade da sua vida social, podendo até colocar em risco suas vidas.

O óbito, principalmente de quem conviveu com uma pessoa idosa por muitos anos, é um outro problema. São inúmeras as pessoas que, ao perder a companheira ou companheiro, ficaram sem um motivo real para continuar vivendo.

Diversos estudos apontam que a morte de um cônjuge aumenta o risco de óbito de quem ficou, principalmente nos primeiros seis meses de viuvez. E não é sempre que uma família ou grupos de amigos conseguem se organizar para gerar uma rede de apoio mais próxima se comparada àquela existente antes do primeiro óbito.

Se a insuficiência familiar faz mal e pode fragilizar uma pessoa idosa, a presença de maus tratos quando há algum tipo de convivência com familiares é também outro fator capaz de fragilizar a pessoa mais velha. E as formas de violência podem ser inúmeras, desde a patrimonial, quando familiares se apropriam de bens da pessoa idosa sem qualquer consentimento, bem como a violência sexual, que também é outra atitude não consentida.

Outras formas de violência são a física e a psicológica que, muitas vezes, chegam a doer mais que a física.

Outro fator que também pode doer é a fome ou a desnutrição que na pessoa idosa diminui sua energia para realizar as atividades diárias, afeta a massa muscular e gera outros desequilíbrios para o organismo. Se familiares e amigos não percebem ou fingem não enxergar, estamos diante de um abandono ou de um crime.

A dignidade perde seu lugar de respeito na vida de muitas pessoas idosas que, na ameaça da fome, chegam a se submeterem a humilhações ou condições de moradia desumanas.

Culturalmente, pessoas idosas ficam isoladas ou sem acesso a práticas culturais que as fragilizam por não garantirem sua reconexão com o seu mundo, com suas origens. É o prato típico da sua terra natal que ninguém mais faz ou vai em busca, o rádio de pilha quebrado que não foi substituído por outro aparelho e agora a música que se ouve não a afeta mais, não traz lembranças ou vontade de cantar em voz alta.

É a festa típica que não participam há tantos anos, já que a família prefere sempre fazer o mesmo itinerário turístico. E a contação de histórias, de "causos" que ocorria quando parte da família se reunia na porta da sala que dava para rua, ou no quintal, embaixo da árvore, e que agora que já virou fato do passado.

A sociedade, com seus hábitos e espaços nem sempre acolhedores para pessoas idosas, também acrescenta possibilidades para a fragilização. Os fatores são diversos: desde o descumprimento das leis que garantem direitos conquistados há décadas para o bom envelhecimento, até a pouca oferta e capilaridade de serviços de saúde que permitem mais longevidade com qualidade de vida e a segurança.

O Brasil cria um teto de vidro para proteger pessoas idosas quanto ao risco de fragilização financeira. Uma aposentadoria já na fase final de vida de muitas pessoas é insuficiente e gera desonra a quem se dedicou a construir essa nação, modelos de atenção à saúde focados nos hospitais é uma janela de oportunidades para que doenças crônicas evoluam em condições nas quais poderiam estar muito bem controladas, a aprendizagem com significado deixa de ser pensada e praticada e, com isso, a exclusão social de pessoas idosas aumenta gradativamente, já que as tecnologias de hoje demandam um preparo para que sejam plenamente usadas.

O idadismo (ou etarismo), que é a discriminação em razão da pouca ou da muita idade, aumenta a partir de construções sociais que reforçam a pessoa idosa como frágil, do ponto de vista conceitual usado lá no começo do texto e da história do envelhecimento populacional.

É necessário avançar para a redução das possibilidades de fragilização das pessoas velhas, já que muitos dos fatores são reversíveis e o nosso futuro será grisalho, inevitavelmente.