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Alexandre da Silva

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

The Voice+: todo mundo ganha quando diminui a discriminação contra o idoso

Claudya no "The Voice+" - Reprodução/Globo
Claudya no "The Voice+" Imagem: Reprodução/Globo

Colunista do UOL

15/02/2021 04h00

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"Cantar é uma saída" (senhor Félix, 64, cantor, em apresentação no The Voice+ que foi ao ar no dia 07/02/2021).

Cantar talvez seja um dos hábitos mais prazerosos, democráticos e universais que temos à nossa disposição. Canta a mãe ou pai para uma criança, canta a criança (e isso é tão mágico e uma das maiores maravilhas do mundo), canta a turma da adolescência (talvez menos do que seria esperado), cantam os adultos (alguns já envergonhados) e cantam as pessoas idosas (mas poucos têm os ouvidos e o tempo para ouvi-las), infelizmente.

Os meus almoços aos domingos ganharam um tempero a mais, têm uma sonoridade diferente e experiente. São senhores e senhoras tão elegantes, com sorrisos tão sinceros e posturas como de quem vai a uma festa ou a um baile, de quem já sabe que é rainha ou rei, vencedor e vencedora.

As marcas do tempo nos seus rostos, nas suas mãos, nos sorrisos ou na forma de andar não conseguem se sobrepor aos sonhos que cada pessoa idosa extravasa com o microfone em mãos. Elas nos encantam, nos emocionam, nos fazem chorar ou nos lembrar de cenas de quando éramos mais novos, ou de quando convivíamos com alguém mais velho da família ou do bairro onde já residimos.

Falo do programa "The Voice+". Não vou entrar aqui na discussão dos aspectos mercadológicos, dos patrocinadores ou qualquer outro assunto relacionado. Hoje quero me permitir falar dos sonhos e do quanto suas vozes visitam minha alma e trazem um pouco de "colo de avó, de abraço de avô" para quem se permite sentir e se entregar a essas cantoras e esses cantores.

Ouvir que a mãe de cantores famosos estava realizando um sonho de pisar naquele palco, ou de outro candidato de que ali realiza o sonho do filho, da outra candidata de que a música resgatou um "eu" esquecido pelos anos, de outra idosa de que "a confiança agora chegou", ou de uma outra de que foi a filha quem a inscreveu, enfim, tantas histórias lindas que dá vontade de saber mais, de se encantar pelas pessoas, pelas suas trajetórias e, sim, pela voz que cada um e cada uma tem e que reflete os sonhos, todos lindos.

Também foi possível perceber que os sonhos são feridos pelo machismo. Muitas mulheres só passaram a viver mais a vida quando houve uma separação ou até a morte do cônjuge.

Claudio DaMatta, cantor, compositor e ex-atleta olímpico, durante audições às cegas no The Voice + - Reprodução/Globo - Reprodução/Globo
Claudio DaMatta, cantor, compositor e ex-atleta olímpico, durante audições às cegas no "The Voice+"
Imagem: Reprodução/Globo

Há outras pessoas idosas que foram envolvidas pela necessidade da sobrevivência, do trabalho necessário e só cantavam nas fugas da rotina ou em festas familiares. São marcas também das poucas oportunidades que vão ficando ainda mais escassas com o avançar dos anos de vida.

O etarismo, discriminação pela idade, opera dessa forma, diminuindo oportunidades e é possível que seja parte do contexto no qual idosas e idosos estão inseridos, causando dificuldades para que continuem com o desejo e a satisfação de cantar.

Juradas e jurados talvez ensinem algo, mas aprenderão muito. Tem sido um encontro intergeracional, que é um dos grandes desafios para as próximas décadas. Velhos e jovens compartilhando saberes, medos, incertezas, alegrias, tristezas, sonhos e desafetos.

No final, todo mundo ganha quando a gente diminui a discriminação contra a pessoa idosa e passamos a aprender, a ensinar, a incluir no cotidiano, na cena global (e aqui não há trocadilho), e não condenando pessoas idosas para os aposentos de desesperanças (aposento, aposentadoria? Deu para entender o problema que precisamos discutir melhor também?).

Assim como o "The Voice+" outras iniciativas no Brasil e no mundo buscam oportunizar não apenas novas formas de trabalho ou de retorno financeiro. É muito mais que isso: é um resgaste do papel social, do direito a sonhar, da vontade de acordar todo dia em busca de algo mais ou mais do melhor que já fez na vida.

Sonho? Nova tentativa? Liberdade? Para cada uma dessas possibilidades, percebe-se a vida ainda pulsante, com vontade de ir para rua. Com cabelos grisalhos, ou sem cabelos, com marcas na pele, marcas de vida vivida e que não para e não deixa que ninguém mais interrompa o curso da sua vida.

Ainda temos muito o que descobrir sobre quem envelhece e quem já envelheceu. Somos diversos, somos histórias, somos itinerários de sucessos e insucessos. Mas, além de tudo isso, somos seres dotados de expectativas, de propósitos, de criatividade, de talento e de longevidade.