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'Má alimentação fez minha filha de 6 anos ter colesterol nas alturas'

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Glau Gasparetto e Thaís Lopes Aidar

Colaboração para Universa, de São Paulo

08/09/2022 04h00

Marina*, de 6 anos, costumava estar dentro do peso indicado para a idade e tinha altura acima da média. Sua alimentação, porém, nunca foi das melhores. Pães, processados e congelados eram frequentes em seu cardápio, consumo acentuado quando a pandemia chegou. "Passando muito tempo em casa e com poucas atividades, pois eu tinha que trabalhar, as 'bobeiras', ainda que as mesmas de antes, começaram a ser consumidas com maior frequência. O resultado disso foram 15 quilos a mais", conta a mãe, Luiza*.

A garotinha parou de crescer acima da média, entrou numa estatura normal para a idade, só que a balança bateu os 38 quilos. Mais que a mudança física, os exames de rotina denunciaram a nova realidade: colesterol e açúcar nas alturas.

"Me desesperei. Fomos à nutricionista, que indicou várias mudanças, todas adotadas", diz a mãe. Com essas mudanças, os exames, o mais importante, normalizaram. "O peso continua igual mas agora que a pandemia relaxou e as rotinas voltaram e tenho estimulado a dança para equilibrar os danos da má alimentação, mas sei que isso ainda não é suficiente", diz a mãe.

Alerta mundial

Marina poderia ser apenas um caso isolado, mas revela uma condição cada vez mais frequente no mundo todo: a obesidade infantil. Conforme dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgados pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/PAHO), em 2022, 1 bilhão de pessoas no mundo são obesas e, desse total, 39 milhões correspondem às crianças.

Mas, afinal, o que é considerado obesidade infantil? Constatar que uma criança está obesa exige alguns cálculos. A condição não é avaliada da mesma maneira que ocorre com adultos. "A avaliação de peso na infância leva em consideração o IMC (Índice de Massa Corpórea) e os gráficos de peso, estatura e IMC para cada idade e sexo", explica a endocrinopediatra Myrna Campagnoli, diretora médica do laboratório Frischmann Aisengart.

Para os maiores de 18 anos, a conta do IMC (peso dividido pela altura ao quadrado) é suficiente para enquadrá-los em uma categoria que vai desde abaixo do peso até o maior grau da obesidade. Já entre os pequenos, o cálculo-base é o mesmo, mas o resultado deve ser colocado nos gráficos para chegar ao índice exato, considerando os demais fatores.

Peso X saúde

"Crianças que ganham muito peso, normalmente, crescem mais rápido, o que dificulta visualizar a obesidade, porque o quilos são diluídos pelo ganho da estatura", diz Myrna.

Assim, alguns sinais podem soar o alerta para um sobrepeso ou obesidade infantil, ainda que visualmente a criança não pareça se enquadrar nesses casos. São eles:

  • Ganho maior de 3 kg por ano;
  • Hábitos alimentares inadequados - e isso inclui até o consumo excessivo de alimentos nutricionalmente bons, como arroz, feijão, carne, verdura e legumes;
  • Mania de beliscar com frequência, ou seja, comer várias vezes por dia;
  • Ser seletiva, o que acaba direcionando as preferências para os carboidratos, principalmente;
  • O consumo de salgadinhos, doces e guloseimas ser acima da ideal, que deve ser baixa durante a primeira infância.

"Toda criança precisa de acompanhamento regular com o pediatra, porque ele é quem consegue sinalizar para os pais essa frequência de ganho de peso e já propor, desde o início, adequações nos hábitos de vida", diz Myrna.

O que leva à obesidade infantil?

Comer alimentos gordurosos pode ser a principal resposta para essa pergunta. Contudo, há outros fatores que não têm a ver com alimentação e são capazes de levar à obesidade infantil, como elenca a endocrinopediatra Myrna, a seguir:

  • Sedentarismo: é fato que as crianças estão brincando, se movimentando e fazendo menos atividades. Isso se deve às influências do meio, espaço limitado, falta de companhias e até agendas apertadas, levando os pais a terem menos tempo para as brincadeiras.
  • Doenças: em menos de 5% dos casos, a obesidade infantil está relacionada a doenças, como alterações hormonais, oncológicas e genéticas, sobretudo hereditárias. Ainda assim, o aumento do peso não é sinal isolado e existem outros sintomas para fechar o diagnóstico.
  • Predisposição genética: ter pais obesos (um ou ambos) pode ser responsável pela tendência, ou seja, filhos de obesos têm mais chances de igualmente serem obesos. Entretanto, é mais provável que isso esteja associado aos hábitos das famílias do que às sentenças genéticas.

A especialista lembra ainda sobre a questão da tireoide, comumente associada a ganhar peso. Apesar de ser importante investigá-la, é raro que essa alteração seja a causa da obesidade infantil. "As doenças da tireoide têm muito mais relação com os distúrbios do crescimento do que com o ganho de peso, propriamente dito", afirma Myrna.

Os perigos da obesidade infantil

Quando o diagnóstico de obesidade infantil é fechado, é importante saber que os perigos dessa condição não estão ligados à estética. Inclusive, alguns deles podem ser sentidos apenas na vida madura e continuar reverberando após isso.

Segundo a endocrinopediatra, assim como em adultos, esse quadro traz riscos de surgimentos de doenças e comorbidades, como o aumento do colesterol, alterações do açúcar no sangue, pressão alta e riscos de eventos cardiometabólicas, como AVC (acidente vascular cerebral) e infarto - quando não na infância, no início da vida adulta.

Myrna também fala do aumento da quantidade de células gordurosas na infância, algo que deixa de acontecer na vida adulta, quando só é possível ampliar o tamanho dessas células. Isso favorece uma predisposição no ganho de peso ao longo da vida.

Bebês também ficam obesos

Embora seja comum pensar que apenas crianças grandes sofram com a obesidade infantil devido à maior quantidade do que se come, os bebês também podem enfrentar a condição, ficando fora do peso recomendado.

"Avalie os produtos que estão sendo ofertados e, também, suas frequências. Excluir engrossantes, muitas vezes acrescidos às fórmulas lácteas, pode ser importante", afirma a Regina Stikan, nutricionista do Hospital Santa Catarina Paulista.

O que fazer no dia a dia

De acordo com Regina, o processo de melhora consiste em repensar os hábitos da família. Algumas estratégias se mostram bastante eficazes, mas focar na alimentação é um dos pontos mais importantes.

Como alimentar-se bem é um hábito, deve ser cultivado todos os dias. Isso inclui estabelecer horários regulares das refeições, sem "pular" nenhuma; oferecer alimentos saudáveis que não fazem parte do cardápio diário, para ampliar o repertório; excluir alimentos ultraprocessados e aumentar o consumo in natura.

Para ter sucesso nesse estilo de vida, Regina cita algumas práticas que podem ajudar as crianças:

  • Fazer compras saudáveis (frutas, legumes e verduras in natura) e não proporcionar "recompensas" alimentares;
  • Inserir as crianças em pequenas tarefas que possam despertar o interesse por alimentos saudáveis, como levá-las ao mercado e pedir que escolham os alimentos. Em casa, convidá-las para ajudar no preparo da salada de folhas ou de frutas, por exemplo, comentando os benefícios da alimentação para a saúde;
  • Evitar alimentos fritos, gordurosos e doces;
  • Dar preferência a alimentos ricos em fibras, pois reduzem o mau colesterol e aumentam a sensação e saciedade;
  • Adotar mudanças, sem esquecer que os adultos precisam espelhar o exemplo. Ou seja, se quer que os comam mais frutas, esse tipo de alimento precisa estar na alimentação dos pais.

Por fim, é importante incentivar atividades físicas, dando preferência àquelas prazerosas. Mais que qualquer relação com o peso, a prática traz benefícios para o sistema cardiorrespiratório, a psicomotricidade e a força muscular.

*O nome foi trocado e o sobrenome omitido a pedido da entrevistada