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Cearense produz top para homens trans disfarçarem busto; veja como funciona

Fernando Barros

Colaboração para Universa, de Salvador

25/08/2022 04h00

Foi a partir da experiência pessoal do cearense Apollo Franco, 28, que nasceu uma ideia de negócio para ajudar outras pessoas a se sentirem confortáveis e bem consigo. Homem trans, Apollo teve dificuldade, durante seu processo de transição em 2016, peças de compressão para disfarçar o volume do busto e deixá-los com uma aparência mais retilínea.

Chamados de binders, esses acessórios não eram comercializados nem na capital do estado em que vivia, Fortaleza, nem próximo dali. "Pesquisei na internet para ver se achava alguma loja que vendia no Nordeste, mas só tinha em São Paulo. Na época, o produto era caro para o meu orçamento, além do frete e do tempo de entrega", conta Apollo.

Depois de um tempo economizando para juntar dinheiro, ele fez o pedido e adquiriu o seu primeiro binder. Como é uma peça de uso regular, só uma não atenderia a sua necessidade. Procurou, então, o tecido e os acessórios do top e levou tudo a uma costureira, com o pedido de que fizesse mais peças iguais àquela.

Depois de um tempo, o próprio Apollo foi estudando e entendendo os tipos de materiais utilizados na produção e como adaptar para cada tamanho de busto de modo que ficasse confortável —para a compressão das mamas, por exemplo, os binders são feitos com elástico ou malha cirúrgica, a mesma que é utilizada nos coletes pós-operatórios).

Com esse conhecimento e percebendo que outros homens trans em Fortaleza também tinham dificuldade em encontrar a peça, ele decidiu apostar no empreendedorismo e produzir os binders para vender. Assim, nasceu, em 2017, a sua loja, que batizou de La Liberté —do francês, a liberdade.

"Hoje somos a maior loja de binders e compressores do país"

Além de poder ajudar outras pessoas a reduzirem a chamada disforia de gênero (inconformidade entre o seu sexo biológico e a forma como se reconhecem e se identificam), para Apollo, essa foi uma oportunidade diante do desemprego. Ele, que era professor de música em escolas, diz que estava tendo dificuldade em conseguir um trabalho depois que começou o processo de transição.

No início da loja, ele lembra que produzia cerca de 12 binders por mês, conforme a demanda, e vendia somente em Fortaleza. Depois, com as indicações dos próprios clientes e o boca a boca gerado dentro da comunidade de homens trans, a procura foi aumentando e passou a atender todo o estado e, posteriormente, a região Nordeste, devido a escassez da peça também nos estados vizinhos.

Hoje, segundo Apollo, a La Liberté é a maior loja especializada em binders e compressores do país. Ele justifica esse título pela quantidade e variedade de peças que comercializa, mas também pela sua preocupação com as particularidades de cada pessoa. "Antes, só havia no mercado binders com dois tamanhos de altura: 15 cm para quem tinha pouco a médio volume de busto e 23 cm para grande. Nós disponibilizamos mais de 7 modelos para atender diferentes tipos de corpo", explica.

Assim, segundo Apollo, há opções desde para quem deseja só diminuir um pouco o volume até para quem quer disfarçar completamente o busto. No início, o cearense fazia praticamente tudo sozinho, exceto a produção das peças; agora, trabalham diretamente com ele quatro pessoas, que se subdividem entre as diferentes áreas do negócio: atendimento, design, costura, marketing digital e logística. As vendas são realizadas exclusivamente online pelo site da loja.

Atualmente, Apollo chega a vender 450 peças por mês, entre binders faixa (os mais tradicionais, feitos com elástico), binders colete (produzidos a partir de malha cirúrgica), binders com alça, que é uma variação da faixa, binders regata, que se assemelham a uma camiseta, e tops compressores (uma criação exclusiva da La Liberté voltada para a prática esportiva).

Liberdade para ser quem é e autorreconhecimento

O empresário informa que o material utilizado nos tops possui uma compressão mais baixa para permitir que a pessoa se movimente durante os exercícios, sem incômodos ou dificuldade para respirar. "Eles disfarçam menos o volume do busto quando comparados a um binder, mas podem ser utilizados por mais tempo. Particularmente, são os meus queridinhos", pontua.

Natural de Campos Sales, no Ceará, e morando há dez anos na capital do estado, Apollo afirma que peças como o binder e o top compressor têm um significado especial para ele, assim como para outros homens trans. "Usar a peça, ir no espelho e poder se ver por fora como você se vê por dentro causa uma grande alegria. É uma forma de você se reconhecer como realmente é", avalia.

Apollo conta que planeja futuramente realizar uma mastectomia, cirurgia para retirada das mamas e reconstrução do tórax com aparência masculina. O procedimento pode ser realizado tanto pela rede de saúde pública, por meio do Processo Transexualizador do Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecido na Portaria n° 2.803, do Ministério da Saúde, quanto pela rede privada, através de planos de saúde ou consultas com cirurgiões particulares.

"Eu quero fazer a mastectomia, mas para mim ainda não é o momento. Pretendo fazer quando me sentir à vontade e não pela pressão que até mesmo outros homens trans impõem como se isso fosse o ápice da transição. Somos homens com ou sem mastectomia", defende Apollo.

A liberdade de ser quem é, independentemente do que as outras pessoas ditam, é o que levou o empresário a escolher o nome "La Liberté" para o seu negócio e oferecer uma variedade de produtos de compressão para diferentes tipos de corpo e objetivos. É também o que ele busca passar através das redes sociais da loja. "Quero ajudar a espalhar essa liberdade. Além da venda dos binders, buscamos compartilhar informações para ajudar as pessoas trans em seu dia a dia, durante o processo de transição, social ou hormonal", observa.

Uso inadequado de binder pode causar dores no tórax e comprometer a respiração

Considerado um recurso importante para a afirmação e o reconhecimento de homens trans, os binders podem, no entanto, comprometer a sua saúde, se usados de forma inadequada ou durante um longo período de tempo. É o que aponta estudo conduzido entre 2019 e 2020 por profissionais do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e publicado este ano no periódico científico Fisioterapia em Movimento.

O estudo acompanhou 60 homens trans, com mais de 18 anos, sendo que a maior parte da amostra (53,3%) utilizava binders em seu dia a dia. Entre os que usavam esse tipo de peça, foram observadas queixas de dores na região do tórax e dificuldades para respirar.

Um dos autores do estudo, o fisioterapeuta Washington Santos diz à Universa que ainda são necessários mais estudos para mostrar os efeitos a longo prazo do uso de binders, mas que os resultados encontrados apontam a necessidade de políticas públicas que garantam um maior acompanhamento da saúde das pessoas trans.

"É importante que sejam discutidos os direitos e a facilidade de acesso, por exemplo, ao procedimento cirúrgico da mastectomia, tão importante no processo de transexualização, assim como ao acompanhamento dos profissionais de saúde antes, durante e após o procedimento", avalia.

De acordo com o fisioterapeuta, o estudo também acende um alerta quanto aos cuidados a serem observados com as peças de compressão. O ideal é que o binder não seja usado por mais de 8 horas seguidas e que esteja no tamanho certo para a pessoa. "Não pode estar muito apertado, de forma a provocar uma grande compressão na região do tórax e mama, nem ser pequeno demais", afirma.

Uma maneira de garantir que a peça seja adequada ao corpo da pessoa e não cause desconfortos é levar em conta o tamanho do tórax e do busto. Para quem não sabe como obter as respectivas medidas, Apollo dá as orientações. "Para a primeira, você deve dar uma volta com a fita métrica abaixo do volume do busto; para a outra, deve passar a fita na altura do mamilo", ensina.