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Brasileiras do breaking miram nas Olimpíadas: 'Pra mudar visão do esporte'

Além de b-girl, Thaisinha Melo é jurada e comentarista do esporte na Globo e SportTV - Little Shao / Red Bull Content Pool
Além de b-girl, Thaisinha Melo é jurada e comentarista do esporte na Globo e SportTV Imagem: Little Shao / Red Bull Content Pool

Anita Efraim

Colaboração para Universa, de São Paulo

14/08/2022 04h00

Ao som de beats de hip hop aleatórios escolhidos por um DJ, oito homens e oito mulheres dançavam, batalhavam e participavam de uma competição de passinho durante o Red Bull BC One, a maior competição de breaking do país que aconteceu no dia 31 de julho em São Paulo.

A menos de dois anos para os Jogos de Paris 2024, atletas de breaking de todo o mundo se preparam para a estreia da modalidade como um esporte olímpico. Mas para o grande público, ainda é difícil encarar o breaking como esporte. "O breaking tem um segmento artístico e, sim, a arte é subjetiva, mas dentro do esporte tem também fundamentos, e aí entramos nas regras", explica Thaisinha Melo, b-girl (sigla para break girl e como são chamados os atletas da modalidade), jurada e comentarista do esporte na Globo e SportTV.

Thaisinha compara as notas do breaking com as da ginástica artística: há movimentos obrigatórios, mas são levados em consideração também atributos pessoais das atletas na hora de somar os pontos. A diferença é que, no breaking, o atleta não sabe qual música será tocada para que ele execute os movimentos.

"No breaking, você tem seu próprio estilo, mas na construção da sua dança, da sua arte, você tem que executar as regras básicas", diz. Entre os movimentos essenciais estão o top rock (movimentos em cima), foot works (passos no chão, usando apoios das mãos e dos pés), spin moves (movimentos de giro) e freezes (paradas, movimentos estáticos de pelo menos dois segundos).

Universa acompanhou a Red Bull BC One, a maior disputa de breaking do país. A competição aconteceu em etapas regionais e, nas seletivas, atletas foram escolhidos para estar entre os 16 melhores do país. Em todo o Brasil, foram mais de 500 inscrições de homens, enquanto cerca de 100 mulheres participaram do processo.

O evento ocorreu na antiga sede do Colégio São Luiz, na região da Consolação, na capital paulista. Hoje, o local é o Streetopia, um espaço cultural, com pegada urbana - uma casa com a cara do breaking.

Ao longo da tarde, onde um dia foram as aulas de educação física de uma escola tradicional de São Paulo, b-girls e b-boys se aqueciam e tiravam fotos, enquanto outros participavam de uma competição de passinho e batalhavam ao som dos beats escolhidos pelo DJ.

A quadra coberta da escola se transformou no palco da grande final. Ali, Júlia Maia, conhecida na cena como Maia, se sagrou campeã da modalidade feminina do torneio.

Paris 2024

De olho nas Olimpíadas, o Brasil criou a primeira seleção de breaking: o Conselho Nacional de Dança Desportiva selecionou para representarem o país oito homens e oito mulheres - ou melhor, oito b-boys e oito b-girls.

Praticante do esporte desde 2009, Jessika Kitéria de Andrade, a Pekena, é uma das atletas da seleção brasileira. Formada em dança e professora de segunda à quinta, Pekena acredita que a projeção dos Jogos Olímpicos para o breaking pode mudar a vida de atletas da modalidade.

Pekena - Little Shao / Red Bull Content Pool - Little Shao / Red Bull Content Pool
Jessika Kitéria de Andrade, a Pekena, é uma das atletas da seleção brasileira de breaking
Imagem: Little Shao / Red Bull Content Pool

Para ela, a modalidade tem um viés artístico, mas também um lado altamente competitivo. "Hoje, eu consigo entender o breaking como uma arte. Porém, é uma arte altamente competitiva, que precisa de conhecimento específico, de uma área específica de estudo, e também acredito nesse viés esportivo também, não deixando a arte de lado, mas caminhando junto com o que é ser atleta", fala.

A atleta conta que tem se preparado para conseguir uma vaga na próxima Olimpíada. Pekena vai passar um mês na Europa, a primeira grande experiência internacional para se preparar para Paris 2024.

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B-girl da seleção, Karolzinha foca nas Olímpiadas também como uma maneira de mudar a visão das pessoas sobre o esporte
Imagem: "Little Shao / Red Bull Content Pool

"Estou me dedicando bastante. Desde que decidi fazer parte desse universo olímpico, uma chavezinha virou na minha cabeça. O que eu tenho construído desde que me filiei para ser atleta, para entrar no processo olímpico, eu tenho me dedicado ao máximo", afirma.

B-girl da seleção, Karolzinha acredita que o processo olímpico pode ser um divisor de águas para a modalidade, e compara a situação do breaking com o crescimento do skate. "Toda a visibilidade que os Jogos Olímpicos têm pode mudar a visão das pessoas sobre a cultura hip hop, não só com o breaking em si, mas acredito que com a chegada do skate fez uma diferença muito grande sobre como as pessoas veem a arte de rua", diz.

"A gente passa por muito preconceito ainda, mas eu espero que depois dos Jogos, as mulheres passem a ter outra visão sobre o breaking e comecem, se possível, a praticar", diz Karolzinha.

Machismo, sempre ele

Mãe de Gael, de 3 anos, Karolzinha esteve entre as 16 finalistas da competição, mas não nega as dificuldades de conciliar a vida profissional e a maternidade. "É bem difícil, porque a gente precisa sempre estar arrumando um jeitinho de encaixar nosso filho no treino, em toda a rotina que a gente tem", relata. "Ao mesmo tempo, é bom porque ele é minha inspiração. Eu estou aqui e na seleção brasileira por ele."

Nascida no interior da Paraíba, Pekena admite que nunca imaginou que haveria sequer uma seleção de breaking. "Esse papel que estou assumindo na seleção brasileira é muito importante não só para mim, mas para muitas meninas que estão dançando breaking hoje, que são b-girls e me acompanham, eu sei que eu tenho essa importância."

A atleta lembra que o caminho até chegar na seleção brasileira foi árduo, e o machismo foi um dos grandes obstáculos. "Não é fácil ser mulher no Brasil nem no mundo, e na cultura hip hop isso não fica a parte. Tudo que é preconceito, que é vivenciado por mulheres na rua, também acontece na cultura hip hop", diz.

Pekena lembra de "ajudas" oferecidas por colegas para ensinar novos passos que, na verdade, eram cantadas, além de falta de respeito ao longo de batalhas de breaking. Ela destaca a importância da participação de um coletivo de mulheres do breaking na Paraíba, onde todas compartilham a vivência dentro da modalidade.

A atleta ressalta a relevância da igualdade no número de atletas dentro da seleção brasileira. "Isso é muito importante para que outras mulheres comecem a enxergar que essa não é uma modalidade masculina, que qualquer mulher pode praticar, que é totalmente possível."