Topo

Retratos

Instantâneos de realidade do Brasil e do mundo


'Filho sem plano de saúde': alta do combustível afeta as motoristas de app

Daniele Santos precisa trabalhar de 12 a 14 horas por dia para conseguir o que lucro que antes conseguia com 8 horas na ativa - arquivo pessoal
Daniele Santos precisa trabalhar de 12 a 14 horas por dia para conseguir o que lucro que antes conseguia com 8 horas na ativa Imagem: arquivo pessoal

Priscila Carvalho

Colaboração para Universa

03/09/2021 04h00

Ir a um posto e se chocar com o valor da gasolina é a realidade de muitos brasileiros. Em estados como Rio Grande do Sul, Acre e Rio de Janeiro já é possível encontrar o litro do combustível a mais de R$ 7 - o preço subiu 27% desde janeiro, segundo o índice de Preços Ticket Log (IPTL). Esse aumento tem causado um impacto negativo na vida de todos os brasileiros.

Para os motoristas, principalmente os de aplicativo, que dependem do carro como fonte de renda, o peso é grande. Universa conversou com cinco mulheres que trabalham com apps de transporte sobre as dificuldades que elas têm enfrentado. Daniele deixou de pagar o plano de saúde do filho, Joyce precisa completar a renda com outro trabalho e Carina está, inclusive, ajudando a fazer vaquinhas para alguns colegas. Leia a histórias dessas mulheres a seguir:

"Cortei o plano de saúde e o curso de inglês do meu filho"

Daniele Santos, 37 anos - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Daniele passou a trabalhar em média 14 horas para conseguir o dinheiro que antes conseguia em 8.
Imagem: arquivo pessoal

"Eu era motorista de ônibus quando comecei a trabalhar no aplicativo. Por conta da flexibilidade de horário, resolvi trocar. Mas hoje está bem difícil. Com o aumento da gasolina, eu perdi 50% do lucro. Em janeiro, eu pagava R$ 2,28 e agora está R$ 4,29.

Houve muitas mudanças em outros serviços, como aumento no valor do aluguel e dos gastos com compras no mercado.

Tive que abrir mãos das coisas. Eu precisei cortar o plano de saúde do meu filho, cortar a escola de inglês e ele permanece no colégio público mesmo.

Para conseguir trabalhar, fico metade no álcool, metade na gasolina e tem viagens que não estão compensando.
Antigamente, eu trabalhava uma média de oito a nove horas por dia. Hoje, para conseguir o mesmo dinheiro, essa quantidade passou a ser 12, 14 horas. Gastava uns R$ 70 para abastecer e hoje sai por R$ 140. Teve uma vez que eu perdi dois dias de trabalho por conta de combustível adulterado.

Estou esperando para ver se há melhoras e diminuição do valor. Se as coisas não melhorarem, vou ter que abdicar mesmo. Se não tiver jeito, volto a ser motorista de ônibus. Se você é mãe de família, não pode se dar ao luxo de escolher." Daniele Santos, 37 anos, de São Paulo (SP)

"Tive que optar por fazer dupla jornada"

Joyce Travassos, 56 anos, do Rio de Janeiro - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Além do serviço nos aplicativos, Joyce tem uma empresa e faz corridas particulares
Imagem: arquivo pessoal

"Trabalho há cinco anos como motorista de aplicativo. Tenho sentido os ganhos diminuírem, além disso, tudo ficou mais caro. Não uso gasolina, tenho GNV [gás natural veicular] no carro, mas o preço do gás também aumentou e agora os cilindros estão custando mais.

Quando comecei, em 2016, o metro cúbico do gás era R$ 1,39. Em maio deste ano, teve um aumento de 40% - de uma pancada só o valor praticamente dobrou. Se antes eu conseguia encher o cilindro do gás com R$ 40, hoje preciso de R$ 70 ou um pouco mais.

Antigamente, eu trabalhava de oito a dez horas por dia e conseguia bater minha meta diária, mas começou a ficar mais difícil e eu comecei a entrar no negativo.

Recentemente, teve uma mudança e agora nossos ganhos na Uber são fixos. O aplicativo calcula uma rota e mesmo se der algum problema ou tiver que andar mais, ele mostra aquele valor que eu vou ganhar e pronto. É por isso que muitos motoristas estão cancelando. Às vezes, faço as contas rapidinho e vejo se compensa ou não. E, dependendo para onde é, não aceito não.

Por causa desse aumento absurdo no combustível, tive que optar por fazer dupla jornada. Uma amiga me indicou para uma vaga e eu trabalho como motorista particular para uma empresa que presta serviços offshore. Também tenho passageiros que faço trabalho particular e uma pessoa que levo no mercado vez ou outra.

Hoje, não dá para depender só de aplicativo, infelizmente. Sempre estou pagando os aluguéis com atraso e tenho andado enrolada financeiramente.

Aumentou combustível, mercado, tudo. Não tem jeito. Todas essas mudanças me impactaram muito, já que mesmo que o aluguel de onde moro não seja caro, meu condomínio tem um preço alto. Moro com a minha mãe e quero dar um pouco mais de qualidade de vida para ela." Joyce Travassos, 56 anos, do Rio de Janeiro (RJ)

"É melhor ficar em casa do que pagar para trabalhar"

Carina Trindade, 42 anos, Porto Alegre, Rio Grande do Sul. - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Carina está fazendo campanha de cestas básicas para distribuir para os colegas.
Imagem: arquivo pessoal

"Eu trabalho há quatro anos e meio como motorista de aplicativo. No início, fazia de seis a oito horas por dia e tinha GNV. Na época, era em torno de R$ 2 o valor do metro cúbico. Hoje, ele está saindo por R$ 4,89. Também preciso colocar gasolina para o carro ligar e o valor do litro está saindo a R$ 6,49 em Porto Alegre, onde moro.

Para tirar o mesmo que tirava antigamente, preciso trabalhar de 12 a 14 horas todos os dias. É bem cansativo e tenho vários colegas parando de trabalhar, porque têm carro alugado, precisam pagar aluguel e outras contas.

Está tão complicado que estamos fazendo campanha de cestas básicas para distribuir para os colegas, já que é melhor ficar em casa do que pagar para trabalhar.

Eu só não parei ainda porque moro nos fundos da casa da minha mãe. Também acho que seria mais difícil encontrar um emprego formal na minha idade e me reinserir no mercado de trabalho. Mas sou mãe solo e tenho muitas despesas com a minha filha, que é pré-adolescente. Ela estuda em escola estadual, mas tenho muitos gastos, já que o pai dela não paga pensão e não posso contar com ele. Também não desisti ainda porque o veículo é meu e a prestação do carro é baixa. Mas se tivesse que pagar aluguel e carro, não teria como." Carina Trindade, 42 anos, Porto Alegre (RS).

"Tem dias que trabalho só para pagar o combustível"

Alexandra Ribeiro, 39 anos, faz corridas por aplicativo - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Alexandra diz que tem viagens que pagam o combustível.
Imagem: arquivo pessoal

"Trabalho há quase dois anos como motorista de aplicativo e, recentemente, comecei a fazer dupla jornada. Na primeira onda da pandemia, trabalhava 14 horas e tinha dia que só lucrava 27 reais. Mas agora estou tendo que trabalhar dobrado e arrumei um emprego fixo como promotora de uma marca de alimentos em atacadistas e mercados grandes. Nesse último, ganho menos, mas uso para complementar minha renda.

Como preciso terminar de pagar meu carro e aluguel, ainda estou nos apps. Desde que comecei, a saída era R$ 1,50 e o álcool estava R$ 2,98, hoje está R$ 4,40. As plataformas aumentam o desconto por corrida, mas o motorista continua ganhando a mesma coisa. Trabalho com dois apps de corridas, nenhum está compensando, já que eles descontam uma porcentagem bem grande da gente.

A manutenção é cara e se a pessoa não tem um emprego que a sustente, o aplicativo não compensa mais. Eu coloco gasolina a R$ 5,49 e hoje tenho que trabalhar bem mais. Tem viagem que vai só para o combustível.

Antes, dava para ganhar um valor bom, trabalhando apenas umas 12 ou 13 horas e o combustível era bem mais barato. Atualmente, contabilizando com o outro emprego, trabalho cerca de 17,18 horas por dia.

Muitos motoristas que eu conheço estão virando vigilantes ou trabalhando de forma particular. Não está dando mais." Alexandra Ribeiro, 39 anos, de São Paulo (SP)

"Meu lucro caiu pela metade"

Andreia Calegari, 41 anos, é motorista de aplicativo - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Andreia diz que tem ganhado de 30% a 50% menos dinheiro por conta do aumento da gasolina
Imagem: arquivo pessoal

"Eu era assistente administrativa e trabalhei por anos na área. Comecei a cursar técnico em enfermagem e precisava de um serviço alternativo. Foi aí que passei a fazer corridas por aplicativo.

Com o aumento do preço do combustível, a gente precisa olhar a corrida, já que algumas não compensam. Existem dias que, dependendo de quanto tempo você fica no trânsito, 50% do lucro vai para a gasolina.

Justamente por causa do aumento da gasolina preciso trabalhar bem mais. Eu sempre colocava uma meta de valor para fazer e percebi que houve uma queda em relação a isso: em torno de 30% a 50%.

Já pensei várias vezes em sair, mas por mais que o aplicativo seja ruim, como não tenho ensino superior, é difícil conseguir uma colocação que me pague o que ganho até então.

O fato de os meus filhos serem maiores e eu ter casa própria também facilita. Está cansativo, mas estou fazendo dar certo desse jeito". Andreia Calegari, 41 anos, de São Paulo (SP)