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Elas rebatem Sérgio Camargo e exaltam cabelo afro: 'Orgulho'

Joice Berth: "Amar tudo que nos caracteriza como pessoas negras" - Reprodução/Instagram @joiceberth
Joice Berth: "Amar tudo que nos caracteriza como pessoas negras" Imagem: Reprodução/Instagram @joiceberth

Luiza Souto e Nathália Geraldo

De Universa

31/08/2021 08h40

Presidente da Fundação Palmares, o jornalista Sérgio Camargo, homem negro, acha que "quem tem esses cabelos altos [black power] e de periferia são tudo malandro'". A frase racista, entre tantas outras preconceituosas, foi dita a funcionários do órgão que denunciaram ele por assédio moral, perseguição ideológica e discriminação ao MPT-DF (Ministério Público do Trabalho no Distrito Federal). O MP entrou com uma ação na Justiça Trabalhista e pediu o afastamento imediato de Sérgio da Fundação.

Os ataques do porta-voz a cabelos afros se estenderam ao Twitter. Na rede social, recentemente, ele ainda escreveu: "Se você é preto e tem orgulho do seu cabelo, além de ridículo, será sempre um fracassado a serviço do vitimismo".

"Pois que toda negritude seja ridícula", recomenda a escritora e arquiteta Joice Berth, ao parafrasear o poema "Cartas de Amor São Ridículas", de Fernando Pessoa. Para ela e outras mulheres negras ouvidas por Universa, os cabelos cacheados e crespos representam resistência e liberdade de um padrão estético que exalta apenas a beleza europeia.

"Prefiro continuar ridícula e feliz"

Joice Berth - Reprodução/Instagram @joiceberth - Reprodução/Instagram @joiceberth
Joice Berth é escritora e dá sua opinião sobre identidade negra e relação com os cabelos crespos
Imagem: Reprodução/Instagram @joiceberth

"Se para uma pessoa negra ter orgulho do cabelo é algo ridículo, então eu sou ridícula demais. E espero que toda a negritude seja ridícula. Mas é bom lembrar o quanto ser ridículo, em certos casos, é libertador, conforme ensinou Fernando Pessoa em seu poema 'Cartas de Amor São Ridículas'.

No poema, Pessoa sugere que tudo envolve amor é ridículo, incluindo escrever cartas. Então, amar o cabelo, sendo pessoa negra, precisa ser algo ridículo. Senão não é amor.

Assim como amar tudo que nos caracteriza como pessoas negras: nossa boca, nossos narizes, nossa cor. Ser ridículo, nesse caso, é alternativa a prisão mental de não se amar e não amar a diversidade que faz o mundo mais bonito. E isso é muito triste.

Essa coisa de não se aceitar, de viver em divergência com com suas características humanas ancestrais, que são tão belas, renegar o estado natural do mundo que é a multiplicidade de formas e representações físicas. É coisa de se ter piedade e não raiva ou revolta.

Pessoas que pensam assim são a mais pura expressão do sofrimento humano e do vazio existencial. Eu prefiro continuar ridícula e feliz." Joice Berth, escritora e arquiteta

"Ser fora do padrão europeu não nos torna inferiores"

kati - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Kati Monteiro é cabeleireira e faz parte do movimento Identidade Crespa, em Teresina (PI), para trocar informações sobre autoestima negra
Imagem: Arquivo pessoal

"Sustentar um cabelo crespo é motivo de orgulho e resistência em um país que vive os reflexos da escravidão do negro e em que se tentou anular nossos traços culturais, estéticos e religiosos. Temos uma beleza fora do padrão europeu, que nos foi imposto pela colonização. E isso não nos torna inferior em nenhum momento.

Por isso criamos, entre profissionais de salão de beleza, o movimento Identidade Crespa, para exaltar a mulher negra que tem uma coroa crespa na cabeça, já que, inclusive, alguns escravizados eram ascendentes da realeza africana. Ainda hoje, muitas clientes chegam dizendo que não sabem o que fazer com o cabelo natural, que ele 'não dá certo'.

É uma pena que, a pessoa que está à frente da fundação feita para nos defender, nos inferiorize. Lamento que ele reproduza um pensamento tão racista. Ele deve sofrer muito, porque acaba sendo uma forma de interiorizar o racismo e agredir os outros.

Por que tudo que se fala sobre cabelo crespo, cacheado, causa polêmica? A gente só quer ter liberdade de usar o cabelo que quisermos, que as crianças não tenham que seguir um padrão, como era na minha infância —quando ou se alisava os fios ou eles eram 'assanhados' ou 'cabelo duro'. Na profissão e dentro do movimento, falo disso porque escolhi falar. Mas, ser olhada diferente no dia a dia por causa do meu cabelo machuca bastante." Kati Monteiro, cabeleireira especialista em cabelos naturais e terapeuta capilar

"Nosso cabelo combina perfeitamente com nossos narizes, nossas bocas"

juliana rebelo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Juliana Rebelo, engenheira civil, fala sobre orgulho de ter cabelo crespo
Imagem: Arquivo pessoal

"Cresci com a ideia de que tinha que alisar o cabelo crespo ou usar coisas, como tiara e faixa, para prendê-lo. Na minha infância, a ideia era sempre domar ou diminuir o volume dos fios. Não tinha muitos produtos para embelezá-los. Por isso, minha relação com o cabelo natural era de desconhecimento até eu virar adulta.

Por muito tempo, ia ao salão para escovar os fios toda a semana. Quando sentava na cadeira, a cabeleireira dizia: 'Agora vamos ficar bonita?' Se não conseguisse marcar horário, não aceitava convites para sair. Até que, na minha formatura de engenharia civil, quis fazer um penteado que não fosse com ele alisado. Foi quando, depois de três meses sem uso de alisamento, cortei o cabelo.

Aí, veio outra questão: não achava produtos para meus fios. Então, passei a revender os de uma marca e montei minha própria loja na internet. Ainda ouço clientes dizerem que 'não aguentam mais o cabelo seco, que ele é alto, volumoso'. Mas cuidar deles agora me deixa mais segura, porque sinto que é uma identidade completa.

Minha mãe sempre diz que o cabelo é a moldura do rosto, e sei que o nosso, afro, combina perfeitamente com nossas bocas, nossos narizes. Porque não é só cabelo, é uma identidade que se constrói e você passar a ver sua própria beleza." Juliana Rebelo, engenheira civil e vendedora de produtos para cabelos cacheados e crespos