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Após fim do casamento, fisioterapeuta cria agência de viagem para solteiros

Renata Guedes, da agência de viagens Single Trips - Acervo pessoal
Renata Guedes, da agência de viagens Single Trips Imagem: Acervo pessoal

Marcelle Souza

Colaboração para Universa

12/10/2020 04h00

A fisioterapeuta Renata Guedes tinha uma carreira consolidada e uma vida estável, quando o fim de um casamento de 15 anos a fez repensar todos os seus planos. Entrou em sites de relacionamentos, comprou livros de autoajuda e até se inscreveu em uma agência de matrimônio. Sentia-se perdida, sem amigos e um pouco sozinha.

"Depois do término do relacionamento, eu não podia fazer o que eu mais gostava, que era viajar, por falta de companhia e baixa autoestima. Tentei agências tradicionais, mas não foi legal, não achava a minha tribo. Os passeios eram com famílias e casais, e acabava não tendo muita integração", conta.

Foi então que ela teve uma ideia: por que não juntar outras pessoas que, como ela, estavam sozinhas, mas queriam aproveitar a viagem para conhecer gente e se divertir em grupo? Fisioterapeuta há 20 anos, Renata decidiu se aventurar em uma nova área e criou a Single Trips, uma agência para viajantes independentes.

"Eu estava superbem na minha carreira, então, abrir o negócio não foi uma fuga. Eu senti que precisava mudar, era um chamado, uma missão ajudar outras pessoas, principalmente mulheres sozinhas, que queriam segurança e a possibilidade de fazer novas amizades", conta.

A ideia surgiu da própria experiência de Renata, que adorava montar os roteiros para a família e amigos. "Sempre gostei muito disso, não só da viagem em si, mas também da parte prévia", diz. No começo, ela mesma organizava tudo: hotel, passeios, era guia e fazia contato com os fornecedores. "Eu me baseava em tudo que eu achava que seria legal para mim, o que eu gostaria em uma viagem se estivesse sozinha".

A empresa foi fundada em 2015 e o primeiro pacote vendido pela Single Trips foi um passeio de quatro dias de ônibus para a Ilha do Mel, no Paraná. "Tudo foi feito com muito amor, a integração não demorou e as pessoas voltaram muito felizes. Foi quando eu percebi que a empresa tinha futuro", conta.

Ser cliente é uma coisa, empresária é outra

Apesar de seu repertório como viajante, o mercado de turismo era totalmente novo para Renata, que nos primeiros seis meses ainda se dividia entre a agência e os atendimentos como fisioterapeuta. Em pouco tempo, a demanda cresceu, ela decidiu largar os antigos pacientes e se dedicar 100% ao novo negócio. Contratou profissionais especializados, inscreveu-se em cursos, mentorias e formações específicas em vendas, gestão e marketing. O investimento inicial do negócio foi de R$ 120 mil.

No meio do caminho, ela conheceu o atual marido, que também tinha uma agência de viagens, e ajudou intermediando o contato entre o novo negócio e bons fornecedores.

A maioria das clientes da empresa hoje são mulheres solteiras, separadas ou viúvas. "A nossa missão é não deixar as pessoas sozinhas. Por isso sempre fazemos viagens no Natal, por exemplo, que costuma ser um momento delicado", diz. "Lembro de uma cliente que tinha ficado viúva seis meses antes, seus filhos moravam fora do país e decidiu viajar com a gente nessa data. Ao final, fez uma amiga e nos agradeceu porque não imaginava que poderia ser tão bom", lembra Renata.

Como nem tudo são flores, a empresária teve também que aprender a ter jogo de cintura com os clientes que se perdiam ou não respeitavam os horários de saída e retorno. "Por mais que todos tenham o mesmo perfil (estão sozinhos, independente do motivo), cada um tem uma personalidade. Eu já estava acostumada a lidar com pessoas como fisioterapeuta, mas tive que entender que algumas não sabem viajar em grupo".

O choque da quarentena

Em janeiro deste ano, a empresa estava em seu melhor momento, com previsão de 100% de crescimento em relação ao ano anterior, vendas em alta e faturamento médio de R$ 300 mil ao mês. A agência já tinha viagens fechadas até outubro, quando começaram as notícias do vírus na China.

Os primeiros efeitos negativos vieram em fevereiro, quando a Covid-19 chegou a países como Japão e Itália, que estava nos planos da companhia.

Em março, foi decretada a pandemia pela OMS (Organização Mundial da Saúde), que causou uma onda de cancelamentos de viagens. "No começo, as pessoas ficaram sem entender, sem paciência, porque trabalhar com viagem é lidar com sonhos, e era muito frustrante", conta. Em quase seis meses, Renata teve que cancelar cerca de 30 viagens, o que afetou mais de 300 pessoas.

Com os passeios suspensos, retorno incerto e clientes sozinhos em casa, a empresária foi atrás de alternativas para manter o negócio de pé. Alimentava as redes sociais com lives sobre viagens e vídeos de experiências passadas. Os clientes podiam optar por receber o dinheiro investido de volta ou uma carta de crédito, para usar em outro pacote, quando as fronteiras estivessem novamente abertas.

"No começo, fiquei muito preocupada, mas logo senti uma adrenalina, pois era hora de mostrar que estamos juntos, que isso tudo vai passar e que nossos clientes podem contar com a gente. Comecei a estudar novamente e vi que era hora de fortalecer a marca", diz.

Para isso, ela lançou duas campanhas: a primeira para apoiar os guias, que ficaram sem trabalho no período, e a segunda para incentivar os clientes a planejar viagens futuras. "Os nossos guias são frilas, então lançamos uma ação chamada 'Anjos da Sigle', em que vendíamos cartas de crédito e uma porcentagem era revertida para eles". A outra, chamada 'Priorize-se', um programa com 12 mensalidades, e, ao final, o cliente pode decidir para onde viajar, de acordo com o montante acumulado. "As pessoas não têm a cultura de poupar, por isso muitas não conseguem viajar. Então decidimos incentivá-las", diz.

As viagens foram retomadas há cerca de um mês, priorizando destinos nacionais e de curta duração. "As pessoas estão esgotadas, cansadas de ficarem presas dentro de casa. Mas é um processo, porque ainda precisam voltar a ter confiança em viajar, pegar um avião, sair de casa".

E, mesmo na crise, ela diz que nunca pensou em fechar a empresa. "Desde que comecei a me dedicar 100% à Single Trips, não existe plano B, não dá para voltar a atuar como fisioterapeuta. Eu já não me vejo fazendo outra coisa", conta.