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"Quero mais mulheres trabalhando com lobby", diz nova líder do setor

Carolina Venuto, que assumiu a presidência da associação de lobistas no país - Arquivo Pessoal
Carolina Venuto, que assumiu a presidência da associação de lobistas no país Imagem: Arquivo Pessoal

Cláudia de Castro Lima

Colaboração para Universa

17/09/2020 04h00

Ex-atleta profissional e formada em direito, a mineira Carolina Venuto não se abala quando alguém pede que explique o que exatamente ela faz. Carolina está acostumada com a falta de informação acerca de sua profissão - pior do que isso, ela considera, é a confusão que fazem com seu ofício. Carolina Venuto é uma lobista. Mais: é a presidente da associação do setor, primeira mulher a ocupar o cargo.

Ela, no entanto, prefere o termo "profissional de relações institucionais e governamentais"; daí vem a sigla Abrig (Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais), que Carolina preside. "Ou, como carinhosamente resumimos, o profissional de RIG", ela diz. "O termo 'lobby' foi demonizado, mas não é só esse o problema. Acontece que hoje nossa atividade não se resume mais ao lobby. O lobista é o mensageiro. O profissional de RIG ajuda a construir a mensagem."

A definição, segundo a própria Carolina, não é simples. "O lobista é o cara que vai no Congresso ou no Executivo e leva a mensagem de quem cujos interesses ele representa ao pé do ouvido do tomador de decisão", afirma. "O profissional de RIG faz mais: pareceres, notas técnicas, viabilização em rede social, mobilização na sociedade de uma forma geral, articulação com a mídia."

Se você, ao ouvir o termo lobista, já imagina alguém andando pelos corredores do Congresso Nacional carregando uma mala de dinheiro, saiba que é contra essa imagem que Carolina luta. "As grandes operações envolvendo corrupção revelaram pessoas que se diziam lobistas, mas não eram. Elas cometeram crimes, não estavam fazendo lobby. Eram criminosos que foram equiparados a profissionais que exercem uma atividade legítima e importante para a democracia."

Para quem trabalha o lobista?

O lobista, ou melhor, o profissional de RIG trabalha para diversas entidades, instituições e empresas. Ele pode estar nas universidades estudando o mercado, em escritórios de advocacia, associações e confederações de classe e nas grandes empresas, além de consultorias. Ele atua defendendo os interesses de quem representa em relação aos tomadores de decisão (o Poder Executivo) e na formulação de leis (o Legislativo).

Há profissionais de RIG no governo também: as assessorias parlamentares, autarquias, fundações e empresas públicas contam com um especialista desses destacado para fazer o relacionamento com o Congresso, com os outros órgãos do governo e com a sociedade civil. Além disso, o terceiro setor emprega pessoas que exercem a mesma função - mas a chamam de "advocacy".

O Ministério do Trabalho reconheceu a ocupação do lobista em 2018. Na lista de competências requeridas do profissional há 91 habilidades, como as de liderar pessoas, tomar decisões, trabalhar em equipe, agir com empatia, saber ouvir, pensar estrategicamente e ter capacidade de negociação, abstração, raciocínio analítico, organização, flexibilidade e criatividade, entre outras.

O termo "lobista" foi um apelido dado pelo presidente americano Ulysses S. Grant, que governou os Estados Unidos entre 1864 e 1869. Grant costumava ser abordado por uma série de pessoas todas as noites quando ia ao lobby do hotel Willard beber um conhaque e fumar charuto. Eram pessoas que pediam aprovação de leis que as ajudassem nas mais diferentes demandas: de disputas de terras a construções de pontes. O presidente se referia a elas como os "lobistas do hotel Willard".

Não pode dinheiro, mas falta regulamentação

No Brasil, o que o profissional não pode é fazer pressão econômica para que sua pauta seja encaminhada nem usar dinheiro para convencer alguém de nada.

Mas a ocupação ainda carece de regulamentação. "Quando a gente regulamenta, a gente tem regras claras", diz Carolina.

O relacionamento com as autoridades não envolve comercialização, não envolve dinheiro, mas como vamos deixar claro isso? Com uma regulamentação.

O projeto de lei para isso, de número 1202, foi elaborado em 2007 e aguarda ainda hoje, em caráter de urgência, a deliberação no plenário da Câmara. "Acredito que, com o amadurecimento político da sociedade, essa compreensão de que a nossa atividade é fundamental esteja cada vez mais perto."

Do patins profissional a profissional de RIG

De seus 6 até os 24 anos, Carolina Venuto tinha uma rotina rígida de treinamento diário. Ela era uma patinadora artística profissional - chegou mais tarde a ser capitã da seleção brasiliense do esporte, quando entrou na faculdade de direito. Como ainda se dedicava muito aos treinos, não experimentou o mercado de trabalho. "Então, no meu primeiro emprego, quando sentei na cadeira como advogada, pensei: gente, odeio fazer isso aqui", ela diz.

"Sou uma pessoa muito da paz. O objetivo da advocacia é a pacificação social, mas, até isso acontecer, era tanto conflito. Naquela época não existiam, como hoje, as resoluções consensuais como a arbitragem, a conciliação. Era tudo muito litigioso. Depois de dois anos sofrendo, morrendo de dó de mim, comecei a procurar outras coisas."

Carolina conseguiu uma vaga na Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça. Gostou de participar da elaboração de leis, de ver outras serem aprovadas por sugestões de texto feitas por ela. "Pensei que era aquele meu caminho." Começou a fazer cursos, passou pela área de relações institucionais governamentais do Itaú, voltou para o MJ como assessora parlamentar e foi para uma consultoria.

Foi lá que ela começou a ter contato com a Abrig, porque era uma das ferramentas que usou para conhecer as pessoas e o mercado das relações governamentais. Na associação, virou diretora de capacitação quando percebeu que faltavam cursos no mercado para formar profissionais e se ofereceu para criá-los.

"Sempre fui um pouco ousada, acho que trago isso da minha carreira de atleta. Quando vejo que algo incomoda, levanto a mão e reclamo", ela conta. Foi assim quando percebeu que havia poucas mulheres e poucos jovens na atividade. E Carolina não ficou só na reclamação. "O povo foi me deixando fazer as coisas. Criei o Comitê de Jovens, depois o Comitê de Mulheres e, quando eles menos esperavam, virei presidente e estou aqui", brinca.

A renúncia do presidente e a alçada ao cargo

Carolina começou a alimentar o sonho de ser a primeira presidente mulher da Abrig por incentivo das mulheres e dos jovens dos comitês que havia criado. "Meu nome circulava bem. Só que, obviamente, eu não acreditava muito. Se você abrir o site da Abrig, vai ver que minha foto destoa. Primeiro porque não sou careca e nem tenho cabelo branco. Depois, porque sou mulher."

Embora existisse o sentimento de que ela chegaria lá, ele era acompanhado por um "talvez mais tarde". A chapa para a eleição do fim do ano passado foi montada com o candidato Luiz Henrique Maia Bezerra como presidente, Jack Corrêa como o vice e Carolina somente como a primeira vice-presidente. Em junho último, no entanto, Luiz Henrique e Jack Corrêa renunciaram ao cargo, e Carolina foi alçada à presidência.

Oficialmente, Luiz alegou "questões de foro íntimo" que "se colocam impedindo" sua continuidade à frente da entidade. Jack Corrêa afirmou em nota que o compromisso firmado na eleição para a "retomada da estabilidade da entidade" foi encerrado diante do "gesto de renúncia" do presidente.

"Não posso falar por eles, mas consigo adiantar que a transformação na nossa atividade de RIG, essa história de construirmos a mensagem e não sermos mais só mensageiros, foi sendo percebido pelos associados", ela afirma. "E existe um grupo de pessoas que já faz lobby há muito tempo e está acostumado a ser apenas mensageiro. Isso causou e vem causando uma certa acomodação. Também internamente na Abrig, nesse movimento de encaixe, algumas peças acabam saindo do tabuleiro."

Por mais mulheres e jovens lobistas

E agora, qual é a luta da presidente? "Quero tornar a atividade de RIG mais inclusiva, mais democrática e mais profissionalizada", afirma ela. "A associação se propõe a ser um espaço de acolhimento e de profissionalização. Temos hoje uma base de capacitação muito sólida para que a pessoa consiga desenvolver as habilidades necessárias. E quero trazer uma percepção de acolhimento para mulheres e jovens, praticamente estrangeiros nessa atividade que é essencialmente masculina e de pessoas experientes." Carolina conta que o mercado é muito machista.

Minha rotina é diferente da do homem desde o momento em que coloco minha roupa. Já calculo o tamanho da minha saia, que não pode ser muito curta, o tamanho do meu decote, que não pode ser muito grande, quanto de maquiagem eu uso, se estou aparentando ser velha demais ou jovem demais. O homem põe o terno dele e, independentemente de qualquer que seja, ele vai ser recebido, ele vai entrar, ele vai ter acesso.

Ela diz não ser ingênua de achar que as coisas vão mudar do dia para a noite. "Mas a partir do momento em que tem uma mulher presidindo a entidade de uma atividade masculina como esta, uma das entidades mais antigas na área, minha função é pedagógica também", acredita. Para começar a mudança, ela já determinou, por exemplo, que nenhum evento na entidade será realizado sem a presença de uma mulher. "É um trabalho de formiguinha, né?"

Embora não goste de falar sobre assédio e importunação sexual, por ser algo que acredita que ainda estigmatiza a vítima, a presidente da Abrig diz: "Quando as audiências eram presenciais, eu era assediada praticamente toda semana", conta. "Já sofri assédios mais materiais, de passarem a mão em mim, mas tem coisas diárias do tipo: 'Ah, agora a reunião ficou bonita com a sua presença'."

Hoje, Carolina não fica quieta. "Adoro estar nesta posição em que, com muita maestria, a gente é capaz de falar: 'Pois não, deputado, mas o que eu vim falar para o senhor é o que, na verdade, mais importa'. A gente não pode se calar, senão essa realidade nunca vai mudar."