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Mulheres protagonizam um mundo em evolução


Brasileira é referência internacional na área de incêndios florestais

Dalva Matos, pesquisadora de incêndios florestais - Arquivo pessoal
Dalva Matos, pesquisadora de incêndios florestais Imagem: Arquivo pessoal

Marcelo Testoni

Colaboração para Universa

04/01/2020 04h00

As queimadas na Amazônia foram um dos fatos mais marcantes de 2019, e os incêndios na Austrália, que devastam o país desde o ano passado, já podem ser considerados um dos principais acontecimentos de 2020. Mas, além desses, outros tantos ecossistemas também correm perigo, como a mata atlântica e o cerrado.

Esses últimos são objeto de estudo da pesquisadora Dalva Matos, reconhecida pela revista científica Fire, conceituada no campo da ciência do fogo, como uma das mulheres líderes de pesquisas sobre incêndios florestais no mundo.

Dalva, 55, é professora do departamento de hidrobiologia da Universidade Federal de São Carlos, no interior paulista. Além dela, apenas oito mulheres atuam nessa linha de pesquisa no Brasil.

"É um grupo relativamente pequeno. No meu caso, me interesso em buscar respostas para diferentes questões na área de ecologia para auxiliar na conservação da biodiversidade", diz a professora, que, ao longo de sua carreira como bióloga, avaliou os impactos causados pelo homem na natureza, como as queimadas na mata atlântica e no cerrado.

Embora a destruição da Amazônia chame mais atenção, os ecossistemas investigados por Dalva também estão ameaçados: de Mata Atlântica original restam apenas 12,4%; do cerrado, onde mais se expande o agronegócio, 50%. A redução drástica dessas áreas não só ameaça as espécies, muitas em extinção, como também a oferta de água doce, o que ajuda a compreender as recorrentes crises hídricas, como a que afetou o sudeste nos últimos anos.

Salvar o planeta, sem ficar triste

O interesse de Dalva pela preservação do meio ambiente evoluiu de um desejo que ela começou a nutrir ainda menina, o de ser médica, surgido após perder a mãe, aos 12 anos.

Depois de terminar a escola na rede pública, ela tentou o vestibular em medicina, mas não passou. Então, decidiu se arriscar em ciências biológicas e entrou na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), também no interior de São Paulo. "Queria me tornar médica, mas minha escolha pela biologia ocorreu quando percebi que ficava muito triste quando chegava para as aulas da disciplina de saúde no Hospital Universitário", diz Dalva.

"Então, percebi que, mais do que a ideia de salvar mães, eu poderia ir além, ajudando famílias inteiras, se o meu trabalho buscasse salvar o planeta. E sem ficar triste. Desde então é para isso que me dedico", explica.

O início da trajetória acadêmica de Dalva também não foi dos mais fáceis. Passava o dia inteiro estudando e, nas horas livres, ainda precisava encontrar disposição para trabalhar, pois sua família, de origem humilde, mal tinha condições de sustentá-la.

"Trabalhei como ensacadora de loja e como professora de ciências. Fazia bolos à noite para vender em uma cantina. Me faltava tempo e dinheiro para almoçar nos dias que dava aula. Eu ganhava um prato de comida, no intervalo das aulas da tarde e da noite, de uma senhora que morava perto da escola. Algumas vezes ganhava das amigas comida para o jantar. Mas minha situação melhorou muito quando recebi uma bolsa de iniciação científica do CNPq", recorda.

Após um mestrado em biologia vegetal na Unicamp e um PhD em ecologia pela Universidade de East Anglia no Reino Unido, no final dos anos 1990, Dalva foi para o Rio de Janeiro, onde começou a atuar como pesquisadora na Reserva Biológica de Poço das Antas e, posteriormente, com bombeiros florestais, na floresta da Tijuca.

A atuação de Dalva contribuiu para uma melhor compreensão do impacto dos incêndios nessas áreas e para a produção de trabalhos sobre medidas de contenção do fogo e de regeneração das áreas atingidas em áreas de mata atlântica.

"Levantei ainda todo o histórico de incêndios florestais no Rio, desde a criação de seu grupo de bombeiros florestais, e demonstrei a importância da floresta para os turistas e habitantes da cidade. O resultado foi o manejo e a diminuição dos incêndios nas áreas mais críticas", explica.

Da mata atlântica, Dalva estendeu sua pesquisa sobre incêndios para o cerrado. A partir de 2004, já estabelecida em São Carlos, passou a analisar os impactos do fogo tanto no desenvolvimento de sementes depositadas no solo como na produção de flores e frutos e que poderia afetar a fauna também.

Trabalho desgastante

Dalva também tem experiência como pesquisadora fora do Brasil, em países como Inglaterra, Escócia, China e Alemanha. Seu nome é citado em mais de 1.500 trabalhos científicos, além da menção na revista Fire, que destaca a relevância das mulheres na ciência. "A publicação acaba sendo um reconhecimento, uma vez que o trabalho em campo, em matas, de pesquisadoras que se dedicam ao tema dos incêndios florestais é muito desgastante."

Dalva destaca ainda que é preciso estimular e despertar o interesse dos jovens pela carreira científica, como um dia aconteceu com ela. "Dessa maneira, eles aprendem como é interessante e divertido fazer pesquisa, além de perseguir e alcançar um objetivo: uma vida melhor para si, para outras pessoas e até para o planeta."