Topo

Cesáreas agendadas podem provocar nascimentos prematuros

Cesáreas feitas antes da 39ª semana podem resultar em partos prematuros - Getty Images
Cesáreas feitas antes da 39ª semana podem resultar em partos prematuros Imagem: Getty Images

Rita Trevisan e Suzel Tunes

Do UOL, em São Paulo

24/07/2014 07h43

Cesáreas marcadas previamente são comuns no Brasil, mas podem provocar nascimentos precoces, segundo especialistas.

Segundo Cristina de Lima Parada, professora e pesquisadora da Faculdade de Medicina da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Botucatu (SP), quem agenda uma cesárea para período anterior às 39 semanas de gestação corre o risco de ter um filho prematuro.

“Os estudos têm evidenciado que os bebês prematuros limítrofes e mesmo os de termo precoce têm menor peso e estatura e maior risco de complicações que as crianças nascidas a partir de 39 semanas”, diz.

Atualmente, a pesquisadora está coordenando um estudo na cidade de Botucatu sobre as cesarianas previamente agendadas. O estudo ainda está em andamento, mas os dados preliminares são preocupantes.

“Já sabemos que as mulheres que fizeram cesárea com agendamento prévio, por conveniência, majoritariamente tinham maior escolaridade, fizeram pré-natal no serviço privado, passaram por mais consultas e deram à luz fora do serviço público de saúde. Esperavam-se, então, melhores condições do recém-nascido. Porém, para os desfechos que estudamos (tempo de internação, peso de nascimento e índice de Apgar, teste que avalia as condições dos recém-nascidos), isso não ocorreu. É como se o benefício da melhor condição social tivesse sido anulado pelo tipo de parto”, diz a especialista, que ainda espera a análise completa dos dados para confirmar essa hipótese.

Alguns estudos alertam que adiantar o parto sem necessidade, ainda que por poucas semanas, traz riscos à criança. É o caso da pesquisa divulgada em março de 2011 pela March of Dimes Foundation, uma ONG americana que realiza campanhas para evitar nascimentos prematuros. Segundo a pesquisa, a taxa de mortalidade infantil é de 1,9 para cada 1.000 bebês nascidos na 40ª semana de gestação, mas sobe para 3,9 para aqueles nascidos apenas um pouco antes, na 37ª semana.

Ultrassom nem sempre é exato, diz pesquisadora

A OMS define como parto a termo (no tempo adequado) aquele que acontece entre 37 e 42 semanas de gestação. Assim, um bebê nascido com 36 semanas e seis dias seria considerado prematuro.

Segundo Cristina Parada, o cálculo que geralmente é feito, e que se baseia na data da última menstruação da mulher e nos exames de ultrassom, nem sempre é exato.

“Um erro no ultrassom pode provocar o nascimento de crianças prematuras limítrofes (entre 36 semanas e 36 semanas e seis dias) e termo precoce (entre 37 e 38 semanas). Se o exame for realizado, por exemplo, com 20 semanas de gravidez, a margem de erro já é de aproximadamente uma semana”, diz a professora.

Carolina Vilas Boas Mercadante, médica fetóloga e especialista pelo Setor de Ultrassonografia em Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), diz que a precisão do ultrassom depende muito de quem o opera, mas, em geral, o exame é confiável quando feito no tempo certo.

“No primeiro trimestre, a margem de erro é de sete dias. Já no terceiro trimestre essa margem pode chegar a até 21 dias”, afirma. Por isso mesmo, o ultrassom realizado no final da gestação não deve ser usado para calcular a idade gestacional.

Dados alarmantes

Segundo dados da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), o Brasil é o país que apresenta a mais alta taxa de cesarianas do mundo: 54%, embora a OMS recomende que não ultrapassem os 15%.

Na rede particular, o índice chega a ultrapassar os 90%. Segundo o Sinasc (Sistema de Informações de Nascidos Vivos), do Ministério da Saúde, a taxa de cesarianas do primeiro trimestre de 2009 do Hospital Santa Joana (uma das maiores maternidades da rede privada de São Paulo) foi de 93%. 

A escolha da data de grande parte dessas cirurgias fica clara em um levantamento realizado por pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública da USP, a partir dos registros de 1,9 milhão de nascimentos ocorridos em São Paulo, entre 2001 e 2010.

Entre os partos normais, o estudo constatou uma distribuição relativamente homogênea nos dias da semana. Entre os partos cirúrgicos, no entanto, verificou-se clara predominância de nascimentos durante os dias de semana, de segunda a sexta-feira. Mas em feriados como Natal, Finados e Ano Novo cai consideravelmente o número de nascimentos por cesarianas.

Quando a cesárea é obrigatória

O parto cirúrgico é indicado em algumas situações específicas, nas quais existe risco de vida para a mãe ou o bebê.

O “Guia de Direitos da Gestante e do Bebê”, manual feito pela Unicef, em parceria com o Ministério da Saúde, recomenda o procedimento quando a mãe tem hipertensão grave; a gestante é soropositiva para o vírus da Aids; quando a cabeça do bebê é desproporcionalmente maior do que a passagem da mãe; quando o cordão umbilical sai antes do bebê; quando a placenta descola antes do nascimento do bebê; quando a localização da placenta impede a saída do bebê; quando o bebê está sentado ou atravessado e em parto de gêmeos quando um dos bebês está sentado.

Contudo, o que era um recurso para salvar vidas tem se tornado regra. Muitos obstetras agendam a cesariana assim que a mulher entra na 37ª semana de gestação, quando já se considera cumprido o tempo necessário de desenvolvimento do bebê. O risco dessa decisão pode ser uma desnecessária –e perigosa– prematuridade.

Médico influencia decisão da gestante

O medo da dor tem sido um dos principais motivos apontados pelas mulheres que afirmam a intenção de agendar um parto cirúrgico, apesar da possibilidade do uso de analgésicos no parto normal.

Uma pesquisa realizada pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) do Rio de Janeiro revelou que quase 72% das brasileiras desejaram um parto normal no início da gravidez, mas só 43% realizaram este procedimento.

O estudo também indica que a opinião do obstetra pode ter um peso significativo na decisão da gestante. Por isso, a professora Roselane acredita que o apoio de enfermeiros obstetras, obstetrizes e doulas (acompanhantes de parto profissionais) aos médicos obstetras pode ser um caminho para a mudança da cultura de cesariana que impera no país. Esses especialistas, ao lado das doulas, podem prestar assistência à gestante ao longo de todo o trabalho de parto, deixando a cargo do médico apenas os momentos finais do nascimento do bebê.

Outra iniciativa que a especialista considera fundamental para estimular o parto normal no país, sobretudo na rede pública, é a proposta de criação, pelo Ministério da Saúde, de salas de parto normal ao lado do centro obstétrico tradicional.

“Nessas salas, chamadas de suítes de parto, a gestante pode ficar junto com seu acompanhante, sendo assistida por profissionais de saúde enquanto está em trabalho de parto. Em São Paulo, há a expectativa de que sejam criados 25 leitos na rede municipal. Ainda é pouco, mas já é o primeiro passo para uma mudança que precisa acontecer”, afirma.