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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Filme volta ao cinema e Christiane F, 60, está viva e causando em Berlim

Christiane Felscherinow, conhecida como Christiane F., na Feira de Frankfurt 2013 - Daniel Roland/AFP
Christiane Felscherinow, conhecida como Christiane F., na Feira de Frankfurt 2013 Imagem: Daniel Roland/AFP

Colunista de Universa

30/07/2022 04h00

Há alguns meses, vi uma senhora punk no metrô de Berlim com vários cachorros. Por momentos, fiquei eufórica. "Será que ela é a Christiane F"? Uma rápida checada no Google me mostrou que não era. Mas podia ter sido. Christiane, a minha ídola de adolescência, desde que li o livro "Eu, Christiane F, drogada e prostituída", ainda mora em Berlim, cidade para onde me mudei faz uns anos. E, segundo os boatos que correm na cidade e reportagens locais, é uma pessoa comum, que pega o metrô com frequência.

Se você nasceu nos anos 70 ou 80 sabe de quem estou falando. Christiane Vera Felscherinow ficou famosa no mundo todo depois que o livro autobiográfico, escrito por ela com a ajuda de dois jornalistas, foi publicado na Alemanha em 1978 e se tornou um best seller em todo o mundo.

Há 40 anos, a história virou filme. E, como comemoração, a película volta aos cinemas nesse fim de semana no Brasil. Se você não viu, recomendo. E mesmo quem, como eu, é familiar com a história, vai gostar de ver de novo.

O livro e o filme sobre Christiane são irresistíveis e envelheceram muito bem.

Isso porque o livro e o filme não são só sobre o drama da menina criada em um conjunto habitacional no subúrbio de Berlim que se vicia em heroína ainda criança e passa a se prostituir. Essa é uma história sobre adolescentes sonhadores, buscando a liberdade, confusos. E isso nunca data. Esse é um drama comum a adolescentes de qualquer geração,

Christiane F hoje

Na primeira vez que vim a Berlim, uma das primeiras coisas que quis fazer foi conhecer os famosos lugares onde o livro se passa. A estação Zoo, onde Christiane costumava se prostituir e se picar de heroína no banheiro, continua lá. Mas o ponto de venda de drogas de Berlim mudou de lugar. Um dos pontos mais conhecidos de tráfico é a Kottbusser Tor, em Kreuzberg. E, segundo vários boatos que correm na cidade, Christiane vez ou outra tem uma recaída e é vista ali.

Infelizmente parece que isso é verdade. Em 2015, Christiane foi parar nos jornais depois de se envolver em uma briga. Motivo, ela estaria batendo em seu próprio cachorro. Duas pessoas intervieram, no que Christiane mordeu uma mulher. Sim, "mordeu". E, agora, a parte mais triste para quem, como eu, é fã dela. Christiane teria dito também vários insultos racistas. Na ocasião, ela foi autuada pela polícia.

Alguns anos antes, em 2013, ela lançou, junto com a jornalista Sonja Vukovic, o livro "Minha segunda vida", onde conta que mora em um subúrbio no leste de Berlim, mas que duas vezes por semana vai de metrô até Neukolln, área que já foi uma espécie de gueto, mas que hoje é badalada. Foi ali que ela "mordeu" a mulher.

Mas Christiane não está em Berlim apenas fisicamente. Ano passado, peguei o metrô e fui dar uma olhada no bairro onde ela cresceu, a Gropiusstadt. Ali fica o prédio onde ela cresceu, o conjunto Gropius, descrito por ela no livro como uma área sombria, triste e sem verde. E é isso mesmo. O prédio, uma obra arquitetônica importante, é um conjunto redondo, completamente cinza, Era inverno, então, o tom "tudo cinza" que imaginamos lendo o livro era muito real. Deu para sentir o desespero de Christiane F. E também para perceber que ela continua viva por ali?