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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Lula está certo ao falar de aborto e todos candidatos deveriam fazer igual

Lula se diz contrário, mas defende que aborto seja um "direito da mulher" - Reprodução/Instagram @manobrown
Lula se diz contrário, mas defende que aborto seja um "direito da mulher" Imagem: Reprodução/Instagram @manobrown

Colunista de Universa

07/04/2022 11h08

"O aborto deveria ser transformado em uma questão de saúde pública e todo mundo ter direito'" A frase, dita pelo ex-presidente Lula, candidato em primeiro lugar nas pesquisas presidenciais essa semana, é óbvia. E um alívio para nós, feministas. "Finalmente alguém decidiu falar sobre legalização do aborto durante a campanha presidencial", pensamos.

Além de tudo, nada mais natural do que o Brasil falar sobre aborto em 2022. 51% das mulheres brasileiras se consideram feministas. Nossas pautas se mostraram importantes.

E o movimento acontece no mundo todo. Uma prova é que, nos últimos anos, vários países da América Latina legalizaram o aborto. Esse é um feito histórico, já que o continente é dos mais conservadores nessa questão. O aborto já é legalizado na Argentina, no Chile, no Uruguai, na Colômbia.

Não está chegando a nossa vez? Ou não vai chegar nunca?

No que depender da opinião pública, parece que a maioria pensa que sim. E temos no mínimo que discutir a ampliação do direito ao aborto. Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituo Patricia Galvão e pelo Instituto Locomotiva, 7 em cada 10 brasileiros acham que a atual legislação no Brasil, onde o aborto é permitido legalmente em casos de estupro e de anencefalia, deve ser mantida ou ampliada.

Ou seja, seria mais que natural (e necessário) que o aborto seja um dos principais assuntos das eleições presidenciais que acontecem em 2022

Mas não.

O Brasil de 2022 está tão conservador e na contramão do mundo (inclusive de seus vizinhos) que essa fala de Lula favorável à legalização virou a grande polêmica da semana. E tem levado a críticas de todos os lados. Algumas pessoas de esquerda (na maioria homens, claro) acham que é melhor não se tocar nesse assunto para não desagradar os conservadores. Alguns analistas de centro concordam. O aborto seria um assunto a se deixar em segundo plano para não desagradar aos bolsonaristas (que, claro, aproveitaram a fala de Lula para espalhar mentiras e exageros).

Diante dessa lógica, é simples: deixem de novo as mulheres de lado. Elas que se danem.

Mas, espera: Mulheres formam a maioria do eleitorado. A eleição será definida por nós. Inclusive, no que dependesse dos homens, Bolsonaro seria eleito no primeiro turno.

Quem disse que vamos aceitar mais uma vez que nossas pautas sejam deixadas de lado? Sim, porque é isso o que acontece. Em nomes de "coisas mais importantes" os direitos das mulheres vão ficando para depois. Como se você poder decidir sobre ter ou não um filho não fosse uma coisa importante.

E mais que isso, o aborto ilegal mata. Segundo a ONU, cerca de 50 mil mulheres morrem por ano fazendo aborto inseguro. Esse é um cálculo difícil de ser feito no Brasil, mas estima-se que o número seja de cerca de 2 mil mulheres por ano.

As vítimas do aborto são mulheres pobres e em maioria negras. Da classe média para cima é diferente. Toda mulher mais privilegiada sabe disso. Na hora que falamos que discutir a legalização do aborto não é importante, estamos dizendo que a vida dessas mulheres (pretas, pobres) não importa.

Na verdade, nunca importou. Só que, pelo jeito, as mulheres de 2022 não estão dispostas a aceitar isso. "É pela vida das mulheres", gritamos nas marchas feministas.

Um candidato, para não perceber isso, tem que estar muito desconectado da realidade.

Que o aborto seja discutido com a seriedade que merece em todos os debates. É o mínimo que podemos esperar.