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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Cíntia Dicker é criticada por viajar sem marido. Em que ano estamos, 1900?

Grupo CARAS
Imagem: Grupo CARAS

Colunista de Universa

15/09/2021 04h00

Houve um tempo, no início do século XX, em que mulheres brasileiras não podiam trabalhar fora sem autorização de um homem. Nossas avós e bisavós não podiam viajar sozinhas sem que o pai ou o marido autorizassem. Chocante, não? Ainda bem, isso é coisa do passado.

Por isso, é surreal pensar que a modelo Cíntia Dicker passou os últimos dias sendo criticada justamente por viajar sem o marido, Pedro Scooby, com quem mora em Portugal. Aparentemente, para algumas pessoas, uma mulher viajar sem o marido para trabalhar, passear, subir uma montanha, ir para uma rave (o motivo não importa) ainda é, acredite, um tabu.

Pois é, nada na vida das mulheres foi fácil. Todos os direitos básicos que temos até agora foram conquistados com luta. Mas parece que algumas pessoas (mulheres, inclusive!) ainda vivem com a cabeça lá em 1900.

Segundo críticas que recebeu no Instagram, esse novo tribunal da moral e dos bons costumes, ela estaria abandonando o marido e os enteados (Dom, Liz e Ben) por passar um tempo viajando. Entre outras coisas, seguidores comentaram que "isso não estava certo". "Se toca, vai viver ao lado do marido e dos filhos. Tanto tempo longe de casa, tá, maluca?", disse uma. "Será que os enteados vão te reconhecer?", perguntou outra.

Cíntia, no caso, viajou para o México a trabalho por alguns dias. Alguém já viu algum homem ser criticado por viajar a trabalho sem a esposa? Alguém já disse que ele estaria abandonando os filhos e, atenção, os enteados? Nunca, jamais.

Homens que viajam a trabalho são vistos como guerreiros, homens de família que saem bravamente pelo mundo para conquistar o sustento da família. No geral, eles ainda recebem compaixão. "Coitados, vão ficar tanto tempo longe da esposa e dos filhos".

E mais: a modelo viajou a trabalho, mas, repito, isso não importa - ela poderia viajar pelo motivo que bem entendesse.

Senhoras de Santana

As senhoras de Santana foi um grupo de mulheres paulistanas que ficou famoso nos anos 80 por vigiar os "costumes''. Eu achava que isso era coisa do passado, mas as redes sociais estão aí para provar o contrário.

Pessoas com esse tipo de pensamento ainda podem comentar: "mas quem vai cuidar dele? Quem vai passar a roupa deles?". Sim, é chocante. Mas esse tipo de crítica recebida por Cíntia só mostra que ainda habitamos um mundo com gente que ainda pensa assim.

Aproveito o tema para falar de mim mesma. Sou casada com um estrangeiro, moro na Alemanha. No momento, estou no Brasil, onde vim visitar a minha família. Ficarei aqui por dois meses. E sabe o que tem de errado nisso? Nada! E sabe o que um marido que não entendesse que eu preciso (e quero) viajar para o meu país, encontrar minha família e ficar sozinha com eles um bom tempo levaria se reclamasse? Um pedido de divórcio.

Posso parecer exagerada mas, na boa, todos nossos direitos foram duramente conquistados. Um homem que não entenda que você é um ser livre, que tem o direito básico de viajar, e que isso inclusive pode fazer muito bem para o casal (afinal, todo mundo se cansa de estar junto o tempo todo), não vale a pena não.

Se você é casada e não viaja sozinha, se joga. Ainda mais depois de um ano e meio trancado em casa com a mesma pessoa - quem ainda se aguenta?