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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

"Minha mãe se assumiu lésbica aos 50 anos e me encorajou a fazer o mesmo"

Camila Kubo - Acervo Pessoal
Camila Kubo Imagem: Acervo Pessoal

Colunista de Universa

16/07/2021 04h00

"Minha mãe, Sandra, se assumiu lésbica aos 50 anos de idade. Foi difícil no começo — eu tinha 15. Precisei de um tempo para processar, assim como meus irmãos. Mas isso foi em meados 2000, não havia tanta informação disponível. Não tínhamos ninguém no nosso meio que era assumido, não tínhamos exemplos. Mas sempre fomos criados para aceitar todos como eram e nunca discriminar alguém. Minha avó Tânia, mãe da minha mãe, sentou comigo e só me disse: 'Ela é minha filha e sempre vou amá-la'."

O relato é da paulista Camila Kubo, de 37 anos, que nasceu e cresceu em Santos, litoral de São Paulo. Ela relata que a revelação veio depois da separação dos pais, que já somavam 21 anos de casamento e tinham três filhos.

"Vó, minha mãe é gay?"

"Minha mãe não chegou e contou abertamente o que estava acontecendo. Não para mim, pelo menos. Sabia que o casamento deles estava ruim, apesar de nunca nos colocarem no meio da confusão. Até que o 'talvez' se tornou concreto. Eu lembro exatamente do dia que descobri sobre minha mãe. Eu estava sentada na minha cama, com a minha avó de frente pra mim, e perguntei: 'Vó, minha mãe é gay?'. Ela respondeu que sim. Ficamos em silêncio e eu quis saber o que ela achava disso. A resposta foi: 'Ela é minha filha, e sempre vou amá-la'. Continuei em silêncio depois disso, e levei um tempo para aceitar, mas hoje vejo que na verdade eu estava em conflito comigo mesma", lembra.

Após o divórcio, Camila optou por morar com o pai. Neste processo, a mãe chegou a passar por dificuldades financeiras. "Meu pai entregava dinheiro para mim, assim daria a ela sem que soubesse que a ajuda partia dele", conta. Tempo depois, Sandra se casou com uma mulher.

"Demorou um pouco para iniciarmos um relacionamento familiar com a madrasta, mas passamos a tratá-la com o mesmo respeito, amor e educação que a segunda mulher do meu pai. Ele se casou novamente depois de um tempo também. A esposa da minha mãe esteve presente em momentos importantes da nossa vida: casamentos dos meus irmãos, primeiro aniversário do meu sobrinho? Apesar do relacionamento ter acabado de uma forma bem ruim e termos perdido o contato, ela foi muito importante para mim, fez parte da minha formação. Foram 15 anos de casamento", conta.

"Sair do armário foi como tomar um café"

Para Camila, o processo de "sair do armário" foi, literalmente, rápido como tomar uma xícara de café. "Pedi um café pra minha mãe e disse: 'Eu gosto de meninas'. E depois reclamei que o líquido estava muito forte. Com meus irmãos, César e Celso, foi a mesma coisa. Todos riram, disseram que já sabiam e me abraçaram dizendo que me amavam", diz.

Para o pai, Camila só falou abertamente sobre ser lésbica nesta semana.

"Estou de mudança para Santa Catarina e ele veio se despedir. Respirei fundo e perguntei se ele já sabia. Ele disse que eu tenho que ser quem sou e que sempre vou tê-lo na minha vida. Sei que sou privilegiada por teu um pai incrível, que deixou todos os preconceitos de lado e sempre colocou os filhos em primeiro lugar. Minha mãe faleceu há três anos e não tem um dia que eu não me sinta grata por ela, pela minha avó, pelos meus irmãos e pelo meu pai. Tenho orgulho dessa história. E, se eu puder ajudar alguém que está passando algo similar, essa pessoa precisa saber que vai ficar tudo bem. Sempre tem alguém em algum lugar precisando de um incentivo, uma ajuda pra sair da escuridão do armário, para mudar a vida. Falar sobre isso deixaria minha velha muito orgulhosa", finaliza.