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Marina Rossi

REPORTAGEM

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De Triunfo a Indaiatuba: o retrato de duas eleitoras de Lula e Bolsonaro

Mariana Andrade, 18 anos, de Indaiatuba, e Silmara Nésio, 19 anos, de Triunfo - Arquivo Pessoal
Mariana Andrade, 18 anos, de Indaiatuba, e Silmara Nésio, 19 anos, de Triunfo Imagem: Arquivo Pessoal

Colunista de Universa

27/10/2022 04h00

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Silmara Nésio dos Santos, 19 anos, e Mariana Andrade, 18 anos, têm duas coisas em comum: estão votando para presidente pela primeira vez neste ano e não querem "nem imaginar" o que pode acontecer caso o candidato oposto ao delas vença as eleições no próximo dia 30. Fora isso, as duas jovens são antagônicas na maneira como pensam, mas representam com precisão o que as pesquisas apontam em números.

Silmara, que completou 19 anos no início de outubro, vive em Triunfo, no sertão de Pernambuco. Filha de agricultores, ela estuda fisioterapia em uma faculdade particular onde conquistou bolsa por meio de um programa para alunos de baixa renda. "Minha mãe recebe o Bolsa Família e, por isso, eu consegui a bolsa na faculdade", conta. Ela menciona o programa criado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas que, desde o ano passado, foi renomeado de Auxílio Brasil pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).

Com o desconto na faculdade, ela paga R$ 550 na mensalidade. "Pesa bastante no meu orçamento", conta. "Só consigo pagar com ajuda do meu pai." Para bancar as contas da casa onde vive com a irmã, a estudante trabalha como designer de sobrancelha e calcula que a renda das duas juntas não ultrapasse R$ 3.500 por mês.

Silmara é eleitora de Lula. Votou no petista no primeiro turno e diz que repetirá o voto no próximo dia 30. "Minha família inteira vota no Lula, ele fez muitas coisas por nós", afirma. Além do antigo Bolsa Família, os pais de Silmara, que vivem na zona rural de Triunfo, também foram beneficiados pelo programa de cisternas, criado na gestão do petista e que levou acesso à água para milhares de famílias do semiárido brasileiro.

"Aliás, aqui em Triunfo todo mundo é Lula. Quem vota em Bolsonaro ou é médico ou é rico", deduz. De fato, em sua cidade, o petista teve 83% dos votos, e Bolsonaro, 13%, no primeiro turno.

Ela explica que votará no candidato petista porque acredita que ele fez uma "revolução" na educação. "Com Lula, uma empregada doméstica teve condição de virar médica. Isso é muito importante", diz ela, a primeira em sua família a ir para a faculdade.

Ainda assim, Silmara afirma que fará um voto crítico. "Não estou com grandes expectativas [caso o petista seja eleito], só espero que as coisas não piorem". Ela faz parte da maioria dos jovens que anda pouco otimista com o futuro do país. De acordo com levantamento realizado pelo Instituto Datafolha neste mês de outubro, somente 25% das pessoas entre 15 e 29 anos acreditam que o Brasil estará muito melhor daqui a dez anos.

A estudante acha que se Bolsonaro for reeleito, a situação pode ficar pior. "Os impostos com certeza vão aumentar mais ainda. Está tudo muito caro já", diz. "Bolsonaro aumentou o Auxílio [Brasil], mas tudo aumentou também. No tempo de Lula, as coisas eram bem mais em conta." Somada à inflação, as falas do presidente contra nordestinos, de acordo com ela, são suas principais razões para que ela não queira "nem pensar" no que pode acontecer caso ele seja reeleito.

Está fresca na memória da estudante a relação que Bolsonaro fez, logo após o primeiro turno das eleições deste ano, entre as taxas de analfabetismo no Nordeste e o melhor desempenho de Lula na região. "Outros dados econômicos também são inferiores nessas regiões porque esses estados estão há 20 anos sendo administrados pelo PT", afirmou o presidente em uma live. No primeiro turno, a maior diferença entre os dois candidatos ocorreu justamente no Nordeste, tradicional bastião do PT, onde Lula recebeu quase 13 milhões de votos a mais do que Bolsonaro.

A comparação acirrou ainda mais a disputa, especialmente nas redes sociais. E, se não atrapalhou a conquista deste eleitorado pelo presidente, tampouco ajudou. De acordo com a última pesquisa do instituto Datafolha, divulgada no dia 20, Lula segue liderando entre os menos escolarizados (58% a 38%), no Nordeste (67% a 29%) e no segmento com renda familiar até dois salários mínimos (57% a 37%). Já Bolsonaro mantém vantagem numérica em todas as outras faixas de renda.

A mais de dois mil quilômetros de distância de Triunfo, em Indaiatuba, no interior de São Paulo, Mariana Andrade também vota de acordo com a maioria. Mas a maioria da sua cidade. Indaiatuba, ao contrário de Triunfo, registrou a maior parte (56%) dos votos no atual presidente, e 32% para o petista no primeiro turno.

"Toda a minha família vota no Bolsonaro", conta ela. Seus tios e avós, que vivem em cidades também do interior paulista como Franca e Orlândia, são todos bolsonaristas. Silmara e Mariana são um retrato do que as pesquisas eleitorais têm apontado. No Sudeste, onde Mariana vive, Bolsonaro está com 50% das intenções de voto, e Lula, com 43%, segundo o Datafolha do último dia 19. Enquanto no Nordeste, o petista tem 67%, e o atual presidente, 29%.

Mariana explica que vota em Bolsonaro porque ela é "completamente anti-PT, anti-Lula, anticomunismo e anticorrupção". Além disso, afirma concordar com muitas coisas que Bolsonaro diz, "como a defesa da liberdade econômica, de expressão e religiosa, além de não ser a favor do aborto e ser a favor da legítima defesa".

Estudante do primeiro ano do curso de administração na PUC-Campinas, Mariana vive com o pai, produtor rural, a mãe, advogada, e a irmã. Estima que o preço da mensalidade de sua faculdade esteja em torno de R$ 1.600, valor que a família paga integralmente. Ela pensa em começar um estágio no ano que vem e acredita que, se o presidente for reeleito, o país "tem tudo para continuar crescendo". E exemplifica, dizendo que a inflação deve diminuir e o PIB tende a aumentar. "Já estamos em um processo de melhora da economia", diz.

Por outro lado, se o petista vencer no próximo domingo, a estudante imagina um cenário com mais corrupção e medidas econômicas com as quais não concorda, como a valorização das estatais em detrimento das privatizações. "A primeira coisa que vai voltar a acontecer é a corrupção", pontua. "Claro que sempre existirão políticos corruptos, mas o PT, por ter sido responsável pelo maior esquema de corrupção, pode voltar com tudo isso", afirma, sobre os casos de corrupção envolvendo a Petrobras.

Apesar das declarações polêmicas do presidente em relação a mulheres e homossexuais, Mariana não considera que seu candidato seja machista ou homofóbico, "como muita gente da esquerda diz". Mas ela reconhece que o presidente diz coisas que "talvez poderia não falar". No entanto, acredita que Bolsonaro criou políticas que favoreceram as mulheres e que o presidente busca a igualdade. "Ele acha que todo mundo é igual, todo mundo é capaz e você tem que fazer por merecer, independentemente de ser homem ou mulher."