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Mariana Kotscho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'O que o irmão do meu irmão é meu?': como lidar com as famílias modernas?

LightFieldStudios/Getty Images/iStockphoto
Imagem: LightFieldStudios/Getty Images/iStockphoto

Colunista de Universa

01/05/2022 04h00

"A avó da minha mãe é mãe da minha avó". Quando minha filha era pequena e fez esta constatação, ela saiu contando pra todo mundo achando muita graça. Contando essa história outro dia para uma amiga, ela me disse que o filho tinha feito uma pergunta para a qual ela não tinha uma resposta: "O que o irmão da minha irmã é meu?".

A situação é assim: o filho da minha amiga é filho dela com o segundo marido e ele tem duas irmãs filhas do primeiro casamento da mãe que, por sua vez, têm um outro irmão só por parte de pai. Como uma criança vai entender que o irmão da irmã não é nada dele? Então ele ganhou o "título de irmão da irmã que não é meu irmão". E meia-irmã, existe? Para minhas primas, que têm uma irmã só por parte de pai, ela é irmã inteira, como as outras - não tem essa de meia irmã.

Para padrasto e madrasta, tem alguma regra? Porque ninguém chama alguém assim "oi, padrastro", "oi, madrasta". Meus filhos decidiram chamar o padrasto de tio, mas houve quem achasse estranho, dizendo que ele não era tio, mas padrasto.

Daí fui consultar uma especialista, a Roberta Palermo, que até escreveu um livro sobre o tema, o "100% Madrasta". Ela me explicou que não havia uma regra. Dependia muito da idade da criança, do contexto. Ela afirmou que cada um tem liberdade de decidir como prefere chamar e ser chamado. Eu conheci uma menininha que tinha uma madrasta chamada Sandra. Ela me perguntava assim: "Essa é sua mãe? E a sua Sandra, quem é?".

Já sabemos que, ao perder os pais, nos tornarmos órfãos; ao perder o marido, viúvas. Mas não há nome que defina a condição de perder um filho. Talvez a palavra aqui seja dor.

Quando passamos dos 60, há quem chame de idoso, velho, terceira idade, melhor idade. Tem o jeito certo? Na dúvida, pergunte. Perguntei para minha amiga trans se ela preferia se definir como trans ou travesti e ela me disse que prefere o termo travesti. De novo: na dúvida, pergunte.

Há mulheres que não gostam de dizer "sou mulher de fulano". Preferem "sou esposa" ou "sou companheira". Tem namorada, ficante, crush, resenha, contatinho. Tenha filhos adolescentes e você ficará por dentro.

Houve uma época em que professora era tia, mas depois isso caiu em desuso, virou pssora, profa. Mãe do amigo vira tia quando as crianças são pequenas. Daí eles crescem e, de repente, tem uma garotada enorme te chamando de tia, mas acho divertido. Adoro ser a "tia Mari" dos amigos dos meus filhos.

A mãe pode ser mãe, mamãe, mami, mamita, mamãezinha, manhê. Se a família é formada por duas mães, cada uma acaba sendo chamada por um desses jeitos, para a criança diferenciar. Já conheci casais que fizeram assim. Acho carinhoso.

O mesmo serve para pai, papai, papi, papito, papaizinho, paiê. Filho é filho, filhinho, filhote. Meu caçula André, por volta dos 2 anos, decidiu que não queria ser chamado por mim pelo nome dele e dizia: "Não sou André, sou filhinho". Já a Laura resolveu me chamar de "mamãe Mariana da Laura" quando nasceu a Isabel. Como assim, a mamãe dela era agora mamãe de outra também?

Acho bonito quando uma mesma pessoa carrega vários desses títulos. Por exemplo: a mãe pode ser ao mesmo tempo avó, neta, filha, madrinha, tia, sobrinha, afilhada. São os papéis mais legais que a gente vai assumindo ao longo da vida.

Mas peso mesmo tem quando, de uma hora para outra, começam a te chamar de senhora. Naquele dia, você sente que o tempo realmente passou. Você entra numa loja e alguém diz: "Posso ajudar a senhora?". Este é um caminho sem volta...

Tem ainda aquele jeitinho que é mesmo para te irritar. Nessas horas, meus adolescentes agora me chamam de dona. Eu mando arrumar o quarto e escuto um "tô indo, dona Mariana". Um tô indo que nunca vai.

Prefixo também define. Ex-marido, ex-sogra, ex-namorado, ex-chefe. Só pai, mãe e filho/filha que nunca ganham um ex na frente.

É importante nos atualizarmos sempre, entender que a língua é viva, se transforma e temos com frequência o que aprender. Os mais jovens podem nos ensinar nessas horas, como a adotar os novos pronomes. Isso faz parte da nossa evolução: todos, todas, todes. Ele, ela, elu. Dele, dela, delu. E com todo o respeito.