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Isabela Del Monde

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Caso Saul Klein escancara a importância de canais alternativos de denúncia

O empresário Saul Klein, em imagem de 2012 - Leticia Moreira/ Folhapress
O empresário Saul Klein, em imagem de 2012 Imagem: Leticia Moreira/ Folhapress

Colunista de Universa

01/05/2021 04h00

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Nos últimos meses, o Brasil tomou conhecimento de relatos que imputam a pai e filho condutas extremamente perversas e violentas contra mulheres; aparentemente, além de ter herdado do falecido pai, Samuel Klein, fundador das casas Bahia, uma fortuna, Saul Klein, 67, parece ter herdado também o gosto pela prática de violência sexual.

Embora a revelação de que 32 mulheres denunciaram Saul Klein por estupro e dezembro, o sistema de Justiça do estado de São Paulo já tinha conhecimento há muito mais tempo de relatos e depoimentos que traziam informações sobre o suposto envolvimento do empresário com aliciamento, exploração sexual de menores e demais crimes.

Klein, como qualquer outra pessoa, é considerado inocente até que se prove o contrário, porém o que a reportagem de Universa publicada nesta sexa (30), "Caso Saul Klein: em relatos inéditos, 9 das 32 mulheres que acusam empresário de estupro descrevem rotina de abusos", revela é que não houve esforços investigativos contundentes pelas autoridades. Em julho de 2020, por exemplo, foi arquivado um inquérito policial no qual se investigava exploração sexual de uma menor de idade pelo empresário.

Há uma série de dinâmicas de poder nesse caso que agem diretamente sobre as vítimas e a investigação, como a diferença de idade entre acusado e vítimas, as suas diferentes posições sociais, possíveis diferenças raciais e, obviamente, as diferenças de gênero.

Estudos comprovam que essas dinâmicas, como, por exemplo, o poder econômico dele e sua influência política, influenciam tanto a capacidade das vítimas em se pronunciarem, afinal temem como ele pode prejudicá-las com tal poder, como a capacidade das autoridades investigativas em se manterem justas, equitativas e imparciais em sua atuação. É quase automático para as autoridades, por exemplo, firmarem a convicção de que as vítimas pobres estão interessadas no dinheiro do acusado, um homem milionário.

Entretanto, esse senso comum que muitas vezes serve de norte para os trabalhos de autoridades já deveria ter sido superado por quem tem competência de investigação e decisão sobre um caso.

Uma investigação como essa deve ser sempre pautada pela ciência baseada em evidências e dados e, se assim o fosse, aquelas dinâmicas de poder passariam a ser irrelevantes ou analisadas sobre o prisma da justiça e da equidade, uma vez que estudos mostram que o comportamento das mulheres que acusam Klein, como elas relatam a Universa, é o padrão nesse tipo de crime: paralisia ou imobilidade tônica ("Fiquei paralisada, nervosa, sem saber o que fazer, em choque"), medo de represálias ("Elas relatam que tinham medo de represálias por deixar o local") e descrença no sistema de Justiça devido às suas diferenças sociais ("Ela também conta que muitas vezes se sentia ameaçada, pois Klein afirmava constantemente que sempre resolveria qualquer coisa "por meio da influência").

Por conta de tudo isso, vítimas têm medo de denunciar e costumam ser muito mal atendidas em delegacias quando chegam desacompanhadas de uma advogada ou quando são apenas uma voz contra um homem imensamente poderoso, vendo suas vozes ignoradas e as investigações paradas ou andando muito morosamente.

A grande diferença no caso dessas 32 vítimas atuais em relação às anteriores que acusaram o empresário é que, desde o começo, elas se apresentaram em grupo e também tiveram o apoio de um canal alternativo de denúncias, o projeto Justiceiras, idealizado pela promotora Gabriela Manssur.

Ao procurarem o apoio desse canal, as vítimas receberam um atendimento técnico que se guia tanto pela ciência como pela humanidade, pois não basta apenas o saber técnico quando se trata de vítimas; elas precisam de acolhimento e de escuta qualificada que não as julgue nem despreze os seus relatos.

Devido à parceria firmada entre o Justiceiras e a Ouvidoria de Mulheres do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), da qual Manssur também é membro, as vítimas foram ouvidas diretamente por autoridades públicas e advogadas extremamente qualificadas e comprometidas com uma vida mais segura para meninas e mulheres. Ao final, foi encaminhado ao Ministério Público de SP um relatório jurídico, psicológico e social de cada vítima, todos baseados em conhecimento técnico e solicitações para andamento da apuração dos casos.

O promotor Eduardo Caetano Querobim atendeu à solicitação da Ouvidoria de Mulheres do CNMP quanto à instauração de inquérito policial e algumas vitórias foram alcançadas, como a concessão de medida protetiva impedindo Saul Klein de contatar as vítimas e a retenção do passaporte do investigado; infelizmente, em fevereiro, tais medidas foram revogadas pelo juiz Fábio Calheiros do Nascimento, da 2ª Vara Criminal de Barueri (SP), em uma sentença que parece estar descolada de dados e evidências científicas, na qual, por exemplo, foram desconsideradas as provas apresentadas nos relatórios de cada vítima.

A luta dessas mulheres, vitimadas por um esquema de mentiras, violências e medo está longe de terminar, mas, dessa vez, elas não estão sozinhas! Se você precisar de ajuda, acesse www.justiceiras.org.br para qualquer tipo de violência contra mulher ou www.metoobrasil.org.br para casos de violência sexual. Estamos com e por você!