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Live commerce movimenta bilhões na China; será que tem chance no Brasil?

TikTok vira poderosa arma de venda - Mourizal Zativa/Unsplash
TikTok vira poderosa arma de venda Imagem: Mourizal Zativa/Unsplash

Simone Machado

Colaboração para Tilt, em São José do Rio Preto (SP)

23/01/2023 09h02Atualizada em 23/01/2023 18h03

Muito mais do que um repositório de danças e desafios virais, o TikTok se tornou uma plataforma poderosa de vendas a partir de transmissões ao vivo. No live commerce, nascido na China, os consumidores acompanham a exibição dos produtos/serviços, tiram dúvidas e podem comprar em tempo real.

Até 2027, previsões apontam que esse tipo de comércio online deve deve movimentar mais de US$ 240 bilhões no mundo, o equivalente a mais de R$ 1 trilhão. Só na China, essa indústria já movimenta cerca de US$ 400 bilhões, segundo dados do Rest of World.

O funcionamento é parecido com o que já vemos há anos no comércio pela TV. A diferença é que tudo é bem mais rápido e com maior potencial de engajamento.

Ganhos de até US$ 11 mil

Em entrevista ao site Rest of World, o vendedor chinês Yan Guanghua disse ter conseguido faturar até US$ 11 mil vendendo bolsas em uma única transmissão no TikTok.

Para capitalizar suas habilidades de falar inglês, Yan tentou o TikTok (em sua versão global. Na China o app oficial tem outro nome), inicialmente vendendo roupas de ioga, estojos para fones de ouvido e isqueiros para uma empresa de exportação em Shenzhen.

Hoje em dia ele faz lives de venda de três a quatro horas por dia, vendendo bolsas e produtos de beleza para compradores principalmente dos Estados Unidos.

Yan desenvolveu seu manual de técnicas estudando os principais streamers (pessoas que fazem transmissões ao vivo) da China e aprendeu como eles criaram cenários imaginativos para atrair os consumidores.

Por ter se tornado um dos principais nomes do live commerce local, ele decidiu dar um curso para compartilhar seus segredos. Ele cobra dos alunos US$ 970 por 20 horas de workshop, mas antecipou um importante para a reportagem:

Domine a psicologia do consumidor. "Não se trata de enfatizar o que há de bom no produto, mas por que você precisa dele, em quais cenários você precisa dele e que tipo de elogios você receberá depois de comprá-lo", afirmou.

Ela deixou o jornalismo para vender ao vivo

Jacqueline Zhuang, 30, fez sua estreia como apresentadora de compras ao vivo do TikTok em um estúdio em Guangzhou, ao sul da China, promovendo um vestido vermelho de lantejoulas que ela usava, destaca a reportagem.

Apenas uma semana antes, ela havia abandonado sua carreira de dez anos como apresentadora de um telejornal para se dedicar ao que ela acredita ser uma carreira do futuro.

Jacqueline contou que fez um curso intensivo de dois dias para aprender táticas de vendas e gírias da internet em inglês.

TikTok será o futuro do ecommerce?

Na China, a plataforma (que é chinesa) tem se consolidado como tal: todo o processo de venda e pagamento é feito pelo próprio TikTok.

"Não há loja offline que possa vender milhões de um único produto por meio de uma única loja em um dia, mas no TikTok pode", disse a investidora Bian Shiqi, 35, que participou do treinamento em Guangzhou, ao Rest of World .

A rede social de vídeos (e lives) até iniciou testes de uma função chamada TikTok Shop (onde os compradores podem comprar diretamente no aplicativo) na Indonésia, Tailândia, Malásia e Reino Unido.

Contudo, ainda é cedo para saber se dará certo fora do país. Apesar de sua popularidade global, o TikTok ainda não se transformou em um destino de compras muito prático.

Na maioria dos países em que a live commerce funciona, os compradores precisam realizar uma etapa adicional e navegar até o site do streamer para realmente comprar algo que viram no TikTok.

Existe também uma questão específica nos Estados Unidos. O app é considerado de alto risco pelos críticos, que o acusam de riscos de segurança e privacidade. Ele foi até banido de todos os dispositivos gerenciados pela Câmara dos Deputados.

E no Brasil?

Para Arthur Igreja, especialista em inovação e tecnologia, o mercado de vendas online através de redes sociais no Brasil é promissor e deve atrair os olhares da plataforma chinesa em breve — o TikTok Shop não foi disponibilizado e nem tem data oficial para isso acontecer.

"Essas plataformas já deixaram de ser apenas redes sociais. Para muitas pessoas, esse ambiente se tornou o local onde elas fazem busca de produto, de serviço e de entretenimento, é uma espécie de novo Google", afirma Igreja.

"Se conseguir direcionar as vendas para esse ambiente, a criação de desejo e a jornada fica mais integrada", acrescenta.

Diego Davolli, especialista em marketing digital e cofundador da Academia de Tiktokers, também acredita que o futuro do live commerce (e do uso do TikTok para isso) deve ganhar espaço no Brasil em breve.

Porém, ressalta que a modalidade deve ser implantada com taxas competitivas com as já encontradas em nosso mercado para atrair os vendedores e também os consumidores.

"Se tiverem que pagar taxas altas para a plataforma, os vendedores ainda vão continuar mandando os clientes para seus próprios sites. É necessário pensar no custo para trazer a audiência para essas lives", explica.

Já Álvaro Machado Dias, neurocientista e futurista, levanta um ponto de alerta focado no comportamento do consumidor brasileiro após a pandemia, quando o setor teve um boom: "durante a pandemia, o comércio digital nas redes sociais explodiu. Porém, o arrefecimento da mesma foi acompanhado pela perda de entusiasmo com essa alternativa de monetização das plataformas e varejistas", afirma Dias, que também é professor associado da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Por isso, ele acredita que live commerce como o modelo visto no TikTok da China não deve crescer por aqui tão rápido por enquanto.

Para Davolli, um bom caminho para convencer os consumidores é a criação de lives que unam entretenimento e descontos, como se fossem um reality show, um show musical ao vivo ou uma live estilo programa de auditório com desafios.